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29 de maio de 2009

Eleições europeias: a UE voa ou borrega? 

por Ana Gomes

A democracia não cai do céu. É conquistada e construída diariamente, por todos. Paz, democracia e progresso económico e social estão na origem, no ADN, da construção europeia. Em 35 anos de democracia e quase tantos de integração europeia, Portugal recolheu frutos extraordinários: cidadania livre, instituições legítimas, mais bem estar, prosperidade e igualdade para os portugueses e ainda capacidade de participar na edificação do mais ambicioso projecto político dos últimos 60 anos: a União Europeia. Tudo isto só foi possível porque os portugueses assumiram as suas responsabilidades como cidadãos-eleitores.
Mas neste ano de 2009, sondagens sobre as eleições para o Parlamento Europeu no proximo dia 7 de Junho sugerem que a abstenção pode crescer. Paradoxalmente, nas vésperas da entrada em vigor do Tratado de Lisboa que consagra o reforço dos poderes do Parlamento Europeu.
O voto dia 7 de Junho vai determinar mais do que quem representa os portugueses no Parlamento Europeu: vai determinar se a UE vai ser governada por uma maioria progressista, que ponha as pessoas em primeiro lugar e procure um novo rumo para a Europa sair da crise; ou se vai continuar a ser dominada por uma maioria de direita, que tudo submete ao mercado. Vai determinar se a Europa sai da crise por cima ou continua a patinar com as receitas neo-liberais desreguladoras que afundaram a economia à escala global.
Não é verdade que a política europeia "esteja longe", nem que “não interesse para nada”, como dizem alguns, desconhecedores das batalhas politicas que se travam no Parlamento Europeu.
Todos os dias o impacto da política europeia faz-se sentir na vida dos portugueses (e, claro, dos outros europeus): mais de dois terços da leis que se aplicam em Portugal são hoje decididas em Bruxelas e requerem a aprovação do Parlamento Europeu.
Quando colocamos o cinto no carro e nos sentamos protegidos pelo "airbag", devemo-lo a legislação europeia que obriga os fabricantes de automóveis a respeitar normas de segurança e qualidade; quando saímos de casa de manhã e respiramos ar relativamente limpo, é gracas a leis ambientais europeias que obrigam as indústrias a não nos envenenar; a partir deste Verão, ao viajarmos para fora do país, legislação aprovada pelo Parlamento Europeu obrigarà as operadoras telefónicas a não cobrar mais de 43 cêntimos por chamadas feitas do nosso telemovel e 19 cêntimos por chamadas recebidas em "roaming"; se no supermercado temos direito a ser protegidos da publicidade enganosa nos produtos que compramos - pois bem, foi também legislação passada pelo Parlamento Europeu que veio criar regras neste domínio.

Os deputados europeus que forem eleitos a 7 de Junho vão, desde logo, ter que pronunciar-se sobre a próxima Comissão Europeia e sobre o seu Presidente. Perante o cenário de recessão global, é fundamental eleger deputados que estejam preparados para confrontar a futura Comissão Europeia com exigências concretas para tirar lições da crise e fazer a UE arrepiar caminho relativamente às políticas neo-liberais dominantes nos últimos anos e ao "capitalismo de casino" que precipitou a crise.
Um exemplo do poder do Parlamento Europeu para combater as raízes desta crise é a legislação aprovada em Abril relativa às chamadas “agências de notação” - que os socialistas no PE ha muito exigiam e à qual a actual Comissão Europeia tem feito ouvidos de mercador. Estas "agências" estiveram no epicentro da crise financeira, porque são elas que avaliam o grau de risco que comportam os diversos produtos financeiros e as instituições (como os bancos) que os oferecem no mercado. E que até classificam os países por grau de risco, determinando o custo dos empréstimos a que recorrem. Durante anos, estas "agências" fecharam os olhos à fraude e aos malabarismos que acabaram por desencadear a crise. Porquê? Porque eram pagas como "consultoras" pelas mesmas instituições financeiras cuja actuação depois tinham de avaliar! Este escandaloso conflito de interesses só pôde acontecer porque as agências de notação não estavam sujeitas a qualquer tipo de regulação ou supervisão.

Em todas as áreas estratégicas para o progresso na Europa, o combate no Parlamento Europeu decorre entre, por um lado, aqueles que acreditam que a inexistente "mão invisível do mercado” deve ser incumbida de (des)regular as nossas economias e as nossas vidas e, por outro, os deputados da esquerda democrática que acreditam que o crescimento económico sem sustentabilidade ecológica, estreita regulação e direitos sociais solidamente garantidos não passa de uma aventura irresponsável e perigosa - como esta crise demonstra de forma dramática com o aumento fulminante do desemprego.
Nenhum país vai sair da crise sozinho. Precisamos de mais e melhor Europa para criar mais empregos e empregos decentes. Precisamos de mais governação económica à escala europeia. E para isso precisamos de uma Comissão Europeia que intervenha e assegure a regulação e supervisão dos mercados financeiros - e isso implica desde já combater determinadamente os paraísos fiscais. Precisamos de uma Comissão Europeia que não se resigne a tentar coordenar 27 planos nacionais de relançamento das economias, mas exija meios orçamentais adequados para relançar o investimento público à escala europeia, a fim de defender e criar emprego e desenvolver uma verdadeira política industrial europeia, que tem de se basear na valorização do trabalho, na inovação tecnológica e ser verde para ter sustentabilidade económica e ecológica.

A caminhada de Portugal para a democracia foi das mais longas do continente europeu e, por isso, cada acto eleitoral é precioso. Mas as próximas eleições para o Parlamento Europeu vão ser realmente decisivas: vão determinar se a UE voa ou borrega. É por isso que todos precisamos de ir votar no dia 7 de Junho.

(Jornal de Leiria, 28 de Maio de 2009)

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