13 de março de 2009
Mais educação
Por Vital Moreira
Um dos sucessos da actual legislatura em matéria de ensino, para além da luta pela efectivação da escolaridade obrigatória no ensino básico, foi seguramente a substancial ampliação da frequência no ensino secundário e no ensino pré-escolar. Mas um moderno país europeu não pode satisfazer-se com menos do que a tendencial universalidade do ensino a jusante e a montante do ensino básico. Daí a importância decisiva do recente compromisso político, por parte do PS, de realização desse objectivo na próxima legislatura.
Apesar do notável progresso no alargamento da escolaridade nas últimas décadas - que se iniciou ainda antes de 1974, com a reforma de Veiga Simão durante o "marcelismo" -, Portugal continua a apresentar dois notórios défices no que respeita ao sistema educativo. Sem esquecer os problemas de abandono e insucesso escolar no próprio ensino básico, o primeiro dos referidos défices tem a ver com a grande percentagem de crianças que chegam à escola sem nenhuma aprendizagem pré-escolar. O segundo é a elevada proporção de jovens que abandonam a escola sem a frequência do ensino secundário.
Quanto ao ensino pré-escolar, a instituição de um sistema público de ensino infantil há trinta anos não foi acompanhada da criação das condições materiais para sua rápida generalização, tendo-se chegado à actualidade com grandes insuficiências na capacidade de oferta do sistema. Entre as razões para o lento progresso no ensino infantil avulta seguramente o facto de ele não ser gratuito, o que inibe a sua frequência por parte das crianças oriundas de famílias de baixos rendimentos, apesar dos apoios públicos existentes.
O ensino pré-escolar não é somente uma condição necessária de cuidados e de socialização infantil nas actuais sociedades em que ambos os progenitores têm a sua ocupação profissional e em que as mulheres não podem simultaneamente trabalhar e cuidar dos filhos até à idade escolar. Mais importante do que isso, a educação pré-escolar constitui um factor essencial de igualdade escolar e, por via disso, de igualdade de oportunidades sociais. Hoje está absolutamente adquirido que a aprendizagem anterior à entrada na escola é um dos mais importantes elementos de superação de desigualdades derivadas da origem social e da condição familiar, sendo portanto um dos mais rendosos investimentos em termos de sucesso escolar, de formação de "capital humano" e de inclusão social.
A resposta a este desafio não pode deixar de assentar na obrigatoriedade e necessária gratuitidade do ensino pré-escolar, como sucede com o ensino básico, apostando em princípio na oferta pública (a cargo naturalmente das autarquias locais), bem como, na insuficiência daquela, no sector social (que hoje assegura uma parte importante da oferta), sem prejuízo naturalmente da liberdade de opção pelo ensino privado, para quem o prefira fazer. Ao contrário do que alguns pretendem, o Estado tem todo o direito, se não a obrigação, de investir num sistema público de ensino infantil (que um recente relatório da OCDE qualificou como verdadeiro "bem público"), como meio de universalizar a sua frequência em condições de igualdade social e de neutralidade ideológica e religiosa.
Quanto ao ensino secundário, não se torna necessário sublinhar a sua importância hoje, como condição de realização pessoal e de sucesso profissional numa economia crescentemente baseada no conhecimento e na formação profissional. Daí a importância do ensino técnico e profissional, associando a certificação académica à certificação de competências profissionais, corrigindo assim o grande erro estratégico cometido depois de 1974, em nome de uma dogmática "unificação do ensino secundário", concebido essencialmente como via de acesso ao ensino superior.
Dada a pressão social para a entrada precoce no mercado de trabalho, a universalização do ensino secundário não se consegue somente pela gratuidade da sua frequência, como a realidade actual mostra, nem muito menos por decreto de obrigatoriedade. Por isso, é de aplaudir a criação de um sistema de bolsas de estudo para os jovens financeiramente carenciados, como forma de incentivo à frequência do ensino secundário.
Tendo surgido inicialmente como meio de emancipação humana e como condição de uma opinião pública e de uma cidadania esclarecida, a universalização e a ampliação do ensino tornou-se depois uma condição de libertação e de igualdade social, bem como de progresso económico e social. O ensino não é somente o primeiro dos "direitos sociais" (em sentido amplo), como direitos de prestação do Estado. Assegurar o acesso universal a uma escolaridade alargada tornou-se também uma das tarefas incontornáveis do Estado social e do chamado modelo social europeu na actualidade.
Tal como os demais "direitos sociais", também o direito ao ensino e as correspondentes obrigações públicas foram objecto da ofensiva neoliberal das últimas décadas, que questionou tanto a obrigatoriedade e a responsabilidade pública pelo ensino como a gratuitidade geral do ensino público. Mesmo agora não faltou quem impugnasse não somente a obrigatoriedade do ensino pré-escolar, como suposta violação da liberdade individual, mas também a aposta na oferta pública, como alegada violação da liberdade de ensino e como manifestação de "concorrência desleal" com o sector social e com o sector privado. Todavia, antes de ser um mercado para quem nele quiser participar, o ensino constitui uma responsabilidade pública que o Estado não pode ignorar.
Um século depois da implantação da República, que instituiu entre nós o ensino básico obrigatório e considerou o ensino como tarefa pública prioritária, os novos compromissos políticos em matéria de alargamento e universalização do direito ao ensino constituem um dos mais relevantes meios de celebrar o centenário do 5 de Outubro de 1910.
(Público, terça-feira, 10 de Março de 2009)
Um dos sucessos da actual legislatura em matéria de ensino, para além da luta pela efectivação da escolaridade obrigatória no ensino básico, foi seguramente a substancial ampliação da frequência no ensino secundário e no ensino pré-escolar. Mas um moderno país europeu não pode satisfazer-se com menos do que a tendencial universalidade do ensino a jusante e a montante do ensino básico. Daí a importância decisiva do recente compromisso político, por parte do PS, de realização desse objectivo na próxima legislatura.
Apesar do notável progresso no alargamento da escolaridade nas últimas décadas - que se iniciou ainda antes de 1974, com a reforma de Veiga Simão durante o "marcelismo" -, Portugal continua a apresentar dois notórios défices no que respeita ao sistema educativo. Sem esquecer os problemas de abandono e insucesso escolar no próprio ensino básico, o primeiro dos referidos défices tem a ver com a grande percentagem de crianças que chegam à escola sem nenhuma aprendizagem pré-escolar. O segundo é a elevada proporção de jovens que abandonam a escola sem a frequência do ensino secundário.
Quanto ao ensino pré-escolar, a instituição de um sistema público de ensino infantil há trinta anos não foi acompanhada da criação das condições materiais para sua rápida generalização, tendo-se chegado à actualidade com grandes insuficiências na capacidade de oferta do sistema. Entre as razões para o lento progresso no ensino infantil avulta seguramente o facto de ele não ser gratuito, o que inibe a sua frequência por parte das crianças oriundas de famílias de baixos rendimentos, apesar dos apoios públicos existentes.
O ensino pré-escolar não é somente uma condição necessária de cuidados e de socialização infantil nas actuais sociedades em que ambos os progenitores têm a sua ocupação profissional e em que as mulheres não podem simultaneamente trabalhar e cuidar dos filhos até à idade escolar. Mais importante do que isso, a educação pré-escolar constitui um factor essencial de igualdade escolar e, por via disso, de igualdade de oportunidades sociais. Hoje está absolutamente adquirido que a aprendizagem anterior à entrada na escola é um dos mais importantes elementos de superação de desigualdades derivadas da origem social e da condição familiar, sendo portanto um dos mais rendosos investimentos em termos de sucesso escolar, de formação de "capital humano" e de inclusão social.
A resposta a este desafio não pode deixar de assentar na obrigatoriedade e necessária gratuitidade do ensino pré-escolar, como sucede com o ensino básico, apostando em princípio na oferta pública (a cargo naturalmente das autarquias locais), bem como, na insuficiência daquela, no sector social (que hoje assegura uma parte importante da oferta), sem prejuízo naturalmente da liberdade de opção pelo ensino privado, para quem o prefira fazer. Ao contrário do que alguns pretendem, o Estado tem todo o direito, se não a obrigação, de investir num sistema público de ensino infantil (que um recente relatório da OCDE qualificou como verdadeiro "bem público"), como meio de universalizar a sua frequência em condições de igualdade social e de neutralidade ideológica e religiosa.
Quanto ao ensino secundário, não se torna necessário sublinhar a sua importância hoje, como condição de realização pessoal e de sucesso profissional numa economia crescentemente baseada no conhecimento e na formação profissional. Daí a importância do ensino técnico e profissional, associando a certificação académica à certificação de competências profissionais, corrigindo assim o grande erro estratégico cometido depois de 1974, em nome de uma dogmática "unificação do ensino secundário", concebido essencialmente como via de acesso ao ensino superior.
Dada a pressão social para a entrada precoce no mercado de trabalho, a universalização do ensino secundário não se consegue somente pela gratuidade da sua frequência, como a realidade actual mostra, nem muito menos por decreto de obrigatoriedade. Por isso, é de aplaudir a criação de um sistema de bolsas de estudo para os jovens financeiramente carenciados, como forma de incentivo à frequência do ensino secundário.
Tendo surgido inicialmente como meio de emancipação humana e como condição de uma opinião pública e de uma cidadania esclarecida, a universalização e a ampliação do ensino tornou-se depois uma condição de libertação e de igualdade social, bem como de progresso económico e social. O ensino não é somente o primeiro dos "direitos sociais" (em sentido amplo), como direitos de prestação do Estado. Assegurar o acesso universal a uma escolaridade alargada tornou-se também uma das tarefas incontornáveis do Estado social e do chamado modelo social europeu na actualidade.
Tal como os demais "direitos sociais", também o direito ao ensino e as correspondentes obrigações públicas foram objecto da ofensiva neoliberal das últimas décadas, que questionou tanto a obrigatoriedade e a responsabilidade pública pelo ensino como a gratuitidade geral do ensino público. Mesmo agora não faltou quem impugnasse não somente a obrigatoriedade do ensino pré-escolar, como suposta violação da liberdade individual, mas também a aposta na oferta pública, como alegada violação da liberdade de ensino e como manifestação de "concorrência desleal" com o sector social e com o sector privado. Todavia, antes de ser um mercado para quem nele quiser participar, o ensino constitui uma responsabilidade pública que o Estado não pode ignorar.
Um século depois da implantação da República, que instituiu entre nós o ensino básico obrigatório e considerou o ensino como tarefa pública prioritária, os novos compromissos políticos em matéria de alargamento e universalização do direito ao ensino constituem um dos mais relevantes meios de celebrar o centenário do 5 de Outubro de 1910.
(Público, terça-feira, 10 de Março de 2009)