<$BlogRSDUrl$>

30 de dezembro de 2008

Lições açorianas 

Por Vital Moreira

Que lições tirar das eleições regionais dos Açores, que o PS ganhou pela quarta vez consecutiva, de novo com maioria absoluta (embora menos expressiva do que há quatro anos), deixando a longa distância o PSD, que averba uma pesada derrota, e que também revelaram a subida do CDS, do BE e do PCP?

Antes de mais, estas eleições confirmam a extraordinária estabilidade e continuidade política nos Açores (tal como na Madeira, onde é ainda maior, dada a ininterrupta governação do PSD), com maiorias eleitorais quase sempre absolutas, governos de legislatura, ciclos de domínio partidário longos. Depois do inicial período de domínio do PSD, desde 1976 até 1996, seguiu-se o actual ciclo socialista, a caminho dos 16 anos. Pelos vistos, nas ilhas o partido no poder ganha em princípio as eleições, salvo eventualmente em caso de mudança de liderança.

A principal razão para este continuismo eleitoral está em que, com os avultados recursos financeiros disponíveis nas regiões autónomas (cortesia da UE e da República) e com os baixos índices de desenvolvimento à partida, existem condições para grandes e continuados progressos económicos e sociais, ainda por cima com baixa generalizada de impostos em relação ao continente. O PS continua a receber a compensação pelo seu bom desempenho nessas duas vertentes. Acresce que, como mostrou o processo de elaboração do Estatuto regional, os socialistas açorianos aprenderam a manejar a carta do "aprofundamento da autonomia regional" como trunfo eleitoral, seguramente com menos espalhafato do que na Madeira, mas não com menor proveito.

Em segundo lugar, embora o PS tenha sofrido alguma erosão face aos extraordinários resultados de 2004, não foi o PSD a beneficiar dela, pelo contrário, tendo feito o pior resultado de sempre e ficado a cerca de 20 pontos percentuais dos vencedores. E se a relativa baixa do PS era de esperar, já o mesmo não se pode dizer do pesado desaire do PSD. O PS terá sido afectado não somente pela elevadíssima abstenção - já que a vitória se anunciava como certa, o que retirou competitividade às eleições e desmobilizou muitos votantes -, mas também pelas repercussões da crise financeira sobre as perspectivas económicas e financeiras regionais. Já quanto ao PSD, nada pode atenuar nem explicar os seus comprometedores resultados. A sua derrota generalizada, incluindo as pesadas perdas no bastião de São Jorge (onde nunca tinha perdido) e no município de Ponta Delgada (a jóia da coroa do poder local "laranja" nos Açores), revela uma fragilidade política de profundidade inesperada.

O terceiro traço político destas eleições é a subida do CDS, provavelmente à custa do PSD, bem como do BE e do PCP, presumivelmente à custa do PS, sem esquecer o insólito brilharete do PPM no Corvo. O primeiro aumentou a sua representação parlamentar de dois para cinco deputados e os pequenos partidos à esquerda do PS obtêm entrada no parlamento regional (o que no caso do PCP é um regresso). Não tendo votações suficientes para eleger deputados em nenhuma das ilhas (nem sequer em São Miguel, a maior delas), os referidos partidos são os principais beneficiários do novo "círculo regional de compensação", que elege cinco deputados a partir dos "votos remanescentes" dos círculos de ilha. Com estes resultados, em vez de três partidos representados, o parlamento regional passou a ter seis (tal como o parlamento nacional), uma notável diversificação.

Os efeitos do "círculo regional de compensação" são porventura o aspecto mais marcante destas eleições açorianas. De facto, em consequência dele, os votos em qualquer força política passaram a ser relevantes onde quer que ocorram, mesmo em círculos eleitorais sem nenhuma hipótese de eleição de deputados.

Esse efeito não é somente estático, dando relevância eleitoral a votos que antes eram desperdiçados. Desaparece também a pressão para o "voto útil", que anteriormente ocorria em quase todos os círculos eleitorais e que beneficiava obviamente os dois partidos centrais (PS e PSD), em prejuízo do CDS, à direita, e do PCP e do BE, à esquerda. Desse modo, é de admitir que os pequenos partidos tenham visto aumentar a sua votação pelo simples efeito da captação de eleitores que se abstinham ou que votavam noutro partido, por não verem vantagem em votar em partidos sem perspectivas de eleição de deputados. É provável, aliás, que esse "efeito derivado" não se tenha esgotado nesta eleição.

A confirmar-se esta hipótese, é de antecipar uma aproximação ainda maior da paisagem eleitoral açoriana à paisagem nacional, mais diversificada e fragmentada e menos concentrada ao centro do espectro político. Nessa situação, pode ter os dias contados a longa era da esmagadora hegemonia conjugada do PS e do PSD, bem como das maiorias absolutas e dos governos de legislatura, que até agora caracterizaram o processo político açoriano. O círculo regional veio beneficiar a proporcionalidade do sistema sobre a governabilidade, provocando a elevação do limiar da maioria absoluta, pela diminuição do "prémio do vencedor" (vantagem da quota de deputados eleitos sobre a proporção de votos obtidos), bem como a diminuição da "barreira de entrada" no parlamento, que anteriormente era do círculo eleitoral maior (o de São Miguel) e que agora passa a ter por referência todo o arquipélago.

Não se sabe se estes "efeitos colaterais" foram inteiramente antecipados aquando da revisão da lei eleitoral açoriana. Mas seria conveniente que servissem de advertência numa eventual revisão da lei eleitoral da AR, para a qual não faltarão propostas semelhantes ou aparentadas.

(Publico, 21-10-2008)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?