29 de maio de 2010
Duas derrotas
Por Vital Moreira
Lançados por puros propósitos de perseguição política ao Primeiro-Ministro, na ressaca das eleições de Outubro passado, os inquéritos parlamentares sobre as alegadas limitações à liberdade de expressão e ao caso da abortada aquisição de uma parte da TVI pela PT estavam votados ao fracasso, por falta de fundamento. O seu desenlace deve ser saudado, desde logo porque as tentativas de baixa instrumentalização política das instituições não devem premiar os infractores.
Frustradas pela concludente derrota nas eleições parlamentares do Outono passado, apesar da ajuda da crise financeira e da recessão global, as diversas oposições à esquerda e à direita do PS não hesitaram em coligar-se logo para tirar proveito da falta de maioria parlamentar do Governo, confrontando-o com inquéritos parlamentares que o pudessem comprometer ou pelo menos mantê-lo sob pressão. Esperavam que, somando uma maioria de votos, poderiam livremente flagelar e fragilizar o Governo, sem terem de assumir a responsabilidade política de uma coligação negativa para uma moção de censura.
A provarem-se as acusações sobre uma deliberada acção governamental para limitar a liberdade de informação e de opinião no País e para alterar a orientação dos meios de comunicação mais hostis ao Governo, os temas submetidos a inquérito parlamentar não poderiam ser politicamente mais certeiros. Com a prestimosa cooperação da esquerda comunista e bloquista – sempre disponíveis para fazerem o frete à direita contra os socialistas –, o PSD tentava provar a sua tese da “asfixia democrática”, em que centrara a sua oposição ao Governo de Sócrates, como desculpa ou atenuante para sua contundente derrota eleitoral.
Terminado um dos inquéritos e em vias de terminar o outro, o mínimo que se pode dizer é que eles se saldaram por uma incontornável fracasso, numa derrota política dos seus promotores e numa página pouco digna dos anais dos inquéritos parlamentares entre nós. É caso para dizer que os partidos que os desencadearam ficaram “de mãos a abanar”, sem conseguirem comprometer o Governo numa única das suas acusações, apesar de todos os seus esforços conjugados em contrário. A tese da asfixia democrática e do controlo governamental dos média ruiu em escombros, como inventona que sempre fora desde o inicio.
No caso do inquérito à liberdade de expressão, para além de se ter provado que o Governo não teve nenhuma interferência na decisão interna da TVI de pôr fim ao desaustinado “noticiário” das sextas-feiras da estação – verdadeiro exemplo de “jornalismo” sem escrúpulos, que desqualificava mesmo a mais “popular” das televisões –, a comissão não foi capaz de inventariar mais do que um ou outro caso anedótico de alegadas pressões governamentais sem o mínimo de relevância ou credibilidade. Facto notório deste inquérito foi a ausência de qualquer queixa relevante, muito menos prova, de interferência na orientação ou nos conteúdos da informação do serviço público de rádio e de televisão, como era prática useira e vezeira em governos anteriores.
O que envergonha neste inquérito sobre a liberdade de informação e opinião no País, e comprova a sua manifesta má-fé politica, é que o mesmo partido que o promoveu a nível nacional se recusa categoricamente a aceitar qualquer inquérito sobre a situação mais notória, duradoura e institucionalizada de controlo e de interferência política na informação, que é o caso da região autónoma da Madeira, como entretanto se veio a confirmar, de forma escandalosa, com a recente demissão do director do jornal oficioso do respectivo Governo regional. Ao aceitarem essa contradição, o PSD e os seus aliados da extrema-esquerda parlamentar tornaram claro que o seu propósito não era sério e que a iniciativa parlamentar estava inquinada, desde o inicio, de evidente parcialidade política.
O outro inquérito sobre a alegada interferência, ou pelo menos conhecimento prévio, da tentativa de compra pela PT de uma participação no capital da TVI, ultrapassou todas as regras de lisura parlamentar. Na obsessão persecutória, nem sequer os mais elementares princípios do Estado de direito foram observados, como a obtenção e tentativa de utilização de escutas telefónicas em segredo de justiça, apesar de elas terem sido realizadas para a investigação de factos que nada têm a ver com a matéria do inquérito.
Aqui, a intenção era ligar a alegada acusação a uma nefanda conspiração governamental para tentar alterar a linha editorial de uma estação de televisão inamistosa. De nada valeu a reiterada afirmação dos gestores da PT de que a referida operação tinha todo o sentido para a estratégia de crescimento da companhia e que estava desde há muito nos seus planos. De nada valeram também as consistentes declarações dos seus responsáveis de que o Governo nem interferira nem sequer tivera conhecimento prévio desses planos. Fazendo fé cega numa rotunda declaração de Manuela Ferreira Leite sobre a conivência governamental nessa matéria, para a qual nunca aduziu porém uma única prova, a zelosa comissão de inquérito recorreu às antigas técnicas da Inquisição de inverter o ónus da prova e obrigar o acusado a provar a falsidade das acusações, sob pena de estas serem dadas como “provadas”. Nem assim conseguiram nada.
Concluídos estes dois episódios, em que o ressentimento eleitoral das oposições levou a uma lamentável instrumentalização política dos inquéritos parlamentares, a conclusão a tirar é que eles fracassaram em toda a linha, desacreditando quem os promoveu e deixando ileso e vindicado o seu alvo. Infelizmente, não saem incólumes as instituições de que tentaram abusar.
[Público, terça-feira,25 de Maio de 2010]
Lançados por puros propósitos de perseguição política ao Primeiro-Ministro, na ressaca das eleições de Outubro passado, os inquéritos parlamentares sobre as alegadas limitações à liberdade de expressão e ao caso da abortada aquisição de uma parte da TVI pela PT estavam votados ao fracasso, por falta de fundamento. O seu desenlace deve ser saudado, desde logo porque as tentativas de baixa instrumentalização política das instituições não devem premiar os infractores.
Frustradas pela concludente derrota nas eleições parlamentares do Outono passado, apesar da ajuda da crise financeira e da recessão global, as diversas oposições à esquerda e à direita do PS não hesitaram em coligar-se logo para tirar proveito da falta de maioria parlamentar do Governo, confrontando-o com inquéritos parlamentares que o pudessem comprometer ou pelo menos mantê-lo sob pressão. Esperavam que, somando uma maioria de votos, poderiam livremente flagelar e fragilizar o Governo, sem terem de assumir a responsabilidade política de uma coligação negativa para uma moção de censura.
A provarem-se as acusações sobre uma deliberada acção governamental para limitar a liberdade de informação e de opinião no País e para alterar a orientação dos meios de comunicação mais hostis ao Governo, os temas submetidos a inquérito parlamentar não poderiam ser politicamente mais certeiros. Com a prestimosa cooperação da esquerda comunista e bloquista – sempre disponíveis para fazerem o frete à direita contra os socialistas –, o PSD tentava provar a sua tese da “asfixia democrática”, em que centrara a sua oposição ao Governo de Sócrates, como desculpa ou atenuante para sua contundente derrota eleitoral.
Terminado um dos inquéritos e em vias de terminar o outro, o mínimo que se pode dizer é que eles se saldaram por uma incontornável fracasso, numa derrota política dos seus promotores e numa página pouco digna dos anais dos inquéritos parlamentares entre nós. É caso para dizer que os partidos que os desencadearam ficaram “de mãos a abanar”, sem conseguirem comprometer o Governo numa única das suas acusações, apesar de todos os seus esforços conjugados em contrário. A tese da asfixia democrática e do controlo governamental dos média ruiu em escombros, como inventona que sempre fora desde o inicio.
No caso do inquérito à liberdade de expressão, para além de se ter provado que o Governo não teve nenhuma interferência na decisão interna da TVI de pôr fim ao desaustinado “noticiário” das sextas-feiras da estação – verdadeiro exemplo de “jornalismo” sem escrúpulos, que desqualificava mesmo a mais “popular” das televisões –, a comissão não foi capaz de inventariar mais do que um ou outro caso anedótico de alegadas pressões governamentais sem o mínimo de relevância ou credibilidade. Facto notório deste inquérito foi a ausência de qualquer queixa relevante, muito menos prova, de interferência na orientação ou nos conteúdos da informação do serviço público de rádio e de televisão, como era prática useira e vezeira em governos anteriores.
O que envergonha neste inquérito sobre a liberdade de informação e opinião no País, e comprova a sua manifesta má-fé politica, é que o mesmo partido que o promoveu a nível nacional se recusa categoricamente a aceitar qualquer inquérito sobre a situação mais notória, duradoura e institucionalizada de controlo e de interferência política na informação, que é o caso da região autónoma da Madeira, como entretanto se veio a confirmar, de forma escandalosa, com a recente demissão do director do jornal oficioso do respectivo Governo regional. Ao aceitarem essa contradição, o PSD e os seus aliados da extrema-esquerda parlamentar tornaram claro que o seu propósito não era sério e que a iniciativa parlamentar estava inquinada, desde o inicio, de evidente parcialidade política.
O outro inquérito sobre a alegada interferência, ou pelo menos conhecimento prévio, da tentativa de compra pela PT de uma participação no capital da TVI, ultrapassou todas as regras de lisura parlamentar. Na obsessão persecutória, nem sequer os mais elementares princípios do Estado de direito foram observados, como a obtenção e tentativa de utilização de escutas telefónicas em segredo de justiça, apesar de elas terem sido realizadas para a investigação de factos que nada têm a ver com a matéria do inquérito.
Aqui, a intenção era ligar a alegada acusação a uma nefanda conspiração governamental para tentar alterar a linha editorial de uma estação de televisão inamistosa. De nada valeu a reiterada afirmação dos gestores da PT de que a referida operação tinha todo o sentido para a estratégia de crescimento da companhia e que estava desde há muito nos seus planos. De nada valeram também as consistentes declarações dos seus responsáveis de que o Governo nem interferira nem sequer tivera conhecimento prévio desses planos. Fazendo fé cega numa rotunda declaração de Manuela Ferreira Leite sobre a conivência governamental nessa matéria, para a qual nunca aduziu porém uma única prova, a zelosa comissão de inquérito recorreu às antigas técnicas da Inquisição de inverter o ónus da prova e obrigar o acusado a provar a falsidade das acusações, sob pena de estas serem dadas como “provadas”. Nem assim conseguiram nada.
Concluídos estes dois episódios, em que o ressentimento eleitoral das oposições levou a uma lamentável instrumentalização política dos inquéritos parlamentares, a conclusão a tirar é que eles fracassaram em toda a linha, desacreditando quem os promoveu e deixando ileso e vindicado o seu alvo. Infelizmente, não saem incólumes as instituições de que tentaram abusar.
[Público, terça-feira,25 de Maio de 2010]