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31 de dezembro de 2008

Estabilidade política 

Por Vital Moreira

Com a aproximação das eleições parlamentares de 2009, após a mais longa legislatura desde 1976, volta à discussão pública o tema da estabilidade política e da governabilidade. Como assegurar a estabilidade governamental num sistema político que, mercê do sistema eleitoral proporcional, raramente proporciona maiorias parlamentares e em que a experiência mostra também uma grande vulnerabilidade dos governos de coligação?

Antes de mais, importa sublinhar que a estabilidade governamental constitui um valor em si mesma. Sem governos que possam planear e levar a cabo uma linha de governação durante quatro anos, não é possível implementar reformas, assegurar a disciplina das finanças públicas, nem responsabilizar governos. Além disso, a instabilidade política gera a instabilidade económica e social. Nada pior para o investimento do que a imprevisibilidade das decisões políticas. Independentemente do juízo que se faça do actual Governo, ninguém pode seriamente contestar que, sem a maioria parlamentar, não teria sido possível conseguir o saneamento das finanças públicas nem empreender as profundas reformas que se realizaram na administração pública, na segurança social, na educação, na saúde, etc.

Em segundo lugar, não tem nenhum fundamento a ideia de que Portugal não tem, ou deixou de ter, um problema de governabilidade. Onze eleições parlamentares e 17 governos em 32 anos de democracia constitucional não são propriamente um bom registo de estabilidade política. Das 11 eleições, só três proporcionaram maiorias parlamentares (1987, 1991, 2005); e dos 17 governos, só quatro completaram a legislatura. Mesmo nos últimos 20 anos, em que a rotação governamental diminuiu e em que se verificaram todos os casos de maioria parlamentar e de governos de legislatura, ainda assim houve duas legislaturas e três governos que não chegaram ao fim do mandato.

Salvo o caso excepcional do primeiro Governo minoritário de António Guterres (1995-1999) - aliás, em tempos de "vacas gordas" e à custa de muitas cedências -, só os governos com maioria parlamentar monopartidária completaram o mandato. Com a referida excepção, todos os demais governos minoritários, bem como todos os governos de coligação (nada menos de sete) abortaram. Este panorama contrasta com o que se passa noutros países europeus com sistema eleitoral proporcional, onde existem governos minoritários que governam estavelmente (por exemplo, em Espanha) e onde inúmeros governos de coligação perfazem legislaturas completas.
Neste quadro, bastará que nas próximas eleições legislativas o partido vencedor não tenha maioria absoluta para que o espectro da instabilidade governamental regresse a toda a força. Sobretudo se se tratar do PS (como é previsível), dada a tradicional impossibilidade de coligações com os partidos à sua esquerda, dominados pelo radicalismo político e por uma cultura de protesto e de oposição que os torna inelegíveis para responsabilidades governativas.

Então, como melhorar as condições de governabilidade em Portugal?

Sem excluir uma mudança das condições e das atitudes políticas que permita governos de coligação estáveis no futuro, as respostas canónicas a essa questão passam por mudanças institucionais. Uma consiste em modificar o sistema eleitoral, de modo a favorecer a obtenção de maiorias parlamentares, diminuindo o respectivo limiar para baixo dos actuais 45% de votos. Outra consiste em assegurar melhores condições de sobrevivência aos governos minoritários, reduzindo o espaço para o seu bloqueio por coligações negativas da oposição.

A primeira opção, que necessitaria de modificação da lei eleitoral, é a menos provável, e não propriamente por necessitar de uma maioria de 2/3. Tal reforma teria de passar, directa ou indirectamente, pela indução de uma maior bipolarização eleitoral e pela consequente redução do actual nível de proporcionalidade do sistema eleitoral, o que, mesmo não sendo inconstitucional, seria politicamente muito controverso. A segunda opção, embora menos melindrosa, também não é fácil, até porque necessitaria de uma revisão constitucional, e logo também de uma maioria de 2/3.

Que medidas poderiam permitir uma maior segurança de executivos minoritários? Como é sabido, a Constituição facilita a formação de tais governos - ao prescindir de um voto de investidura parlamentar e ao exigir maioria absoluta para que a oposição possa rejeitar o programa de governo -, mas depois deixa-os à mercê das oposições. Apesar de ainda exigir maioria absoluta para as moções de censura, a verdade é que nada impede uma coligação negativa para derrubar um governo minoritário. Além disso, e mais importante, um governo minoritário não pode aprovar nenhuma lei contra a oposição, incluindo os principais instrumentos de governação (a começar pelo orçamento), podendo ver-se confrontado com leis de grande impacto financeiro aprovadas pela convergência da oposição contra o governo. Basta citar o "orçamento limiano" e a Lei das Finanças Locais nos governos de Guterres, para mostrar o potencial destrutivo de tais situações.

Recentemente, foi recuperada a velha proposta da "moção de censura construtiva", que acautelaria os governos minoritários contra moções de censura, salvo entendimento entre as oposições para um governo alternativo, o que é pouco provável (embora se tenha verificado em 1987). Mas isso não basta. Sem mecanismos que garantam a aprovação dos orçamentos (por exemplo, transformando a sua rejeição numa moção de censura) e impeçam a aprovação de leis financeiramente incomportáveis pela oposição (por exemplo, proibindo o agravamento do défice orçamental), a vida dos governos minoritários será quase sempre insustentável.
Seja como for, é de crer que o tema da governabilidade integre a agenda da próxima revisão constitucional, na legislatura que vem.

(Público, terça-feira, 30 de Dezembro de 2008)

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