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16 de dezembro de 2009

Tratado de Lisboa, defesa e soberania nacional: respostas às perguntas de um militar português 

1. "O que entende por Soberania Nacional e como deve este conceito ser encarado numa perspectiva de maior integração política (Tratado de Lisboa) e nos cenários possíveis na aplicação das clausulas de solidariedade e de defesa comum? "Soberania partilhada vs Soberania comum?""

Entendo por soberania nacional a faculdade de um Estado soberano decidir sobre o seu próprio destino. A soberania nacional sai reforçada na Democracia, já que em Democracia a soberania popular empresta uma legitimidade e uma autenticidade ao exercício da soberania nacional que esta última não poderia obter em ditadura.
É assim que eu interpreto os artigos 2º e 3º da nossa Constituição, em que se diz, respectivamente, que "a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular" e que "a soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição". A soberania nacional em ditadura, ou em monarquia absoluta, não passa de um exercício arbitrário da vontade de uma só pessoa - ou de um pequeno grupo de pessoas - e nunca pode verdadeiramente reflectir a vontade colectiva do povo, ou nacional.

Sucessivos governos da República portuguesa democraticamente eleitos desde 1977 se comprometeram com a construção do projecto europeu. O nº 6 do artigo 7º e o nº4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa sustentam, do ponto e vista da nossa ordem constitucional, toda esta evolução. Por isso a integração europeia e concomitante partilha da soberania estão perfeitamente legitimadas do ponto de vista democrático e são totalmente compatíveis com a definição de "soberania nacional" já mencionada.

O Tratado de Lisboa representa um avanço considerável no domínio da integração política no contexto do projecto europeu. No entanto não se pode dizer que tenha havido progressos radicais no que diz respeito à partilha de soberania do domínio da política externa e da segurança e da defesa. As decisões por consenso continuam a constituir a regra, ao contrário do que acontece com os capítulos de Justiça e Assuntos Internos, por exemplo.

No que diz respeito às cláusulas de solidariedade e de defesa comum, é importante distingui-las.

A cláusula de solidariedade (Título VII, Artigo 222º) essencialmente codifica juridicamente uma realidade resultante do avançado estádio de interdependência em que já se encontram os Estados Membros da União. Já antes do Tratado de Lisboa entrar em vigor no dia 1 deste mês, seria inconcebível que, no caso de um Estado Membro ser alvo de um "ataque terrorista" e/ou "catástrofe natural ou de origem humana", os outros recusassem ajudá-lo.

Dois pontos importantes limitam qualquer leitura pós-soberanista desta cláusula:

Primeiro, em caso de emergência, os Estados Membros da União Europeia devem prestar assistência ao Estado Membro afectado "a pedido das autoridades políticas" deste último.

Segundo, sendo verdade que a cláusula de solidariedade prevê que a "União mobiliz[e] todos os instrumentos ao seu dispor, incluindo os meios militares disponibilizados pelos Estados Membros" (nº 1 do Artigo 222º), fica também claro que "quando a decisão tenha implicações no domínio da defesa, o Conselho delibera nos termos do nº1 do artigo 31º do Tratado da União Europeia" (nº 3 do Artigo 222º).

Ora o nº1 do artigo 31º no capítulo refere-se a decisões tomadas pelo Conselho Europeu e pelo Conselho por "unanimidade", ficando portanto absolutamente preservada a soberania nacional neste contexto.

A cláusula de defesa comum (nº7 do artigo 42º) representa de facto um avanço importante. Apesar de, mais uma vez, ser difícil de imaginar um cenário antes da entrada em força do Tratado de Lisboa, em que um Estado Membro fosse "alvo de agressão armada" sem que os outros Estados Membros se sentissem obrigados a vir em sua defesa, a natureza vinculativa deste artigo e, acima de tudo, a importância simbólica de efectivamente elevar a União Europeia ao estatuto de aliança de defesa colectiva, dificilmente poderão ser sobrestimadas.

O facto de o nº 7 do artigo 42º sublinhar a compatibilidade deste avanço "com o carácter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-Membros" (isto é, com o estatuto de neutralidade de vários Estados Membros) e com os compromissos assumidos por outros no seio da NATO, não invalida de forma nenhuma a importância deste artigo para a "definição gradual de uma política de defesa comum da União" (nº2 do artigo 42º).

Finalmente, "soberania partilhada" ou "soberania comum"? Neste momento, a União Europeia contém elementos de ambas, dependendo das políticas. Devo dizer-lhe, fã que sou de uma Europa forte, unida e eficaz, que se um governo português democraticamente eleito decidir participar em futuras iniciativas europeias que estendam o princípio da "soberania comum" a todas as áreas, nomeadamente às da política externa e da segurança e defesa, isso não me chocaria nada. Pelo contrário: eu, à partida, apoiaria, pois isso certamente nos imporia mais empenho, logo mais capacidade de participarmos na definição e execução de tais iniciativas.


2. "Das "Novas" ferramentas da Segurança e da Defesa inseridas pelo Tratado de Lisboa, "Cooperações reforçadas" e "Cooperações estruturadas", no seu entender, que direcções nos indicam, um caminhar para uma defesa partilhada ou uma defesa comum?"

Devo dizer, tendo observado de perto a evolução da PESD nestes últimos anos, que uma "defesa comum" europeia ainda não é visível no horizonte da integração europeia. Estamos neste momento, lenta e gradualmente, a construir os alicerces de uma "defesa partilhada", para os quais contribuirão as inovações do Tratado de Lisboa no âmbito da PCSD.

Será crucial o grau de ambição demonstrado pelo primeiro grupo de Estados Membros que embarcar numa "cooperação estruturada permanente".

Mas, apesar dos progressos, por exemplo, na construção de um mercado europeu de equipamento de defesa, ou dos avanços na cooperação tecnológica no seio da Agência Europeia de Defesa a que temos assistido nos últimos anos, não se vislumbra da parte dos Estados Membros uma verdadeira alteração de paradigma que ponha fim à duplicação, fragmentação, desperdício e - como nós tão bem sabemos do nosso próprio país - corrupção na elaboração e implementação de estratégias de aquisição e desenvolvimento de armamento.

E enquanto os Estados Membros da União não se decidirem a gastar mais dos seus moribundos orçamentos de defesa, em conjunto, e em material, que depois partilham em operações militares onde a interoperabilidade seja a regra e não a excepção, vamos continuar a ter 27 forças armadas europeias distintas, todas elas fingindo que são capazes de levar a cabo as tarefas de que são incumbidas.

Nesse sentido, e num contexto em que os Estados Membros nem sequer se conseguem pôr de acordo sobre se a principal ameaça é o exército russo, o terrorismo internacional, ou os efeitos devastadores dos conflitos em África, é mais avisado apostar no gradual desenvolvimento de uma "defesa europeia partilhada". Tudo isto na esperança de que talvez um dia se cristalize uma identidade europeia suficientemente forte para sustentar uma "defesa comum" que seja capaz de efectivamente defender a Europa, contribuindo para a resolução de conflitos à escala global, de acordo com a letra e o espírito da Carta das Nações Unidas.


3. "Das diversas propostas acerca das "Cooperações Estruturadas Permanentes" (CEP), umas mais outras menos limitativas à participação de um maior numero de Estados-Membro nesse grupo dianteiro, qual será o caminho? E o que convém mais para os interesses Portugueses?"

Julgo que será importante manter o equilíbrio entre, por um lado, critérios quantitativos, objectivos e exigentes a cumprir pelos Estados Membros que queiram fazer parte das "cooperações estruturadas permanentes"(CEP) e, por outro, a importância de manter uma política de porta aberta. Sem a primeira parte desta equação, as CEP perdem a sua vocação transformadora, integradora e incentivadora de reformas modernizantes das forças armadas e passam a ser exercícios estéreis de fachada política. Sem a segunda parte, arriscamo-nos a assistir à divisão permanente
dos Estados Membros em "guarda avançada" e "retaguarda" da política de defesa europeia, o que não é de todo o objectivo da CEP.

O que convém mais a Portugal é participar numa CEP ambiciosa. As razões são simples: ou Portugal aproveita esta oportunidade para modernizar as suas forças armadas, transformando-as numa ferramenta útil no século XXI, onde o que interessa é a especialização, a interoperabilidade e o desenvolvimento de forças expedicionárias capazes de funcionar num contexto multinacional exigente, ou então será cada vez mais difícil explicar aos contribuintes a importância de impedir mais cortes nos orçamentos afectos à Defesa.


4. "Pertencer ou não a uma CEP? Que implicações que uma ou outra terá na soberania nacional? Correremos o risco se não pertencermos a uma CEP, deixarmos de ter uma palavra no seio da Europa relativamente a uma possível intervenção militar? Ou não devo olhar para o problema deste ponto de vista, qual?"

Julgo que já respondi ao essencial desta pergunta.

Acrescento só o seguinte. Os Estados Membros que participarem numa CEP não poderão, em caso algum, levar a cabo uma operação militar sob a bandeira da UE sem que haja uma decisão do Conselho, isto é, de todos os Estados Membros - veja o nº 2 do artigo 42º e, acima de tudo, o artigo 43º. Nesse sentido, ficando de fora de uma CEP, Portugal poderá continuar a valer-se do seu direito de veto para impedir o envio de toda e qualquer missão PCSD com a qual discorde, seja ela levada a cabo pelos participantes numa CEP, ou outros.

Por outro lado, é verdade que participar na CEP terá, para além das vantagens que já enunciei na resposta precedente, a virtude de colocar Portugal entre os países que lideram a integração europeia na área da segurança e da defesa, com todo o prestígio e a capacidade de influência que isso acarreta.

Mais uma vez, não vejo implicações para a soberania nacional em participar numa CEP, já que se trataria de uma decisão soberana de um governo democraticamente eleito pelo povo português.

Cabe ao povo português, exprimindo-se democraticamente, definir o que é a "soberania nacional" e de que maneira esta se deve articular com os compromissos internacionais assumidos pela República portuguesa. A "soberania nacional" - a sua teoria e a sua prática - vai evoluindo ao sabor das inovações que marcam a vida política das nações.

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