14 de fevereiro de 2009
No jantar de aniversário do General Ramalho Eanes
"Este jantar que nos reune aqui todos os anos é uma festa de aniversário e é também uma homenagem a uma pessoa que tem um significado especial para nós. Mas é mais coisas, além disto. A verdade é que é, também, um reencontro baseado na saudade.
Eu gostava de começar por este lado, mesmo que não seja o mais importante. Penso que temos o nosso direito à saudade. À medida que os anos passam, e fazemos esta viagem de volta às nossas memórias, encontramos num lugar muito especial o período em que tivémos o gosto, e o privilégio, e a honra de fazer parte da equipa que o Presidente da República, General Ramalho Eanes, escolheu para o acompanhar no Palácio de Belém.
Esta saudade não é lamechas. Nestas coisas é sempre possível dizer que temos saudade do tempo em que éramos mais novos. É claro que temos, e temos direito a ter. Mas não é só isso.
Esse tempo - que não foi macio, que vinha de uma instabilidade ainda muito recente, que foi de esforço de consolidação democrática, e de crispação política muitas vezes - esse tempo que passámos juntos desenvolveu entre nós relações de confiança e de camaradagem, que se tornaram, naturalmente, relações de amizade pessoal. Temos saudades disso tudo. Mas há mais.
As diversas situações que vivemos nesse tempo desenvolveram também aquilo a que se chama, em linguagem desportiva, “amor à camisola” - ou, em linguagem mais militar, “espírito de corpo”.
Pelo lado do desporto, nós tivémos o privilégio de ser escolhidos pelo treinador, que nos ensinou a marcar e que nos desculpou eventuais faltas de coesão e concentração como equipa.
Pelo outro lado, do “espírito de corpo” - que é uma expressão curiosa, muito forte de sentido - aprendemos o gosto de seguir uma liderança em que se pode confiar, que se impõe pelo prestígio do comandante, resultando naquela lealdade espontânea que nos torna combatentes da mesma unidade.
De uma forma ou de outra, a verdade é que nós fizémos parte dessa equipa, e somos veteranos grisalhos dessa companhia - e essa medalha já ninguém nos tira. A verdade é que nós estivémos lá - e gostámos de estar! E ficamos gratos ao Senhor General Ramalho Eanes, nosso Presidente, por nos ter convocado. Estas coisas nunca mais se esquecem!
Agora falando do presente. Bem, o presente não está famoso e o que vem aí pode ser muito complicado. No final de Outubro, lembro-me de ter lido uma notícia que me deixou estupefacto, mas esclarecido. O antigo presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, Alan Greenspan, foi chamado ao Congresso e teve de reconhecer que já não acreditava em coisas em que tinha acreditado durante 40 anos. Nomeadamente, que o mercado livre era capaz de se regular a si próprio, mesmo quando alimentava fortunas baseadas na especulação financeira. E teve a coragem de reconhecer o que aí vem: mais desemprego e menos consumo das famílias.
O problema é que enquanto ele falava os protagonistas desta irresponsabilidade toda continuavam a sair para reformas chorudas. Afundavam os bancos que tinham dirigido e recebiam prémios de boa prestação de serviços.
Não me cabe fazer neste local um discurso sobre a crise, nem tenho competência para tanto. Mas isto vem a propósito de outra coisa. É que pouco antes destas notícias sobre a perplexidade (e a indignação) que nos causam aqueles comportamentos, apareceu na nossa Imprensa uma outra, sobre um comportamento completamente diferente. E aqui é que voltamos a “jogar em casa”.
Há um País em que a classe política, ao fim de bastante tempo, lá conseguiu pôr-se de acordo para corrigir uma “injustificada diferença de tratamento” e uma “iniquidade” - foi assim, nestes termos, que foi classificada pelo Provedor de Justiça - praticada no caso da subvenção vitalícia atribuída a um Presidente da República. Ora esta simples reposição da justiça implicava, naturalmente, o pagamento dos retroactivos em falta - de mais de vinte anos em atraso... Mas este Presidente, o nosso Presidente, dispensou beneficiar desse direito legítimo.
Há coisas que não mudam o mundo, mas ficam como exemplo e como lição de superioridade moral. São exemplos e são atitudes que se comunicam por efeito de contágio. Do lado oposto da ganância, da especulação e da irresponsabilidade, também há quem cultive uma ética de frugalidade, de sobriedade e de solidariedade.
São estes valores que importa redescobrir, no “perigoso mundo novo” em que estamos a entrar. Senhor General Ramalho Eanes, nosso Presidente, o senhor não tem meios para meter este mundo na ordem - e nós temos pena. Mas queremos dizer-lhe que sabemos ver a diferença de qualidade, onde ela está, e temos orgulho em ter trabalhado consigo.
Senhor General, nosso Presidente, muito obrigado por estar vivo, muito obrigado por fazer anos, e contamos consigo aqui, no mesmo local e à mesma hora, para o ano que vem. Muito obrigado!"
Silas Oliveira
13.2.2009
Eu gostava de começar por este lado, mesmo que não seja o mais importante. Penso que temos o nosso direito à saudade. À medida que os anos passam, e fazemos esta viagem de volta às nossas memórias, encontramos num lugar muito especial o período em que tivémos o gosto, e o privilégio, e a honra de fazer parte da equipa que o Presidente da República, General Ramalho Eanes, escolheu para o acompanhar no Palácio de Belém.
Esta saudade não é lamechas. Nestas coisas é sempre possível dizer que temos saudade do tempo em que éramos mais novos. É claro que temos, e temos direito a ter. Mas não é só isso.
Esse tempo - que não foi macio, que vinha de uma instabilidade ainda muito recente, que foi de esforço de consolidação democrática, e de crispação política muitas vezes - esse tempo que passámos juntos desenvolveu entre nós relações de confiança e de camaradagem, que se tornaram, naturalmente, relações de amizade pessoal. Temos saudades disso tudo. Mas há mais.
As diversas situações que vivemos nesse tempo desenvolveram também aquilo a que se chama, em linguagem desportiva, “amor à camisola” - ou, em linguagem mais militar, “espírito de corpo”.
Pelo lado do desporto, nós tivémos o privilégio de ser escolhidos pelo treinador, que nos ensinou a marcar e que nos desculpou eventuais faltas de coesão e concentração como equipa.
Pelo outro lado, do “espírito de corpo” - que é uma expressão curiosa, muito forte de sentido - aprendemos o gosto de seguir uma liderança em que se pode confiar, que se impõe pelo prestígio do comandante, resultando naquela lealdade espontânea que nos torna combatentes da mesma unidade.
De uma forma ou de outra, a verdade é que nós fizémos parte dessa equipa, e somos veteranos grisalhos dessa companhia - e essa medalha já ninguém nos tira. A verdade é que nós estivémos lá - e gostámos de estar! E ficamos gratos ao Senhor General Ramalho Eanes, nosso Presidente, por nos ter convocado. Estas coisas nunca mais se esquecem!
Agora falando do presente. Bem, o presente não está famoso e o que vem aí pode ser muito complicado. No final de Outubro, lembro-me de ter lido uma notícia que me deixou estupefacto, mas esclarecido. O antigo presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, Alan Greenspan, foi chamado ao Congresso e teve de reconhecer que já não acreditava em coisas em que tinha acreditado durante 40 anos. Nomeadamente, que o mercado livre era capaz de se regular a si próprio, mesmo quando alimentava fortunas baseadas na especulação financeira. E teve a coragem de reconhecer o que aí vem: mais desemprego e menos consumo das famílias.
O problema é que enquanto ele falava os protagonistas desta irresponsabilidade toda continuavam a sair para reformas chorudas. Afundavam os bancos que tinham dirigido e recebiam prémios de boa prestação de serviços.
Não me cabe fazer neste local um discurso sobre a crise, nem tenho competência para tanto. Mas isto vem a propósito de outra coisa. É que pouco antes destas notícias sobre a perplexidade (e a indignação) que nos causam aqueles comportamentos, apareceu na nossa Imprensa uma outra, sobre um comportamento completamente diferente. E aqui é que voltamos a “jogar em casa”.
Há um País em que a classe política, ao fim de bastante tempo, lá conseguiu pôr-se de acordo para corrigir uma “injustificada diferença de tratamento” e uma “iniquidade” - foi assim, nestes termos, que foi classificada pelo Provedor de Justiça - praticada no caso da subvenção vitalícia atribuída a um Presidente da República. Ora esta simples reposição da justiça implicava, naturalmente, o pagamento dos retroactivos em falta - de mais de vinte anos em atraso... Mas este Presidente, o nosso Presidente, dispensou beneficiar desse direito legítimo.
Há coisas que não mudam o mundo, mas ficam como exemplo e como lição de superioridade moral. São exemplos e são atitudes que se comunicam por efeito de contágio. Do lado oposto da ganância, da especulação e da irresponsabilidade, também há quem cultive uma ética de frugalidade, de sobriedade e de solidariedade.
São estes valores que importa redescobrir, no “perigoso mundo novo” em que estamos a entrar. Senhor General Ramalho Eanes, nosso Presidente, o senhor não tem meios para meter este mundo na ordem - e nós temos pena. Mas queremos dizer-lhe que sabemos ver a diferença de qualidade, onde ela está, e temos orgulho em ter trabalhado consigo.
Senhor General, nosso Presidente, muito obrigado por estar vivo, muito obrigado por fazer anos, e contamos consigo aqui, no mesmo local e à mesma hora, para o ano que vem. Muito obrigado!"
Silas Oliveira
13.2.2009