13 de março de 2009
Sem rumo na tempestade
Por Vital Moreira
Excluindo a ocorrência de algum sismo político (que alguns vislumbraram no caso Freeport) ou de algum golpe de teatro interno, não parecem ser muitas, nesta altura, as hipóteses de o PSD disputar a vitória eleitoral ao PS nas eleições parlamentares deste ano. Todavia, ao contrário dos que buscam fáceis bodes expiatórios, o problema não está tanto na "falta de imagem" e de "capacidade de comunicação" da actual presidente do partido, como na fragilidade das suas propostas políticas para a crise e no impasse estratégico em que se encontra o próprio PSD, face à sua deslocação para a direita e ao êxito da aposta do PS numa política de centro-esquerda.
Qualquer que seja a perspectiva, a liderança de Ferreira Leite não tem sido bem sucedida. Não só não recuperou a credibilidade política do partido na opinião pública, como não foi capaz de apresentar até agora uma alternativa política com um mínimo de consistência. Sendo manifestas as suas dificuldades de comunicação política e a falta de carisma pessoal, o problema não tem a ver, porém, só com a forma do discurso, mas sobretudo com a pobreza da mensagem política e a inconsistência (e mesmo a irresponsabilidade) das propostas apresentadas e das posições políticas defendidas.
O seu discurso é geralmente negativista e "bota-abaixista". Começou por dizer, muito antes de a crise económica se declarar, que não havia "dinheiro para nada" e que havia uma "situação de emergência social", o que eram manifestos exageros. Depois moveu uma apaixonada cruzada contra as obras públicas em geral, que acabou por reduzir ao "riscanço" do projecto do TGV, justamente um dos investimentos que mais contribui para a modernização e o desenvolvimento do país e que, aliás, se tornou irreversível em virtude dos acordos firmados com Espanha para as linhas comuns, que ela mesma subscreveu enquanto ministra das Finanças de Durão Barroso. Por último, já com a crise económica internacional a todo o vapor, com a ameaça de forte aumento do desemprego, Ferreira Leite veio defender, contra toda a lógica, que a margem orçamental disponível não deveria ser utilizada para fomentar o investimento público e para reforçar as políticas sociais, mas sim para uma redução geral de impostos, proposta que ultimamente reconverteu para a defesa da redução da parte patronal na taxa social única para todas as empresas, o que, além de causar um rombo financeiro incomportável na Segurança Social, afectaria gravemente a capacidade desta para suportar os encargos acrescidos por causa da crise (sobretudo o subsídio de desemprego).
Em vez de apresentar a sua alternativa de resposta à crise, o PSD tem-se notabilizado, sim, pelo alinhamento oportunista com várias lutas e propostas alheias, por mais demagógicas que sejam. Recorde-se o seu activo apoio à recusa do processo de avaliação dos professores, em aliança com o PCP e o BE, bem como o pressuroso apoio à recente ameaça dos camionistas de retomarem formas colectivas de luta contra o Governo, sob o falso pretexto de incumprimento dos compromissos assumidos no ano passado. Recorde-se também a recente votação a favor de uma proposta da Assembleia Regional da Madeira (também apoiada pela extrema-esquerda) no sentido de o Estado assumir o pagamento de metade dos encargos com empréstimos para a compra de habitação, para toda a gente com dificuldades em pagá-los, o que, pelo volume de encargos financeiros exigidos, revela um inadmissível grau de irresponsabilidade orçamental para qualquer partido de oposição com vocação governativa.
Em vez de alternativa de governo a sério - que não pode defender na oposição sistematicamente aquilo que não poderia implementar no Governo -, o PSD tem-se portado como se fosse mais um partido de protesto e de contrapoder, uma espécie de "PCP de direita".
Embora nada disto possa deixar de ser imputado directamente à actual liderança, a verdade é que a actual situação comprometedora do PSD tem as suas raízes na deriva liberal-conservadora que Durão Barroso assumiu e que Ferreira Leite acentuou, como decorre tanto das suas posições retrógradas em matéria de costumes e de liberdade individual (aborto, casamento, divórcio, etc.), como da desfasada defesa da liberalização e privatização dos grandes serviços públicos (Segurança Social, Educação e Saúde) e do afastamento do papel do Estado na economia.
Se esse corpo de ideias emergentes do neoliberalismo e do neoconservadorismo já era politicamente pouco compensador em Portugal antes da actual crise mundial, ele torna-se verdadeiramente exótico, quando por todo o lado a crise demanda o "regresso do Estado" para a salvação do sistema financeiro, o aumento do investimento público para colmatar o corte no investimento privado e a mobilização de todas as políticas sociais para responder à destruição de emprego e de rendimentos para tanta gente. Por isso, não pode deixar de causar a maior perplexidade a fidelidade aos dogmas neoliberais e a insensibilidade às preocupações dominantes, que leva Ferreira Leite a defender, na sua última crónica num semanário, o total afastamento do Estado da economia e a aposta na "responsabilidade social das empresas" como instrumento privilegiado de resposta à crise!
Tudo indica que a questão política essencial nas próximas eleições vai ser a de saber quem é que tem vontade e capacidade para mobilizar todos os recursos públicos (políticos, administrativos e financeiros) e o país para enfrentar a crise e atenuar o seu devastador impacto social, ou seja, quem se apresenta com uma rota e um timoneiro capazes de conduzir o país no meio da tempestade, com firmeza no leme e convicção no rumo para fora dela. Salvo algum prodígio superveniente, parece seguro que nem o PSD nem Ferreira Leite oferecem as credenciais exigíveis para arcar com tais responsabilidades.
(Público, terça-feira, 10 de Fevereiro de 2009)
Excluindo a ocorrência de algum sismo político (que alguns vislumbraram no caso Freeport) ou de algum golpe de teatro interno, não parecem ser muitas, nesta altura, as hipóteses de o PSD disputar a vitória eleitoral ao PS nas eleições parlamentares deste ano. Todavia, ao contrário dos que buscam fáceis bodes expiatórios, o problema não está tanto na "falta de imagem" e de "capacidade de comunicação" da actual presidente do partido, como na fragilidade das suas propostas políticas para a crise e no impasse estratégico em que se encontra o próprio PSD, face à sua deslocação para a direita e ao êxito da aposta do PS numa política de centro-esquerda.
Qualquer que seja a perspectiva, a liderança de Ferreira Leite não tem sido bem sucedida. Não só não recuperou a credibilidade política do partido na opinião pública, como não foi capaz de apresentar até agora uma alternativa política com um mínimo de consistência. Sendo manifestas as suas dificuldades de comunicação política e a falta de carisma pessoal, o problema não tem a ver, porém, só com a forma do discurso, mas sobretudo com a pobreza da mensagem política e a inconsistência (e mesmo a irresponsabilidade) das propostas apresentadas e das posições políticas defendidas.
O seu discurso é geralmente negativista e "bota-abaixista". Começou por dizer, muito antes de a crise económica se declarar, que não havia "dinheiro para nada" e que havia uma "situação de emergência social", o que eram manifestos exageros. Depois moveu uma apaixonada cruzada contra as obras públicas em geral, que acabou por reduzir ao "riscanço" do projecto do TGV, justamente um dos investimentos que mais contribui para a modernização e o desenvolvimento do país e que, aliás, se tornou irreversível em virtude dos acordos firmados com Espanha para as linhas comuns, que ela mesma subscreveu enquanto ministra das Finanças de Durão Barroso. Por último, já com a crise económica internacional a todo o vapor, com a ameaça de forte aumento do desemprego, Ferreira Leite veio defender, contra toda a lógica, que a margem orçamental disponível não deveria ser utilizada para fomentar o investimento público e para reforçar as políticas sociais, mas sim para uma redução geral de impostos, proposta que ultimamente reconverteu para a defesa da redução da parte patronal na taxa social única para todas as empresas, o que, além de causar um rombo financeiro incomportável na Segurança Social, afectaria gravemente a capacidade desta para suportar os encargos acrescidos por causa da crise (sobretudo o subsídio de desemprego).
Em vez de apresentar a sua alternativa de resposta à crise, o PSD tem-se notabilizado, sim, pelo alinhamento oportunista com várias lutas e propostas alheias, por mais demagógicas que sejam. Recorde-se o seu activo apoio à recusa do processo de avaliação dos professores, em aliança com o PCP e o BE, bem como o pressuroso apoio à recente ameaça dos camionistas de retomarem formas colectivas de luta contra o Governo, sob o falso pretexto de incumprimento dos compromissos assumidos no ano passado. Recorde-se também a recente votação a favor de uma proposta da Assembleia Regional da Madeira (também apoiada pela extrema-esquerda) no sentido de o Estado assumir o pagamento de metade dos encargos com empréstimos para a compra de habitação, para toda a gente com dificuldades em pagá-los, o que, pelo volume de encargos financeiros exigidos, revela um inadmissível grau de irresponsabilidade orçamental para qualquer partido de oposição com vocação governativa.
Em vez de alternativa de governo a sério - que não pode defender na oposição sistematicamente aquilo que não poderia implementar no Governo -, o PSD tem-se portado como se fosse mais um partido de protesto e de contrapoder, uma espécie de "PCP de direita".
Embora nada disto possa deixar de ser imputado directamente à actual liderança, a verdade é que a actual situação comprometedora do PSD tem as suas raízes na deriva liberal-conservadora que Durão Barroso assumiu e que Ferreira Leite acentuou, como decorre tanto das suas posições retrógradas em matéria de costumes e de liberdade individual (aborto, casamento, divórcio, etc.), como da desfasada defesa da liberalização e privatização dos grandes serviços públicos (Segurança Social, Educação e Saúde) e do afastamento do papel do Estado na economia.
Se esse corpo de ideias emergentes do neoliberalismo e do neoconservadorismo já era politicamente pouco compensador em Portugal antes da actual crise mundial, ele torna-se verdadeiramente exótico, quando por todo o lado a crise demanda o "regresso do Estado" para a salvação do sistema financeiro, o aumento do investimento público para colmatar o corte no investimento privado e a mobilização de todas as políticas sociais para responder à destruição de emprego e de rendimentos para tanta gente. Por isso, não pode deixar de causar a maior perplexidade a fidelidade aos dogmas neoliberais e a insensibilidade às preocupações dominantes, que leva Ferreira Leite a defender, na sua última crónica num semanário, o total afastamento do Estado da economia e a aposta na "responsabilidade social das empresas" como instrumento privilegiado de resposta à crise!
Tudo indica que a questão política essencial nas próximas eleições vai ser a de saber quem é que tem vontade e capacidade para mobilizar todos os recursos públicos (políticos, administrativos e financeiros) e o país para enfrentar a crise e atenuar o seu devastador impacto social, ou seja, quem se apresenta com uma rota e um timoneiro capazes de conduzir o país no meio da tempestade, com firmeza no leme e convicção no rumo para fora dela. Salvo algum prodígio superveniente, parece seguro que nem o PSD nem Ferreira Leite oferecem as credenciais exigíveis para arcar com tais responsabilidades.
(Público, terça-feira, 10 de Fevereiro de 2009)