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5 de março de 2009

Os Direitos Humanos no Darfur interpelam-nos 

Vivemos tempos de crise e na procura de uma solução para os nossos problemas esquecemo-nos com mais frequência dos mais desafortunados, daqueles que têm sido deixados para trás no processo de desenvolvimento e que sofrem dia após dia.
O Papa Paulo VI escreveu em 1967 a todos os “homens de boa vontade” que se o desenvolvimento se tinha tornado no novo nome da paz todos deveríamos trabalhar em prol do mesmo.
Constatamos então que a simples ausência de guerra, apesar de tão desejada, não é sinónimo de paz. Não há verdadeira paz, se não vier acompanhada de justiça, de solidariedade, de igualdade, de respeito e de verdade.
Concluindo, não há verdadeira paz se os Direitos Humanos não forem respeitados escrupulosamente!
Em 1945, após a II Guerra Mundial, o mundo estava em ruínas. O ser humano deparava-se perante um terrível cenário de destruição física e moral após aquele período negro da História.
Três anos depois, em 1948, a Comunidade Internacional adoptava a Declaração Universal dos Direitos Humanos e em 30 artigos assumia um compromisso: o de zelar pelos princípios básicos de todo e qualquer ser humano em qualquer tempo e lugar.
Olhando para o nosso mundo cerca de 60 anos depois, verificamos que ainda não assumimos este compromisso por completo e que a temática dos Direitos Humanos continua actual.
Por um lado constatamos com alegria o facto de vivermos numa era em que nunca como hoje se valorizou tanto os Direitos Humanos. Um dos maiores exemplos disso mesmo é a existência de uma extensa rede de Organizações Não Governamentais e de Instituições Particulares de Solidariedade Social que dão um grande impulso à acção dos governos nacionais na manutenção do Estado Social, agindo em situações de emergência, criando condições para a eliminação de muitas desigualdades, retirando muitas famílias de situações de pobreza, alertando para o incumprimento dos Direitos Humanos e promovendo a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida de muitas populações.
Mas por outro lado, o relatório de 2008 da Amnistia Internacional diz-nos que ainda há pessoas torturadas ou maltratadas em 81 países, que enfrentam julgamentos injustos em 54, e que são proibidas de se expressar livremente em 77.
E esta questão não se esgota aqui: ao longo dos anos, inclusive em Portugal, assistimos ao derrube de regimes ditatoriais que oprimiam e espezinhavam os direitos, as liberdades e as garantias das populações, através da censura, da tortura e outros tipos de violações que os mais velhos se lembrarão. Mas a democracia que veio substituir estes regimes e assegurou esses direitos tem também falhado noutras questões não menos fundamentais em relação aos Direitos Humanos. Não será tão violento prender uma pessoa pelo seu pensamento e pela sua ideologia como despedi-la pela sua idade como vemos acontecer à nossa volta a dezenas de pessoas?
Por tudo isto achamos que seria importante abordar os Direitos Humanos no nosso trabalho de Área de Projecto. Mas como vimos, esta temática é tão extensa e tão complexa que tivemos que definir bem qual seria a nossa área de trabalho.
Escolhemos o drama humanitário do Darfur.
Porquê?
Como já vimos a temática dos Direitos Humanos é extensa e os problemas relacionados com ela também, mas a comunidade internacional e a opinião pública mundial vão estando mais ou menos atentas pondo ocasionalmente os pontos em questão em cima da mesa.
Mas parece-nos também que nestas questões há um limite, que não admite indiferença, falhas nem desculpas: e esse limite é o genocídio, a limpeza étnica.
Todos nos escandalizamos com o que aconteceu a judeus e não só durante o Holocausto mas parece que não aprendemos nada. O mesmo já se passou na Bósnia, no Ruanda e acontece desde 2003 no Darfur perante a nossa passividade.
Aliás, a palavra Darfur ainda soa desconhecida a muita gente. Ou seja, paradoxalmente a situação humanitária mais grave do século XXI é ao mesmo tempo uma das menos conhecidas dos cidadãos de todo o mundo, incluindo os portugueses.
Propusemo-nos então a um desafio enorme: fazer com que no final deste ano lectivo não houvesse ninguém que não tivesse ouvido falar no Darfur, para que dentro de anos quando os nossos filhos olharem para trás, para este triste episódio da Humanidade, ninguém da comunidade escolar e local pudesse dizer que não sabia.
O desconhecimento e a suposta ignorância já serviram como desculpa no Ruanda para a inércia da comunidade internacional.
Não aceitamos que o mesmo se passe no Darfur e então procuramos fazer aquilo que está ao nosso alcance: divulgar, por a pessoas a pensar no que está a acontecer e incentivá-las a agir dentro do possível, a passar a palavra, a estarem atentas ao pouco que vai saindo nos media acerca deste conflito e a participarem nas iniciativas promovidas pela Plataforma porDarfur em Portugal.
Sabemos que não seremos nós a levar a paz ao Darfur porque não temos poder para tal, mas dentro do nosso campo de acção há sempre algo que podemos fazer e que é da nossa responsabilidade. Por mais pequeno que seja o nosso acto, terá sempre algum efeito.
E assim ficaremos com a consciência tranquila de que pelo menos não foi por nós que a situação se manteve na mesma. Porque ninguém faz menos, do que quem não faz nada por pensar que pode fazer pouco!
E assim chegamos ao dia de hoje e a esta iniciativa, onde pretendemos lembrar o Darfur em particular por ser o tema do nosso trabalho e pela gravidade da situação apesar do bom augúrio que constitui o recente acordo de intenções de paz entre o Governo do Sudão e um dos movimentos rebeldes do Darfur. É algo que nos enche de esperança.
Mas sabemos que os Direitos Humanos não se cingem apenas a esta região do globo. Não se cingem também ao Médio Oriente, ao Iraque, ao Afeganistão, ao Zimbabué ou ao Congo. Não se cingem também apenas a China ou a Guantanamo. Não se cingem também às imagens trágicas que nos chegam volta e meia do continente africano.
Os Direitos Humanos passam também por Vila Praia de Âncora, passam por Caminha, passam por Portugal… Passam pelo mundo inteiro.
Todos estes casos que enumerei antes, são situações dramáticas que exigem uma solução rápida e eficaz mas não são a base do problema do desrespeito pelos Direitos Humanos.
E é essa base que é necessária encontrar para que casos como estes não se repitam.
A actual crise mundial que nos assola acentuou em muitos o pessimismo e a descrença. Nós achamos que sim, de facto o mundo precisa de levar uma grande volta em muitos aspectos, mas que isso só acontecerá se cada um de nós der o seu contributo, fazendo parte da solução e não apenas do problema.
Quando tivemos a ideia de realizar esta iniciativa com a presença da Sr.ª Eurodeputada Ana Gomes e quando tivemos a confirmação da sua presença, que muito nos honra, sem qualquer sombra de dúvida, informamos o Prof. Cerqueira Rodrigues como Presidente da Direcção Pedagógica da escola.
Ele e outros professores congratularam-se com a iniciativa, deram-nos os parabéns mas alertaram-nos de um outro factor a ter em conta: o da mobilização.
O último mês foi uma autêntica batalha para fazer a divulgação da sessão, conseguir apoios, contactar a comunicação social e as associações da região.
Ao olhar para esta plateia, sentimos que valeu a pena!
Mas o trabalho que tudo isto implicou, levou-nos à descoberta da base do problema do desrespeito pelos Direitos Humanos.
E a base do problema é a indiferença que corrói a nossa Sociedade Civil.
Encontrada a base do problema, ousamos indicar aquele que será para nós a base da solução e da qual queremos fazer parte: a escola.
É necessário que se compreenda que na base de tudo para resolver os problemas que afectam o mundo está a Educação e sobretudo a Educação para a Cidadania, para que desde a infância haja uma maior sensibilização para estes temas.
Torna-se fundamental, incutir desde muito cedo nas crianças e nos adolescentes a consciência de que a resolução dos problemas que afectam a nossa rua, a nossa escola e a nossa freguesia, passam também por nós.
Envolvendo pais e encarregados de educação nesta tarefa acreditamos que é possível um mundo melhor!
Porque se falamos tanto na necessidade de deixar um mundo melhor aos nossos filhos, também é necessário deixar filhos melhores ao nosso mundo.
O nosso grupo de trabalho tem vindo a fazer o que está ao seu alcance: assinalamos o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos a 10 de Dezembro e o Dia da Lembrança das Vítimas do Holocausto a 27 de Janeiro.
E contamos fazer mais.
Pertenço a uma geração que apesar das muitas ambiguidades que caracterizam o nosso mundo, se sente orgulhosa de algumas vitórias que se têm conseguindo nas últimas décadas: refiro-me à abolição da escravatura e da pena de morte em muitos países, à luta dos trabalhadores por condições dignas de trabalho, à emancipação feminina, ao fim da segregação racial, aos inúmeros movimentos de independência, ao 25 de Abril, à queda do muro de Berlim, etc..
Mas interrogamo-nos também, se é admissível que no século XXI, a Humanidade que chegou à Lua, não se levante perante um drama com a dimensão do conflito do Darfur. Se é admissível que a Humanidade que chegou à Lua permita que seres humanos sejam condenados sem um julgamento justo, torturados e maltratados. Se é admissível que a Humanidade que chegou à Lua, deixe 1,2 mil milhões de pessoas viver com menos de um dólar por dia. Se é admissível que a Humanidade que chegou à Lua, ache normal uma criança morrer pela falta de uma simples vacina.
Faço minhas as palavras de Martin Luther King que a certa altura disse: “O que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais me preocupa é o silêncio dos bons!"
Contamos com a vossa voz, porque quando o silêncio mata, a nossa voz pode salvar.
Poderia continuar horas e horas a falar sobre este assunto mas sinto que não acrescentaria nada de novo. Já Almada Negreiros disse: “Todas as palavras sobre a salvação do mundo já foram ditas… agora resta salvá-lo!”
Está nas nossas mãos fazê-lo!


Intervenção de Carlos Alberto Videira, aluno do 12º ano na escola Ancorensis Cooperativa de Ensino em Vila Praia de Âncora (Concelho de Caminha)
28 de Fevereiro de 2009

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