<$BlogRSDUrl$>

13 de novembro de 2010

Europa social 

Por Vital Moreira

Na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou, por uma maioria mais ampla do que seria de esperar, duas posições de grande significado para a realização do modelo social europeu, nomeadamente o alargamento da licença de maternidade (e a instituição de uma licença de paternidade) e a imprescindibilidade do rendimento mínimo na luta contra a pobreza. Embora sendo votações com diverso valor - no primeiro caso, está em causa uma proposta legislativa; no segundo caso, uma resolução política -, não é lícito desvalorizar a sua importância, especialmente num momento em que o foco na disciplina das finanças públicas tende a fazer desprezar as políticas sociais.

Ora, do que se trata é efetivamente de emprestar mais conteúdo ao chamado modelo social europeu, estabelecendo parâmetros mínimos de proteção social a nível da UE, em duas áreas cruciais, como são a licença de maternidade (e de paternidade) e o rendimento mínimo garantido, superando o défice de proteção ainda existente em vários países europeus. Que sentido faz falar em modelo social europeu, se estes elementos essenciais de qualquer modelo de proteção social não beneficiarem todos os europeus, num nível razoável?

É evidente que os mecanismos de proteção social não podem ser uniformizados por alto, mas nada justifica que não exista um mínimo condigno garantido a nível de todos os Estados-membros, tendo obviamente em conta as diferenças de poder de compra a nível nacional e as constrições financeiras de cada país.

Em segundo lugar, a harmonização, ainda que mínima, dos custos da proteção social constitui um passo em frente na própria ideia de "mercado interno" da UE, sem fronteiras nacionais. De facto, não se vê como é que se pode falar de uma genuíno mercado integrado, sem a diminuição das diferenças de proteção dos trabalhadores em matéria de licença de maternidade (e paternidade) e de rendimento mínimo garantido. As assimetrias existentes traduzem-se num autêntico "dumping social" por parte dos países mais recuados, dando uma vantagem ilegítima às suas economias no âmbito do mercado único europeu.

Tudo o que contribua para atenuar as divergências nos custos globais do trabalho ajuda a constituir um "level playing field" nas relações económicas, que é condição de um verdadeiro mercado interno. A falta ou défice de proteção social do trabalho não podem constituir um fator de competitividade no seio da economia europeia integrada. Para dumping social já basta o das chamadas economias emergentes, a começar pela China.

A terceira virtude das referidas propostas aprovadas pelo Parlamento Europeu tem a ver diretamente com a mobilidade social dentro do espaço da União. Desde o início da integração económica europeia há mais de 50 anos está reconhecida a liberdade de circulação de trabalhadores entre todos os Estados-membros, a par da liberdade de circulação de mercadorias e de capitais e da prestação de serviços, bem como da liberdade de estabelecimento em todo o espaço comunitário. Todavia, enquanto a liberdade de circulação de mercadorias e de capitais, bem como a liberdade de estabelecimento, não conhecem dificuldades materiais significativas, o mesmo não sucede com a circulação e fixação de trabalhadores. Desconhecimento das línguas, dificuldades familiares, custos de viagem e de instalação contam-se entre as restrições reais à mobilidade das pessoas. Mas entre os fatores adversos inclui-se também seguramente o défice de harmonização da proteção social do trabalho (e dos que o não têm), incluindo, por exemplo, a proteção da maternidade/paternidade e o rendimento mínimo assegurado.

Por isso, todos os progressos na harmonização da proteção social do trabalho e na luta contra a pobreza constituem passos em frente na fluidez da mobilidade pessoal, especialmente laboral, na Europa e na criação de um verdadeiro mercado de trabalho integrado, que facilite a deslocação dos trabalhadores das regiões onde o emprego falta para aquelas onde os postos de trabalho disponíveis excedem a procura (e são milhões).

É evidente que no mundo globalizado em que vivemos - e que não tem regresso - e face à agressiva competitividade das novas potências económicas emergentes - caracterizadas por baixos salários e reduzidos níveis de proteção social e ambiental - a União Europeia tem de cuidar da sua própria competitividade económica, sob pena de não poder manter níveis razoáveis de crescimento e de emprego, que são condições imprescindíveis da sustentabilidade do próprio modelo social europeu. Por isso, todas as medidas que impliquem aumento, mesmo indireto, dos custos da economia devem ser objeto de uma cuidada avaliação dos seus impactos sobre a competitividade europeia global, sob pena de perda de mercado externos, de deslocalização das empresas europeias e de redução do investimento estrangeiro na economia europeia.

Passou definitivamente o tempo em que um elevado crescimento económico e um quase pleno emprego permitiam sustentar contínuos progressos na proteção social. Agora todos os passos terão de ser medidos à luz do seu impacto económico e financeiro. Mas nada justifica que se decrete o congelamento da harmonização relativa dos padrões europeus de proteção social em níveis condizentes com as conquistas sociais do século passado e com um renovado impulso no crescimento da economia europeia.

Numa União Europeia digna do seu nome não pode haver uma enorme assimetria entre a crescente integração económica e financeira (agora estendida ao governo da economia) e o défice de integração social. A Europa social deve acompanhar a Europa económica.

(Público, 26 de Outubro de 2010)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?