20 de dezembro de 2010
Submarinos e contrapartidas - queixa à CE
QUEIXA
À COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
RESPEITANTE A INCUMPRIMENTO DA LEI COMUNITÁRIA
1. Nome do queixoso:
GOMES, Ana Maria Rosa Martins
2. Nacionalidade:
Portuguesa.
3. Endereço:
European Parliament
Bât. Altiero Spinelli, ASP 14G354
60, Rue Wiertz
B - 1047 Brussels
4. Telefone/fax/e-mail:
+ 32 (0)2 284 5824
+ 32 (0)2 284 9824
@ anamaria.gomes@europarl.europa.eu
5. Campo de actividades:
Membro do Parlamento Europeu.
6. Estado Membro ou organismo publico que o queixoso alega não ter cumprido a Lei comunitária:
O Governo português que, em 2004, tomou a decisão de comprar dois submarinos ao GSC- German Consortium Group, e especificamente o Ministério da Defesa Nacional que foi responsável pelo Contrato de Aquisição e o correspondente Contrato de Contrapartidas (offsets).
7. A mais completa possível descrição dos factos dando origem à queixa:
7.1. A decisão de comprar três submarinos para a Marinha Portuguesa foi tomada pelo governo liderado pelo Primeiro Ministro António Guterres em 1997. Um concurso internacional foi aberto em 1999.
7.2. Em 2003, o governo do Primeiro Ministro Durão Barroso decidiu comprar apenas dois, em vez de três submarinos. Dois consórcios europeus chegaram à fase final da competição – um francês e um alemão.
7.3. Em Novembro de 2003 o German Submarine Consortium (GSC) foi seleccionado para fornecer ao Estado Português dois submarinos.
7.4. O contrato foi negociado e celebrado em 21 de Abril de 2004, pelo Estado português, representado pelo Ministro da Defesa Nacional Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas, integrante do governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, pelo “preço base global” de EUR 769.324.800, actualizável nos termos de uma cláusula inserida no contrato. Um Contrato de Contrapartidas foi celebrado na mesma data, no montante de EUR 1.210 milhões. . *1 - ver cópia anexa do Contrato de Aquisição e *2 – ver cópia anexa do Contrato das Contrapartidas.
7.5. O Contrato de Contrapartidas consistia no Consórcio fornecedor dos submarinos se comprometer a “proporcionar à economia portuguesa” contrapartidas compensatórias da aquisição dos submarinos, arranjando oportunidades de negócio para companhias portuguesas na Alemanha e facilitando transferências de tecnologia e “know-how” de companhias alemãs para portuguesas.
O valor das contrapartidas - EUR 1.210 milhões - correspondia, nos termos do contrato, a “100% do valor correspondente a três submarinos e respectivo suporte logístico e à revisão de preços e fornecimento opcional relativos aos dois primeiros submarinos” (clausula 4ª. do Contrato de Contrapartidas).
7.6. O German Submarine Consortium era formado pelas companhias alemãs Howaldtswerke Deutsche Werft AG, Thyssen Nordseewerk GmbHand MAN Ferrostaal, a última sendo responsável pelos aspectos comerciais e financeiros dos contratos, incluindo as contrapartidas, a identificação de companhias beneficiárias dos contrapartidas em Portugal, as relações com as instituições financeiras e com o Estado Português.
7.7. Intercepções telefónicas judicialmente autorizadas no âmbito de uma investigação num caso de corrupção em Portugal (caso Portucale) levou o Ministério Público em 2006 a abrir um inquérito à compra dos submarinos: escutas telefónicas a conversas entre membros de topo do CDS-PP, Partido dirigido pelo Ministro da Defesa Nacional Paulo Portas sugeriam que o Partido havia recebido EUR 1 milhão em comissões através da ESCOM UK, uma consultora financeira ligada ao GES (Grupo Espírito Santo).
7.8. A consultora ESCOM foi contratada (honorários de EUR 30 millhões) pelo Ministério da Defesa Nacional - MDN para engendrar o projecto de financiamento respeitante à compra dos submarinos (contrato de contrapartidas incluido).
7.9. As investigações judiciais revelaram que a ESCOM também tinha sido contratada pela MAN Ferrostaal para facilitar os contratos de contrapartidas. A ESCOM estava, portanto a trabalhar para ambas as partes: para o Consórcio, através da MAN Ferrostaal; e para o MDN de Portugal. .
7.10. Levantaram-se entretanto suspeitas sobre a integridade do Contrato de Contrapartidas. Verificaram-se muitos problemas com a implementação das contrapartidas, que deveriam estar completamente executadas em 2012. Ora, no início de 2010, só 25% estavam executadas. O nível anormalmente baixo de cumprimento das contrapartidas levara a Comissão governamental encarregue de supervisionar a execução das contrapartidas, a CPC - Comissão Permanente das Contrapartidas, a recomendar ao Governo em 2009 a renegociação do contrato das contrapartidas *3 - ver cópia anexa do Relatório de Actividades de 2009 da CPC.
7.11. Actualmente, duas investigações judiciais separadas estão em curso em Portugal, relacionadas com a compra dos submarines:
- uma respeita a suspeitas de fraude e suborno no Contrato de Aquisição dos Submarinos, pelos fornecedores alemães a funcionários governamentais, militares, políticos e partidos políticos, consultores bancários, advogados, etc.. para determinar o negócio e as suas condições financeiras lesivas para o Estado português.
- a segunda centra-se no Contrato das Contrapartidas e contratos decorrentes assinados entre a MAN Ferrostaal e várias companhias portuguesas, com o acordo do Estado Português. Sete directores executivos dessas companhias e três representantes da MAN Ferrostaal foram já acusados pelo DCIAP, em 30 de Setembro de 2009. O Ministério Público admite que o Estado Português tenha sido enganado e lesado em danos que ascendem, pelo menos, a EUR 34 million. *4 – ver cópia anexa do Despacho de Acusação.
7.12. Entretanto, as investigações judiciais portuguesas depararam-se com obstáculos:
a) – certo número de documentos relevantes desapareceram dos arquivos do MDN e dos processos da CPC; especificamente, os investigadores procuram prova documental relativa à mudança da margem de lucro, pedida pela MAN Ferrostaal e estranhamente acordada pelo governo português depois do contrato principal ter sido celebrado.
b) – os Procuradores não conseguiram obter o contrato detalhando o esquema de financiamento através do qual o German Consortium Group foi pago – o MDN não o encontra nos seus arquivos. Ora esse contrato é suposto obrigar o Estado português a reembolsar um Consórcio Financeiro intermediário (envolvendo, nomeadamente, o Banco Espirito Santo), no montante de EUR 1.210 milhões, a amortizar até ao ano de 2023, como se pode concluir da análise da última Lei de Programação Militar de 2006. *5 – ver LPM anexa..
7.13. Deve notar-se que quando o Governo português decidiu atribuir o Contrato ao GSC, em Novembro de 2003, a oferta de preço para a construção e venda dos dois submarinos ascendia a EUR 844 milhões. Mas as negociações entre o Consórcio e o Estado português resultaram, num primeiro momento, na redução do preço para EUR 769.324.800 contratados. No entanto, uma fórmula matemática incluida no Contrato estabelecia a actualização diária do preço de custo, desde Janeiro de 2004 até à entrada em vigor de facto do Contrato, assim tornando os submarinos mais caros a cada dia que passasse.
Ora, os Contratos de Aquisição e Contrapartidas só vieram a ser assinados em 21 de Abril de 2004. Por essa altura, o preço já estava num total de EUR 820 milhões.
7.14. Acresce que o MDN atrasou o envio da documentação para autorização do Contrato de Aquisição pelo Tribunal de Contas, demorando assim mais ainda a entrada em vigor do contrato, o que ocorreu apenas em Setembro de 2004.
No dia em que o Contrato finalmente entrou em vigor, o preço dos dos submarinos era de EUR 833 milhões, o que significa um aumento de 8% sobre o preço no inicio do processo negocial e 64 milhões de Euros em custo extra a ser suportado pelo Estado português.
7.15. Um elemento alarmante deste Contrato de Aquuisição é que o Estado negligenciou garantir a compensação por danos em caso de uma eventual falta de cumprimento com os termos do contrato por parte do GSC.
O Estado prescindiu também de estabelecer recurso aos tribunais em caso de incumprimento por parte do Consórcio alemão do Contrato de Aquisição, aceitando que o Contrato estabelecesse que, em caso de litigio entre as partes, a arbitragem seria o único recurso.
7.16. O Estado falhou em estabelecer garantias por parte do GSC no âmbito do Contrato das Contrapartidas, permitindo-se acordar que, em caso de rescisão por parte do GSC, o Estado não terá direito senão a um décimo do valor dos projectos de contrapartidas não implementados. Além disso, havendo fundamento para o Estado pedir indemnizações por algum incumprimento, o GSC só será obrigado a pagar 10% do valor total do projecto.
7.17. Na Alemanha foi lançada também uma investigação judicial pela Procuradoria de Munique, no seguimento de diligências investigativas requeridas pela Procuradoria Geral da Republica Portuguesa nos escritórios das companhias alemãs envolvidas.
7.18. A revista alemã DER SPIEGEL relatou em, Março de 2010 que o CEO da MAN Ferrostaal Klaus Lesker e outros dirigentes executivos da empresa foram presos por práticas corruptas em diversos negócios e, especificamente, nos contratos dos submarinos a fornecer a Portugal. As acusações resultam de elementos apresentads por um dos empregados da MAN Ferrostaal sobre esquemas fraudulentos e nomes de pessoas, de dentro e de fora da companhia, que participavam directamente na elaboração desses esquemas. *6 – ver artigo do DER SPIEGEL em anexo.
7.19. A investigação alemã revelou práticas corruptas no negócio dos submarinos com Portugal, incluindo lavagem de dinheiro e evasão fiscal. Revelou também uma rede de contactos servindo como falsos consultores para o GSC encaminhar subornos para cidadãos e entidades portuguesas implicadas.
8. Tanto quanto possível, especifique as provisões do Direito comunitário (Tratados, regulamentos, directivas, decisões etc.) que o queixoso considera terem sido infringidas pelo Estado Membro em causa:
8.1. O Direito primário das Comunidades Europeia – as regras do Mercado Interno, especificamente – foi infringido pelo Contrato de Aquisição dos submarinos e correlativo Contrato de Contrapartidas.
8.2. Em 2004, quando o Contrato de Aquisição dos submarinos e o respectivo Contrato de Contrapartidas foram celebrados, o Artigo 296 do Tratado das Comunidades Europeias (correspondente ao actual Artigo 346 do Tratado de Lisboa, ou TFUE) previa a possibilidade de derrogação às regras em vigor relativas ao Mercado Interno nos contratos relacionados com a aquisição de serviços ou equipamentos de defesa, mediante determinadas condições, se assim o exigissem “interesses essenciais de segurança” dos Estados Membros. Contudo, esta derrogação estava condicionada a uma avaliação caso a caso e unicamente se um “interesse essencial de segurança” nacional do Estado Membro pudesse ser sustentado, sendo estritamente identificado.
Ora, o Estado português não apresentou argumentação que sustentasse a derrogação ao Artigo 296 no tocante à aquisição dos submarinos, especificando o “interesse essencial de segurança” envolvido.
Além disso, a Marinha Portuguesa havia sublinhado a necessidade técnica de adquirir, pelo menos, três submarinos para a vigilância da extensa área marítima sob jurisdição portuguesa. Mas o Estado acabou por comprar apenas dois submarinos. Portanto, qualquer invocável “interesse essencial de segurança” nunca poderia ser satisfeito pelo equipamento adquirido.
8.3. O Contrato de Aquisição é suspeito de má administração, incluindo preço inflacionado, e envolveu o pagamento pelo Estado de EUR 30 milhões a uma empresa consultora (ESCOM) por intermediar a Aquisição e o Programa das Contrapartidas.
8.4. O Contrato de Aquisição é ainda suspeito de envolver subornos associados ao financiamento de partidos políticos, branqueamento de capitais, evasão fiscal e contrapartidas como veículos para pagamentos indevidos. Por isso está a ser investigado pelas autoridades judiciais portuguesas e alemãs.
8.5. Fraude, evasão fiscal, corrupção e má administração resultam no desvio de fundos do Estado, num tempo em que Portugal se vê forçado a adoptar medidas draconianas para equilibrar o Orçamento do Estado, com duros sacrificios impostos ao povo português. O actual governo português justificou estas medidas com a necessidade de preencher o défice em parte resultante do pagamento dos submarinos. *7 – ver recortes de imprensa anexos.
8.6. Condição essencial para uma legítima derrogação ao Artigo 296 do Tratado das CE é que o contrato de aquisição não afecte as regras da concorrência no mercado civil. Tal não foi o caso da aquisição dos dois submarinos: o Contrato de Contrapartidas correspondente ao Contrato de Aquisição dos submarinos, no valor de EUR 1.210 milhões, abrangia contrapartidas directas e projectos nos sectores naval, automóvel e industrias das novas tecnologias.
Viola assim os princípios básicos do Tratado, porque não se limita às industrias da defesa e discrimina contra operadores económicos civis e contra mercadorias e serviços de outros Estados Membros, impedindo a livre circulação de bens e serviços.
Além disso, foram favorecidas certas empresas, na maior parte do sector automóvel, em detrimento da concorrência leal, implicando possívelmente a colusão de funcionários públicos envolvidos na aquisição. O direito comunitário primário e secundário foram, por isso, infringidos.
8.7. As companhias portuguesas agregadas no Grupo ACECIA, que foram beneficiárias dos contratos de contrapartidas, foram também beneficiárias de ajudas europeias no contexto das suas actividades económicas regulares.
Estas companhias são suspeitas de agir como cúmplices do GSC em contratos fraudulentos que prejudicam o Estado português, pelo menos numa soma estimada de EUR 34 milhões, e de distorcer, assim, directamente o funcionamento do Mercado Interno europeu *8 – ver documentação comprovativa anexa.
8.8. A utilização de contrapartidas na compra dos submarinos completa o ciclo fraudulento em que a Aquisição está envolta: muitos dos projectos são fictícios; careceram de acompanhamento e monitorização desde o início e nunca foram submetidos à avaliação pelo Tribunal de Contas.
Careceram ainda de nexo de causalidade entre o promotor da contrapartida e o projecto em si; careceram, e carecem hoje ainda, de cumprimento, o que terá levado o promotor alemão a comprar facturas às empresas portuguesas que não tinham qualquer relação com as contrapartidas, por isso sem nexo de causalidade; permitiram pagamentos indevidos implicando fraude e documentos forjados.
Envolveram conluio entre o promotor das contrapartidas - o consórcio alemão, GSC - e o consórcio de empresas portuguesas ACECIA com o objectivo de incluirem projectos carentes de causalidade no programa geral de contrapartidas, em troca de um honorário pelo volume de vendas creditadas.
8.9. Há uma inegável dimensão europeia neste caso de corrupção, que envolve companhias portuguesas e alemãs actuando em colusão para defraudar o Estado português e desviar recursos públicos portugueses. Os procedimentos judiciais em curso, tanto em Portugal como na Alemanha, revelam a natureza corrupta, fraudulenta e totalmente opaca do Contrato de Aquisição dos dois submarinos para a Marinha Portuguesa e correspondente Contrato das Contrapartidas.
Pelas razões acima expostas, a queixosa solicita que os Contratos de Aquisição e de Contrapartidas sejam declarados nulos, que sejam identificados e civil e criminalmente responsabilizados os agentes que, com dolo ou por negligência, lesaram o Estado português e os contribuintes portugueses, e que as partes sejam obrigadas a renegociar de forma transparente e sem prejuízo para o Estado e os contribuintes portugueses o fornecimento dos submarinos, incluindo o respectivo Programa de Contrapartidas, determinando que ele seja aplicável apenas a empresas do sector das indústrias da defesa, nos termos da Directiva 2009/81/CE, sobre contratos nos domínios da defesa e segurança, e do Código de Conduta sobre Contrapartidas da Agência Europeia de Defesa, de 2006.
9. Recurso a tribunais nacionais ou outros procedimentos.
Dois procedimentos criminais estão em curso em Portugal, dirigidos pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) da rocuradoria Geral da República, um centrado no Conrato de Aquisição, outro no correspondente Programa de Contrapartidas.
Um processo judicial prossegue na Alemanha, dirigido pela Procuradoria de Munique.
10. Documentos submetidos em apoio da queixa:
*1 - Contrato de Aquisição dos submarinos
*2 - Contrato das Contrapartidas
*3 - Relatório de Actividades 2009 da Comissão P. de Contrapartidas
*4 – Acusação deduzida pelo DCIAP a 30/9/2009 relativa às Contrapartidas
*5 – Lei de Progamação Militar de 2006
*6 - Artigo do DER SPIEGEL
*7 - Artigos publicados na imprensa portuguesa.
*8 - Documentação sobre ajudas europeias às associadas no ACECIA (data disk).
11. Confidencialidade
"Autorizo a Comissão a revelar a minha identidade nos seus contactos com as autoridades do Estado Membro afectado pela queixa."
12. Local, data e assinatura da queixosa
Lisbon, 20 December, 2010
Ana Gomes, MPE
À COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS
RESPEITANTE A INCUMPRIMENTO DA LEI COMUNITÁRIA
1. Nome do queixoso:
GOMES, Ana Maria Rosa Martins
2. Nacionalidade:
Portuguesa.
3. Endereço:
European Parliament
Bât. Altiero Spinelli, ASP 14G354
60, Rue Wiertz
B - 1047 Brussels
4. Telefone/fax/e-mail:
+ 32 (0)2 284 5824
+ 32 (0)2 284 9824
@ anamaria.gomes@europarl.europa.eu
5. Campo de actividades:
Membro do Parlamento Europeu.
6. Estado Membro ou organismo publico que o queixoso alega não ter cumprido a Lei comunitária:
O Governo português que, em 2004, tomou a decisão de comprar dois submarinos ao GSC- German Consortium Group, e especificamente o Ministério da Defesa Nacional que foi responsável pelo Contrato de Aquisição e o correspondente Contrato de Contrapartidas (offsets).
7. A mais completa possível descrição dos factos dando origem à queixa:
7.1. A decisão de comprar três submarinos para a Marinha Portuguesa foi tomada pelo governo liderado pelo Primeiro Ministro António Guterres em 1997. Um concurso internacional foi aberto em 1999.
7.2. Em 2003, o governo do Primeiro Ministro Durão Barroso decidiu comprar apenas dois, em vez de três submarinos. Dois consórcios europeus chegaram à fase final da competição – um francês e um alemão.
7.3. Em Novembro de 2003 o German Submarine Consortium (GSC) foi seleccionado para fornecer ao Estado Português dois submarinos.
7.4. O contrato foi negociado e celebrado em 21 de Abril de 2004, pelo Estado português, representado pelo Ministro da Defesa Nacional Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas, integrante do governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, pelo “preço base global” de EUR 769.324.800, actualizável nos termos de uma cláusula inserida no contrato. Um Contrato de Contrapartidas foi celebrado na mesma data, no montante de EUR 1.210 milhões. . *1 - ver cópia anexa do Contrato de Aquisição e *2 – ver cópia anexa do Contrato das Contrapartidas.
7.5. O Contrato de Contrapartidas consistia no Consórcio fornecedor dos submarinos se comprometer a “proporcionar à economia portuguesa” contrapartidas compensatórias da aquisição dos submarinos, arranjando oportunidades de negócio para companhias portuguesas na Alemanha e facilitando transferências de tecnologia e “know-how” de companhias alemãs para portuguesas.
O valor das contrapartidas - EUR 1.210 milhões - correspondia, nos termos do contrato, a “100% do valor correspondente a três submarinos e respectivo suporte logístico e à revisão de preços e fornecimento opcional relativos aos dois primeiros submarinos” (clausula 4ª. do Contrato de Contrapartidas).
7.6. O German Submarine Consortium era formado pelas companhias alemãs Howaldtswerke Deutsche Werft AG, Thyssen Nordseewerk GmbHand MAN Ferrostaal, a última sendo responsável pelos aspectos comerciais e financeiros dos contratos, incluindo as contrapartidas, a identificação de companhias beneficiárias dos contrapartidas em Portugal, as relações com as instituições financeiras e com o Estado Português.
7.7. Intercepções telefónicas judicialmente autorizadas no âmbito de uma investigação num caso de corrupção em Portugal (caso Portucale) levou o Ministério Público em 2006 a abrir um inquérito à compra dos submarinos: escutas telefónicas a conversas entre membros de topo do CDS-PP, Partido dirigido pelo Ministro da Defesa Nacional Paulo Portas sugeriam que o Partido havia recebido EUR 1 milhão em comissões através da ESCOM UK, uma consultora financeira ligada ao GES (Grupo Espírito Santo).
7.8. A consultora ESCOM foi contratada (honorários de EUR 30 millhões) pelo Ministério da Defesa Nacional - MDN para engendrar o projecto de financiamento respeitante à compra dos submarinos (contrato de contrapartidas incluido).
7.9. As investigações judiciais revelaram que a ESCOM também tinha sido contratada pela MAN Ferrostaal para facilitar os contratos de contrapartidas. A ESCOM estava, portanto a trabalhar para ambas as partes: para o Consórcio, através da MAN Ferrostaal; e para o MDN de Portugal. .
7.10. Levantaram-se entretanto suspeitas sobre a integridade do Contrato de Contrapartidas. Verificaram-se muitos problemas com a implementação das contrapartidas, que deveriam estar completamente executadas em 2012. Ora, no início de 2010, só 25% estavam executadas. O nível anormalmente baixo de cumprimento das contrapartidas levara a Comissão governamental encarregue de supervisionar a execução das contrapartidas, a CPC - Comissão Permanente das Contrapartidas, a recomendar ao Governo em 2009 a renegociação do contrato das contrapartidas *3 - ver cópia anexa do Relatório de Actividades de 2009 da CPC.
7.11. Actualmente, duas investigações judiciais separadas estão em curso em Portugal, relacionadas com a compra dos submarines:
- uma respeita a suspeitas de fraude e suborno no Contrato de Aquisição dos Submarinos, pelos fornecedores alemães a funcionários governamentais, militares, políticos e partidos políticos, consultores bancários, advogados, etc.. para determinar o negócio e as suas condições financeiras lesivas para o Estado português.
- a segunda centra-se no Contrato das Contrapartidas e contratos decorrentes assinados entre a MAN Ferrostaal e várias companhias portuguesas, com o acordo do Estado Português. Sete directores executivos dessas companhias e três representantes da MAN Ferrostaal foram já acusados pelo DCIAP, em 30 de Setembro de 2009. O Ministério Público admite que o Estado Português tenha sido enganado e lesado em danos que ascendem, pelo menos, a EUR 34 million. *4 – ver cópia anexa do Despacho de Acusação.
7.12. Entretanto, as investigações judiciais portuguesas depararam-se com obstáculos:
a) – certo número de documentos relevantes desapareceram dos arquivos do MDN e dos processos da CPC; especificamente, os investigadores procuram prova documental relativa à mudança da margem de lucro, pedida pela MAN Ferrostaal e estranhamente acordada pelo governo português depois do contrato principal ter sido celebrado.
b) – os Procuradores não conseguiram obter o contrato detalhando o esquema de financiamento através do qual o German Consortium Group foi pago – o MDN não o encontra nos seus arquivos. Ora esse contrato é suposto obrigar o Estado português a reembolsar um Consórcio Financeiro intermediário (envolvendo, nomeadamente, o Banco Espirito Santo), no montante de EUR 1.210 milhões, a amortizar até ao ano de 2023, como se pode concluir da análise da última Lei de Programação Militar de 2006. *5 – ver LPM anexa..
7.13. Deve notar-se que quando o Governo português decidiu atribuir o Contrato ao GSC, em Novembro de 2003, a oferta de preço para a construção e venda dos dois submarinos ascendia a EUR 844 milhões. Mas as negociações entre o Consórcio e o Estado português resultaram, num primeiro momento, na redução do preço para EUR 769.324.800 contratados. No entanto, uma fórmula matemática incluida no Contrato estabelecia a actualização diária do preço de custo, desde Janeiro de 2004 até à entrada em vigor de facto do Contrato, assim tornando os submarinos mais caros a cada dia que passasse.
Ora, os Contratos de Aquisição e Contrapartidas só vieram a ser assinados em 21 de Abril de 2004. Por essa altura, o preço já estava num total de EUR 820 milhões.
7.14. Acresce que o MDN atrasou o envio da documentação para autorização do Contrato de Aquisição pelo Tribunal de Contas, demorando assim mais ainda a entrada em vigor do contrato, o que ocorreu apenas em Setembro de 2004.
No dia em que o Contrato finalmente entrou em vigor, o preço dos dos submarinos era de EUR 833 milhões, o que significa um aumento de 8% sobre o preço no inicio do processo negocial e 64 milhões de Euros em custo extra a ser suportado pelo Estado português.
7.15. Um elemento alarmante deste Contrato de Aquuisição é que o Estado negligenciou garantir a compensação por danos em caso de uma eventual falta de cumprimento com os termos do contrato por parte do GSC.
O Estado prescindiu também de estabelecer recurso aos tribunais em caso de incumprimento por parte do Consórcio alemão do Contrato de Aquisição, aceitando que o Contrato estabelecesse que, em caso de litigio entre as partes, a arbitragem seria o único recurso.
7.16. O Estado falhou em estabelecer garantias por parte do GSC no âmbito do Contrato das Contrapartidas, permitindo-se acordar que, em caso de rescisão por parte do GSC, o Estado não terá direito senão a um décimo do valor dos projectos de contrapartidas não implementados. Além disso, havendo fundamento para o Estado pedir indemnizações por algum incumprimento, o GSC só será obrigado a pagar 10% do valor total do projecto.
7.17. Na Alemanha foi lançada também uma investigação judicial pela Procuradoria de Munique, no seguimento de diligências investigativas requeridas pela Procuradoria Geral da Republica Portuguesa nos escritórios das companhias alemãs envolvidas.
7.18. A revista alemã DER SPIEGEL relatou em, Março de 2010 que o CEO da MAN Ferrostaal Klaus Lesker e outros dirigentes executivos da empresa foram presos por práticas corruptas em diversos negócios e, especificamente, nos contratos dos submarinos a fornecer a Portugal. As acusações resultam de elementos apresentads por um dos empregados da MAN Ferrostaal sobre esquemas fraudulentos e nomes de pessoas, de dentro e de fora da companhia, que participavam directamente na elaboração desses esquemas. *6 – ver artigo do DER SPIEGEL em anexo.
7.19. A investigação alemã revelou práticas corruptas no negócio dos submarinos com Portugal, incluindo lavagem de dinheiro e evasão fiscal. Revelou também uma rede de contactos servindo como falsos consultores para o GSC encaminhar subornos para cidadãos e entidades portuguesas implicadas.
8. Tanto quanto possível, especifique as provisões do Direito comunitário (Tratados, regulamentos, directivas, decisões etc.) que o queixoso considera terem sido infringidas pelo Estado Membro em causa:
8.1. O Direito primário das Comunidades Europeia – as regras do Mercado Interno, especificamente – foi infringido pelo Contrato de Aquisição dos submarinos e correlativo Contrato de Contrapartidas.
8.2. Em 2004, quando o Contrato de Aquisição dos submarinos e o respectivo Contrato de Contrapartidas foram celebrados, o Artigo 296 do Tratado das Comunidades Europeias (correspondente ao actual Artigo 346 do Tratado de Lisboa, ou TFUE) previa a possibilidade de derrogação às regras em vigor relativas ao Mercado Interno nos contratos relacionados com a aquisição de serviços ou equipamentos de defesa, mediante determinadas condições, se assim o exigissem “interesses essenciais de segurança” dos Estados Membros. Contudo, esta derrogação estava condicionada a uma avaliação caso a caso e unicamente se um “interesse essencial de segurança” nacional do Estado Membro pudesse ser sustentado, sendo estritamente identificado.
Ora, o Estado português não apresentou argumentação que sustentasse a derrogação ao Artigo 296 no tocante à aquisição dos submarinos, especificando o “interesse essencial de segurança” envolvido.
Além disso, a Marinha Portuguesa havia sublinhado a necessidade técnica de adquirir, pelo menos, três submarinos para a vigilância da extensa área marítima sob jurisdição portuguesa. Mas o Estado acabou por comprar apenas dois submarinos. Portanto, qualquer invocável “interesse essencial de segurança” nunca poderia ser satisfeito pelo equipamento adquirido.
8.3. O Contrato de Aquisição é suspeito de má administração, incluindo preço inflacionado, e envolveu o pagamento pelo Estado de EUR 30 milhões a uma empresa consultora (ESCOM) por intermediar a Aquisição e o Programa das Contrapartidas.
8.4. O Contrato de Aquisição é ainda suspeito de envolver subornos associados ao financiamento de partidos políticos, branqueamento de capitais, evasão fiscal e contrapartidas como veículos para pagamentos indevidos. Por isso está a ser investigado pelas autoridades judiciais portuguesas e alemãs.
8.5. Fraude, evasão fiscal, corrupção e má administração resultam no desvio de fundos do Estado, num tempo em que Portugal se vê forçado a adoptar medidas draconianas para equilibrar o Orçamento do Estado, com duros sacrificios impostos ao povo português. O actual governo português justificou estas medidas com a necessidade de preencher o défice em parte resultante do pagamento dos submarinos. *7 – ver recortes de imprensa anexos.
8.6. Condição essencial para uma legítima derrogação ao Artigo 296 do Tratado das CE é que o contrato de aquisição não afecte as regras da concorrência no mercado civil. Tal não foi o caso da aquisição dos dois submarinos: o Contrato de Contrapartidas correspondente ao Contrato de Aquisição dos submarinos, no valor de EUR 1.210 milhões, abrangia contrapartidas directas e projectos nos sectores naval, automóvel e industrias das novas tecnologias.
Viola assim os princípios básicos do Tratado, porque não se limita às industrias da defesa e discrimina contra operadores económicos civis e contra mercadorias e serviços de outros Estados Membros, impedindo a livre circulação de bens e serviços.
Além disso, foram favorecidas certas empresas, na maior parte do sector automóvel, em detrimento da concorrência leal, implicando possívelmente a colusão de funcionários públicos envolvidos na aquisição. O direito comunitário primário e secundário foram, por isso, infringidos.
8.7. As companhias portuguesas agregadas no Grupo ACECIA, que foram beneficiárias dos contratos de contrapartidas, foram também beneficiárias de ajudas europeias no contexto das suas actividades económicas regulares.
Estas companhias são suspeitas de agir como cúmplices do GSC em contratos fraudulentos que prejudicam o Estado português, pelo menos numa soma estimada de EUR 34 milhões, e de distorcer, assim, directamente o funcionamento do Mercado Interno europeu *8 – ver documentação comprovativa anexa.
8.8. A utilização de contrapartidas na compra dos submarinos completa o ciclo fraudulento em que a Aquisição está envolta: muitos dos projectos são fictícios; careceram de acompanhamento e monitorização desde o início e nunca foram submetidos à avaliação pelo Tribunal de Contas.
Careceram ainda de nexo de causalidade entre o promotor da contrapartida e o projecto em si; careceram, e carecem hoje ainda, de cumprimento, o que terá levado o promotor alemão a comprar facturas às empresas portuguesas que não tinham qualquer relação com as contrapartidas, por isso sem nexo de causalidade; permitiram pagamentos indevidos implicando fraude e documentos forjados.
Envolveram conluio entre o promotor das contrapartidas - o consórcio alemão, GSC - e o consórcio de empresas portuguesas ACECIA com o objectivo de incluirem projectos carentes de causalidade no programa geral de contrapartidas, em troca de um honorário pelo volume de vendas creditadas.
8.9. Há uma inegável dimensão europeia neste caso de corrupção, que envolve companhias portuguesas e alemãs actuando em colusão para defraudar o Estado português e desviar recursos públicos portugueses. Os procedimentos judiciais em curso, tanto em Portugal como na Alemanha, revelam a natureza corrupta, fraudulenta e totalmente opaca do Contrato de Aquisição dos dois submarinos para a Marinha Portuguesa e correspondente Contrato das Contrapartidas.
Pelas razões acima expostas, a queixosa solicita que os Contratos de Aquisição e de Contrapartidas sejam declarados nulos, que sejam identificados e civil e criminalmente responsabilizados os agentes que, com dolo ou por negligência, lesaram o Estado português e os contribuintes portugueses, e que as partes sejam obrigadas a renegociar de forma transparente e sem prejuízo para o Estado e os contribuintes portugueses o fornecimento dos submarinos, incluindo o respectivo Programa de Contrapartidas, determinando que ele seja aplicável apenas a empresas do sector das indústrias da defesa, nos termos da Directiva 2009/81/CE, sobre contratos nos domínios da defesa e segurança, e do Código de Conduta sobre Contrapartidas da Agência Europeia de Defesa, de 2006.
9. Recurso a tribunais nacionais ou outros procedimentos.
Dois procedimentos criminais estão em curso em Portugal, dirigidos pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) da rocuradoria Geral da República, um centrado no Conrato de Aquisição, outro no correspondente Programa de Contrapartidas.
Um processo judicial prossegue na Alemanha, dirigido pela Procuradoria de Munique.
10. Documentos submetidos em apoio da queixa:
*1 - Contrato de Aquisição dos submarinos
*2 - Contrato das Contrapartidas
*3 - Relatório de Actividades 2009 da Comissão P. de Contrapartidas
*4 – Acusação deduzida pelo DCIAP a 30/9/2009 relativa às Contrapartidas
*5 – Lei de Progamação Militar de 2006
*6 - Artigo do DER SPIEGEL
*7 - Artigos publicados na imprensa portuguesa.
*8 - Documentação sobre ajudas europeias às associadas no ACECIA (data disk).
11. Confidencialidade
"Autorizo a Comissão a revelar a minha identidade nos seus contactos com as autoridades do Estado Membro afectado pela queixa."
12. Local, data e assinatura da queixosa
Lisbon, 20 December, 2010
Ana Gomes, MPE