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22 de abril de 2010

Submarinos: um negócio europeu 

por Ana Gomes

A publicação na revista "Der Spiegel" de notícias sobre os processos judiciais em curso em Portugal e na Alemanha sobre as suspeitas de corrupção, burla e falsificação rodeando a compra de submarinos e em que o Estado português é o principal lesado, levou imediatamente o Presidente da Comissão Europeia a mandar dizer que não tinha tido “intervenção directa ou pessoal” na negociação do contrato, além de participar na decisão colectiva em Conselho de Ministros.
Dos processos Somague e Casino já se conhece ao Dr. Durão Barroso este jeito de sacudir responsabilidades; ainda que, neste caso, ao sacudi-las, fique atascado na mais diminuidora irresponsabilidade – um Primeiro Ministro que não quis saber de como se fazia, como se pagaria, a mais cara aquisição feita pelo seu país em décadas... Enfim, o seu Ministro da Defesa que se defenda.... (e, com sorte, talvez consiga encontrar lá em casa, entre os milhares de documentos fotocopiados que levou do Ministério, a acta desaparecida do contrato das contrapartidas e o contrato de “leasing” onde se fixam as condições e o prazo de pagamento pelo Estado ao consórcio financeiro, engendrado pelo BES, que financiou a aquisição dos submarinos.)
Mas este é um processo que, além de responsabilidade políticas e criminais a nível nacional em Portugal e na Alemanha, pode implicar violação de normativo comunitário - incluindo das regras da concorrência, desde logo aplicáveis aos sectores industriais supostos beneficiar das contrapartidas dos submarinos. E pode questionar a integridade e transparência das contas que Portugal é suposto prestar a Bruxelas, respeitando as regras do EUROSTAT.
Em causa pode estar, também, o cumprimento por Portugal das Directivas reguladoras das aquisições de equipamento de defesa, promovidas pela Comissão e aprovadas pelo PE em 2009, que deverão ser transpostas para a legislação nacional até 2011 e que exigem a comunicação integral à Comissão Europeia de todos os dados relacionados com aquisições de equipamento de defesa. Ora o contrato para o fornecimento dos submarinos foi assinado em 2004, mas a entrega do primeiro só deverá processar-se este ano e os pagamentos - se o contrato não for entretanto denunciado ou renegociado – passarão a fazer-se a partir de 2011 por mais 12 anos, ou seja até 2023, segundo se deduz da Lei de Programação Militar.
Todos estes elementos deveriam levar o Presidente da Comissão Europeia a ordenar sem demora o desencadeamento de uma investigação da Comissão Europeia ao processo de aquisição de submarinos em que é comprador o Estado português e em que são vendedoras empresas alemãs.
Seria, antes de mais, um antídoto contra especulações sobre o seu papel neste negócio enquanto Primeiro Ministro: tudo espelhar face ao “Der Spiegel”. Seria, também, uma boa maneira de ajudar a defender os interesses e recursos do Estado português, quando a crise e o PEC impõem medidas de contenção orçamental drásticas. Seria, ainda, uma forma de ajudar toda a UE (Alemanha incluída) a combater os esquemas opacos e corruptos que têm caracterizado as aquisições militares e de incentivar o cumprimento das novas Directivas reguladoras do mercado de equipamentos de segurança e defesa. Seria, finalmente, uma boa maneira de a Comissão Europeia auxiliar Portugal a resistir a uma eventual “retaliação germânica”, esgrimida por aqueles (incluindo dois ex-CEMAs) que sustentam que Portugal deve receber os submarinos e amochar prejuízos e ofensas, com o argumento de que a denúncia do contrato seria uma “afronta à Alemanha”.
Armado de investigação comunitária e da legislação europeia na matéria, o Presidente Durão Barroso saberá fazer ver à sua apoiante e correligionária Senhora Merkel aquilo que os procuradores alemães logo toparam: que os contratos estão viciados por corrupção, falsificações e burlas várias e o grande lesado é o Estado português. Acresce que a justiça e a imprensa germânicas vêm demonstrando que as empresas em causa têm recorrido por sistema à corrupção para lograrem contratos destes em todas as latitudes, não só em Portugal. Além de moralizador, o impacto poderia ter também efeitos equilibradores relativamente ao preocupante “superavit” externo que a Alemanha vem cultivando à custa dos “deficits” dos seus parceiros da zona euro. E, pelos vistos, à custa de exportações propulsionadas sistematicamente por subornos e esquemas criminosos.

(Artigo publicado no JORNAL DE LEIRIA de 8 de Abril de 2010)

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