13 de março de 2009
Justiça fiscal
Por Vital Moreira
Além de reafirmar o clássico compromisso da esquerda com a progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, que aliás é uma exigência constitucional entre nós, a "moção de estratégia" de José Sócrates ao próximo congresso do PS, dentro de duas semanas, vem defender "uma melhor distribuição do esforço fiscal, limitando as deduções de que hoje beneficiam os titulares de rendimentos muito elevadas para que possam beneficiar mais aqueles que têm rendimentos médios".
A intenção da proposta - que é a principal inovação em matéria fiscal para o próximo ciclo político - é aumentar a progressividade do IRS, mesmo sem alterar os escalões superiores do imposto, pois os titulares de mais altos rendimentos deixarão de beneficiar, pelo menos na mesma medida, das deduções fiscais actualmente existentes, permitindo esse ganho de receita fiscal aliviar o imposto dos titulares de rendimentos médios, sem perda significativa da receita global do Estado. Além disso, a medida parece justa, visto que os grandes contribuintes são naturalmente quem mais gasta em despesas elegíveis para dedução fiscal (fundos de poupança, créditos à habitação, seguros de vida e de saúde, despesas privadas de educação e de saúde, etc.). As actuais deduções acabam por introduzir um factor de "regressividade fiscal", diminuindo significativamente a carga fiscal dos mais favorecidos.
Todavia, o impacto dessa medida pode não ser significativo, embora dependendo do limiar de rendimento a partir do qual as deduções fiscais vão ser reduzidas, bem como do grau dessa diminuição. Mas não é pelo corte, mesmo drástico, das deduções fiscais de umas dezenas de milhares de grandes contribuintes que se obtém uma poupança significativa de "despesa fiscal", capaz de levar a uma sensível baixa da carga fiscal sobre os contribuintes de rendimento médio (sem discutir, aliás, se os destinatários do alívio fiscal não devem ser antes os titulares de baixos rendimentos...).
Em segundo lugar, subsiste o problema de fundo, de saber se faz algum sentido manter a generalidade das deduções fiscais em relação a todos os contribuintes, mesmo as que parecem mais justificadas, como as despesas de educação e de saúde. De facto, havendo sistemas públicos de educação e de saúde universais e em grande parte gratuitos, não se compreende bem a dedução fiscal de despesas com sistemas privados de educação e de saúde (sem limites neste caso), que em geral favorece especialmente os titulares de mais altos rendimentos, seus principais clientes.
Ressalvada alguma excepção especialmente justificada, um corte geral nas deduções fiscais, esse sim, permitiria uma considerável redução da actual despesa fiscal, podendo esses ganhos permitir uma significativa baixa do IRS para as classes de rendimentos baixos e médios-baixos, alterando os respectivos escalões e/ou taxas. Além de que proporcionaria uma enorme simplificação e uma maior transparência do sistema fiscal, que bem necessárias são.
Entretanto, além das deduções fiscais, a efectiva proporcionalidade do IRS também se encontra muito comprometida pela fuga de vários tipos de rendimentos à tributação. Merece por isso aplauso a intenção manifestada no documento de Sócrates de promover "medidas de moralização em matéria fiscal e contributiva", incluindo maior transparência nas remunerações dos gestores, a tributação efectiva de benefícios remuneratórios que não assumem natureza salarial e o combate ao abuso do tratamento fiscal de certas despesas empresariais, como viaturas de luxo e outras despesas sumptuárias.
Por último, uma política de transparência e de justiça fiscal - que é essencial em termos de atenuação das desigualdades sociais - não pode ignorar a crescente evasão da tributação do rendimento pessoal por parte dos profissionais por conta própria, não só pela falta de declaração de rendimentos, mas também pela sua prestação sob forma societária (incluindo sociedades unipessoais). O generoso regime de dedução fiscal de despesas em sede de IRC, bem como a baixa taxa deste imposto (depois da criação de um escalão inicial de 12,5%), permitem que muitos rendimentos que de outro modo seriam tributados em IRS sejam tributados muito mais ligeiramente em IRC. Este mecanismo constitui actualmente um dos principais factores de erosão fiscal do IRS e de acentuação da desigualdade fiscal em relação ao mesmo tipo de rendimentos.
Enfraquecida a ofensiva neoliberal contra a progressividade da tributação pessoal (de que é exemplo maior a "taxa plana"), é altura de reivindicar de novo o papel do sistema fiscal no combate às desigualdades de rendimentos.
(Diário Económico, 11 de Fevereiro de 2009)
Além de reafirmar o clássico compromisso da esquerda com a progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, que aliás é uma exigência constitucional entre nós, a "moção de estratégia" de José Sócrates ao próximo congresso do PS, dentro de duas semanas, vem defender "uma melhor distribuição do esforço fiscal, limitando as deduções de que hoje beneficiam os titulares de rendimentos muito elevadas para que possam beneficiar mais aqueles que têm rendimentos médios".
A intenção da proposta - que é a principal inovação em matéria fiscal para o próximo ciclo político - é aumentar a progressividade do IRS, mesmo sem alterar os escalões superiores do imposto, pois os titulares de mais altos rendimentos deixarão de beneficiar, pelo menos na mesma medida, das deduções fiscais actualmente existentes, permitindo esse ganho de receita fiscal aliviar o imposto dos titulares de rendimentos médios, sem perda significativa da receita global do Estado. Além disso, a medida parece justa, visto que os grandes contribuintes são naturalmente quem mais gasta em despesas elegíveis para dedução fiscal (fundos de poupança, créditos à habitação, seguros de vida e de saúde, despesas privadas de educação e de saúde, etc.). As actuais deduções acabam por introduzir um factor de "regressividade fiscal", diminuindo significativamente a carga fiscal dos mais favorecidos.
Todavia, o impacto dessa medida pode não ser significativo, embora dependendo do limiar de rendimento a partir do qual as deduções fiscais vão ser reduzidas, bem como do grau dessa diminuição. Mas não é pelo corte, mesmo drástico, das deduções fiscais de umas dezenas de milhares de grandes contribuintes que se obtém uma poupança significativa de "despesa fiscal", capaz de levar a uma sensível baixa da carga fiscal sobre os contribuintes de rendimento médio (sem discutir, aliás, se os destinatários do alívio fiscal não devem ser antes os titulares de baixos rendimentos...).
Em segundo lugar, subsiste o problema de fundo, de saber se faz algum sentido manter a generalidade das deduções fiscais em relação a todos os contribuintes, mesmo as que parecem mais justificadas, como as despesas de educação e de saúde. De facto, havendo sistemas públicos de educação e de saúde universais e em grande parte gratuitos, não se compreende bem a dedução fiscal de despesas com sistemas privados de educação e de saúde (sem limites neste caso), que em geral favorece especialmente os titulares de mais altos rendimentos, seus principais clientes.
Ressalvada alguma excepção especialmente justificada, um corte geral nas deduções fiscais, esse sim, permitiria uma considerável redução da actual despesa fiscal, podendo esses ganhos permitir uma significativa baixa do IRS para as classes de rendimentos baixos e médios-baixos, alterando os respectivos escalões e/ou taxas. Além de que proporcionaria uma enorme simplificação e uma maior transparência do sistema fiscal, que bem necessárias são.
Entretanto, além das deduções fiscais, a efectiva proporcionalidade do IRS também se encontra muito comprometida pela fuga de vários tipos de rendimentos à tributação. Merece por isso aplauso a intenção manifestada no documento de Sócrates de promover "medidas de moralização em matéria fiscal e contributiva", incluindo maior transparência nas remunerações dos gestores, a tributação efectiva de benefícios remuneratórios que não assumem natureza salarial e o combate ao abuso do tratamento fiscal de certas despesas empresariais, como viaturas de luxo e outras despesas sumptuárias.
Por último, uma política de transparência e de justiça fiscal - que é essencial em termos de atenuação das desigualdades sociais - não pode ignorar a crescente evasão da tributação do rendimento pessoal por parte dos profissionais por conta própria, não só pela falta de declaração de rendimentos, mas também pela sua prestação sob forma societária (incluindo sociedades unipessoais). O generoso regime de dedução fiscal de despesas em sede de IRC, bem como a baixa taxa deste imposto (depois da criação de um escalão inicial de 12,5%), permitem que muitos rendimentos que de outro modo seriam tributados em IRS sejam tributados muito mais ligeiramente em IRC. Este mecanismo constitui actualmente um dos principais factores de erosão fiscal do IRS e de acentuação da desigualdade fiscal em relação ao mesmo tipo de rendimentos.
Enfraquecida a ofensiva neoliberal contra a progressividade da tributação pessoal (de que é exemplo maior a "taxa plana"), é altura de reivindicar de novo o papel do sistema fiscal no combate às desigualdades de rendimentos.
(Diário Económico, 11 de Fevereiro de 2009)