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13 de março de 2009

A UE como "Estado regulador" 

Por Vital Moreira

Um conhecido especialista da integração económica europeia, Giandomenico Majone (pronunciar "maione") escreveu ainda na década de 90 um livro seminal sobre a caracterização da União Europeia como "poder regulador" da economia integrada que o "mercado único" veio estabelecer no espaço europeu [The European Community as a Regulatory State, 1995].

A actual crise económica veio, porém, mostrar que há sérios défices de regulação na UE, desde logo no sector financeiro, como mostrou o relatório Larosière, recentemente publicado.

A questão que se coloca é a de saber se, e até que ponto é que, o mercado único - caracterizado pela abolição das fronteiras económicas nacionais e pela multiplicação de empresas com actividades transfronteiriças - pode coabitar com a subsistência do poder regulador dos Estados-membros, ou se se torna necessário acentuar os poderes regulatórios da própria União.

Quanto à primeira tarefa da função regulatória, que consiste no estabelecimento das regras de conduta económica, ela é exercida a três níveis, designadamente os regulamentos e directivas do legislador comunitário, depois os órgãos legislativos nacionais e finalmente as autoridades reguladoras nacionais. Ora, o que se tem verificado é que a UE opta frequentemente por directivas, em vez de regulamentos, o que deixa margem para diferenças de transposição nacional, gerando diferentes regimes regulatórios nacionais em relação ao mesmo tema. Desse modo, os mesmos agentes económicos que operam nos diferentes Estados-membros ficam submetidos a diferentes exigências regulatórias, o que não condiz com a noção de mercado único.

Mais grave é a situação no que respeita à função de supervisão, em sentido estrito, que se mantém no essencial confiada a autoridades nacionais (como sucede com o Banco de Portugal e a CMVM, no caso do sector financeiro), aliás em geral dotadas também de poderes normativos fortes, a par dos seus poderes de supervisão. A questão essencial que aqui surge consiste em saber se a supervisão de base nacional pode dar conta das necessidades de supervisão de uma economia sem fronteiras internas, protagonizada por instituições financeiras e empresas que operam em vários países.

Até agora, a solução consistiu em criar "conselhos de reguladores nacionais" junto da Comissão Europeia, em geral apenas com funções de consulta e de concertação, sem poderes decisórios efectivos. Desde há vários anos, porém, tem havido propostas no sentido da criação de verdadeiras autoridades de supervisão a nível da UE, sem prejuízo da subsistência das entidades de regulação nacionais, que ficarão com poderes limitados às empresas e operações de âmbito nacional. Todavia, até ao momento, essa ideia só vingou, ainda que em termos limitados, no caso da regulação das telecomunicações.

Ultimamente, surgiu a ideia de constituição de "colégios de reguladores nacionais" para supervisionar os grandes operadores económicos com actividades transfronteiriças. Assim se avançou no caso dos mercados financeiros. Mas é fácil ver que uma tal solução implica uma grande fragmentação e assimetria da função regulatória, conservando a matriz nacional para resolver problemas que justamente superam as fronteiras regulatórias. Não admira, por isso, que o referido relatório Larosière tenha vindo propor resolutamente a opção por um sistema europeu de regulação/supervisão do sistema financeiro, incluindo a instituição de autoridades de supervisão da UE, ainda que preferivelmente constituídas a partir das competentes autoridades nacionais (como sucede com o próprio BCE).

A actual crise financeira e económica não veio somente exigir a coordenação dos programas nacionais de estabilização do sistema financeiro e de recuperação económica. Veio igualmente tornar mais claro que, tal como a lógica da integração económica levou anteriormente à necessidade da união económica e monetária e da moeda única, assim a lógica do mercado único implica a integração da função reguladora/supervisora a nível da União.

O que até agora pôde ser adiado, torna-se agora incontornável face à insuficiência regulatória da UE que a crise revelou. Esta não exige somente mais regulação e supervisão dos mercados em geral, pondo fim ao paradigma neoliberal da teologia da "auto-regulação do mercado" e de hostilidade à regulação pública que vingou ao longo dos últimos trinta anos. No caso europeu, esses mesmos trinta anos assistiram também ao aprofundamento da integração económica e ao triunfo do mercado único. Por isso, a regulação adicional tem de passar por fazer da UE uma "Estado regulador" reforçado.

(Diário Económico, 4ª feira, 11 de Março de 2009)

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