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6 de julho de 2009

RESUMO DA RESPOSTA DE ANA GOMES AO DESPACHO DE ARQUIVAMENTO DA PGR SOBRE A INVESTIGAÇÃO “VOOS DA CIA”



I - A investigação da PGR foi importante, porque confirmou as listas de voos identificados pela Assistente Ana Gomes como suspeitos de envolvimento nas “extraordinary renditions”. E porque revelou vários factos:


1. FACTO: o Ministério dos Negócios Estrangeiros reconhece que concedeu, “a título absolutamente excepcional” aos EUA – e só aos EUA – “autorizações genéricas de sobrevoo do espaço aéreo nacional e utilização da Base das Lajes”, autorizações essas que “permitem o transporte de material contencioso e de pessoas

Mas a PGR não questiona o MNE e MDN sobre o significado da expressão “MATERIAL CONTENCIOSO”, nem sobre a necessidade de concessão de uma autorização “ABSOLUTAMENTE EXCEPCIONAL” para transportar... “PESSOAS”


2. FACTO: OITO dos 148 nomes identificados nesta investigação coincidem com os nomes de agentes da CIA alvo de mandato de captura alemães ou italianos, por envolvimento em rapto e “extraordinary renditions”

Mas a PGR conclui: “não se exclui, nem se pode excluir, que estas... pessoas possam estar ligadas, directa, ou indirectamente, às autoridades norte-americanas e, em concreto, às actividades da CIA. Mas, não se logrou demonstrar tal relação.”


3. FACTO: NOVE das operadoras aéreas referidas nesta investigação como tendo actuado em território nacional foram identificadas nas investigaçãoes judiciais alemã, italiana e espanhola, como estando envolvidas no programa das “extraordinary renditions

Mas a PGR conclui: “nenhum elemento dos autos permite estabelecer qualquer ligação entre estas empresas e entidades públicas norte-americanas, nomeadamente a CIA


4. FACTO: aterrou duas vezes em Lisboa (além de dezenas de vezes no Porto) o avião com a matrícula N379P, “Guantánamo Express”, operado pela empresa-fantasma da CIA STEVENS EXPRESS, classificado de “voo de Estado”, e que, por consequência, devia estar munido de autorização diplomática portuguesa

Mas a PGR basta-se em que: “O MNE informou que não foi concedida qualquer autorização diplomática...”. o Despacho de Arquivamento conclui que "algumas das aeronaves civis descritas são classificadas, pelos próprios operadores, como "Voos de Estado". E que "os operadores das aeronaves terão, de forma abusiva utilizado este expediente", sem mais diligências da PGR para apurar a ilícitude de tais comportamentos, nem determinar eventuais implicações gravosas para a segurança nacional e para a segurança dos Estados Schengen.


5. FACTO: o inquérito revelou a existência de pelo menos dois “voos fantasma” sobre os quais não há quaisquer registos junto das autoridades nacionais:

a. um passa pelas LAJES a caminho de GUANTÁNAMO
b. o outro, um “voo ambulancia”, com destino desconhecido, levou ao avistamento, também nas LAJES de um “indivíduo [que] vestia um fato-de-macaco cor de laranja”, “algemado nas mãos e nos pés” e era considerado “altamente perigoso

Mas a PGR sobre isto não se pronuncia, nem investiga mais


6. FACTO: a investigação demonstrou que, em relação a vários voos com origens ou destinos suspeitos, as autoridades portuguesas são incapazes de demonstrar quantos passageiros havia, quem eram, quem desembarcou e permaneceu em Portugal durante vários dias, e onde:

a. TRÊS EXEMPLOS: “5 passageiros” encomendam 9 refeições, “6 passageiros” encomendam 14 refeições, “5 passageiros” encomendam 15 refeições
b. Os formulários de handling do aeroporto de Santa Maria, fundamentais para estabelecer as identidades das pessoas que vêm nos aviões foram aparentemente destruídos em “consequência das intempéries... os processos [de handling] de 2002 e 2003 foram destruídos, não sendo, igualmente, exequível a busca e entrega de documentação respeitante a 2004 e 2005
c. Os PASSENGER MANIFEST, fundamentais para estabelecer as identidades das pessoas que vêm nos aviões, e obrigatórios por lei, estão disponíveis para apenas 1 dos 91 voos civis
d. O SEF é incapaz de apresentar um documento que demonstre que foram feitos controlos de fronteira em qualquer um dos aeroportos onde aterraram estes 91 voos

Mas a PGR conclui: “das diligências realizadas junto das diversas entidades responsáveis pela actividade de aviação civil”, incluíndo o SEF e as empresas de handling “se apurou que foram observados e cumpridos todos os procedimentos legalmentes estabelecidos


7. FACTO
: a investigação revelou que em vários dos voos civis privados mais suspeitos, os passageiros e tripulação declarados encomendavam quantidades absurdas de gelo, que davam para aviões com centenas de passageiros: 12kg de gelo para 5 passageiros, ou 6 passageiros encomendaram 90kg(!) de gelo em três dias e mais 5 passageiros encomendaram 10kg de gelo – para preservar que matéria orgânica, não sabemos...

E a PGR também não cuidou de apurar ...





II - Críticas à inadequação e estratégia da investigação da PGR



1. O âmbito limitado das investigações foi totalmente inadequado para a descoberta da verdade

1.1.
Estando em causa a operação ilegal em Portugal de um Serviço Secreto estrangeiro – a CIA – com suspeita de pratica de sequestro, tortura e detenção ilegal, não se compreende que as investigações da PGR não tenham incluído a audição
. dos Primeiros-Ministros entre 2002 e 2006
. e respectivos assessores diplomáticos,
. dos Ministros com as pastas MNE, MDN e MAI, entre os anos de 2002 e 2006,
. e respectivos altos funcionários responsáveis pelas relações com a Embaixada dos EUA,
. os responsáveis pelos Serviços de Informação portugueses desde 2002
. o Presidente do INAC
. os Presidentes da NAV, actual e anterior,
. os sucessivos Comandantes da Base das Lajes entre 2002 e 2006.


1.2.
Não se compreende que a PGR ignore os processos judiciais sobre as “extraordinary renditions” que correm em Espanha, Itália e Alemanha, em que dirigentes e agentes dos serviços secretos nacionais são neles arguidos.


1.3.
Não se compreende que a PGR ignore que em Espanha foi confirmado por altos funcionários do Estado que o governo em 2002 foi posto ao corrente pela Embaixada americana de que seriam pedidas autorizações para voos destinados ao transporte de prisioneiros e que o mesmo teria acontecido em Portugal.

1.4.
Não se compreende que as investigações não tenham incidido sobre uma comunicação em particular que a assistente Ana Gomes fez à PGR, indicando quem era a fonte que lhe tinha facultado a informação e três pessoas que consigo a escutaram. No entanto, os autos registam a declaração assinada pela Assistente, datada de 13 de Julho de 2007, a fls. 184 do Volume I, nos seguintes termos:

Relativamente à informação que entretanto também transmitiu, de que o então primeiro-ministro, Dr. Durão Barroso, teria pedido um parecer jurídico ao Dr. Carlos Blanco de Morais sobre a possibilidade de navios militares americanos, que albergariam prisioneiros em interrogatório, utilizarem águas portuguesas e serem dispensados das formalidades marítimas habituais com o relacionamento com outras embarcações na proximidade, declarou que, tendo questionado sobre o assunto alguns oficiais da Armada Portuguesa sobre a possibilidade de tais excepções terem sido concedidas a navios americanos, obteve reacções de assentimento”.



2. A metodologia seguida pela investigação foi inadequada à descoberta da verdade.


2.1.
A PGR não investigou pistas que indiciam que crimes de detenção ilegal, tortura e tratamentos degradantes podem ter ocorrido dentro de aviões estacionados em aeroportos portugueses, como seja o anormalmente exagerado consumo de gelo e de refeições ordenado aos caterings de diversos voos que aterraram no Porto.

2.2.
A investigação não fez diligências indispensáveis para esclarecer quem foi transportado em diversas aeronaves que escalaram em território nacional e estão comprovadamente envolvidas em "extraordinary renditions", tendo em conta que tudo o que apurou sobre o sistema de autorização dos voos e do controle do embarque e desembarque em Portugal é estruturalmente frouxo e esburacado por falhas clamorosas – intencionais ou não.

2.3.
A investigação da PGR não explorou pistas que indiciam crimes de detenção ilegal, tortura e tratamentos degradantes dentro de aviões estacionados em aeroportos portugueses, ao não cruzar os dados obtidos com os elementos fornecidos sobre os casos concretos de presos transportados nesses voos e identificados nos relatórios da ONG REPRIEVE.

2.4.
A PGR não questionou o MNE se a permissão especial, por parte do Estado português, para o transporte de material contencioso E PESSOAS em voos militares contempla – explícita ou implicitamente – a transferência de prisioneiros de, ou para, estabelecimentos prisionais fora da legalidade internacional. O que é tanto mais relevante quanto a investigação estabeleceu que na Base das Lajes as autoridades portuguesas militares dispensam dispôr de dados sobre quem é transportado em voos militares americanos, entrando e saindo de território nacional – esses dados não são sequer fornecidos à Força Aérea Portuguesa.

2.5.
É significativo que a investigação da PGR se tenha abstido de aprofundar, junto das autoridades portuguesas e americanas, o conteúdo de voos militares americanos referenciados como envolvidos nas “extraordinary renditions” que Portugal autorizou a aterrar na Base das Lajes..

2.6.
Esperar-se-ia que numa Base Militar, operada conjuntamente pelas autoridades portuguesas e americanas, ao menos o controlo de voos civis privados fosse mais rigoroso do que num aeroporto civil. No entanto, na Base das Lajes, até os Formulários de Tráfego relativos a este tipo de voos se destacam pela total omissão de dados sobre tripulantes e passageiros que entram e saiem de território nacional....

2.7.
Se quanto aos voos militares estrangeiros autorizados a aterrar na Base das Lajes, a investigação da PGR revelou que as autoridades portuguesas não cuidam de assegurar-se de que tais voos não são utilizados para utilizar presos em violação das obrigações internacionais do Estado português em matéria de direitos humanos fundamentais. Mas à PGR não interessou apurar se tal se havia alterado, pelo menos depois de terem sido lançados, em finais de 2005, diversos inquéritos internacionais – incluindo do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa – relativamente às “extraordinary renditions” e à cumplicidade nelas de autoridades europeias.


CONCLUSÃO


Perante os elementos revelados por este inquérito, e os muitos outros por ele ignorado, só se pode chegar à conclusão a que chega a PGR - de que não foi praticado “em território nacional... qualquer ilícito de natureza criminal” - se o inquérito tiver sido guiado pelo objectivo político de enterrar o tema do papel de Portugal nos “voos da CIA”.

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