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1 de maio de 2011

Quando as reformas resultam 

Por Vital Moreira

Os notáveis progressos recentemente registados nos resultados do ensino básico em Portugal, tal como demonstrados na avaliação internacional comparativa independente da OCDE (PISA), não são obviamente fruto de um feliz acaso. Têm uma história e uma responsabilidade.

Na avaliação de 2009 (cujos resultados foram agora conhecidos) sobre as competências dos alunos de 15 anos efetuada trienalmente ao abrigo do PISA (Programme for International Student Assessment) nos países da OCDE e em vários outros - em que Portugal ficava sistematicamente nos últimos lugares, apesar do vultuoso orçamento na educação -, o nosso país sobe vários lugares do ranking em cada uma das três áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências), aproximando-se pela primeira vez da média dos países daquela organização.

O que explica esta rápida e considerável mudança? Não faltou quem, entre os despeitados e negacionistas militantes, tivesse posto em causa a fiabilidade das conclusões, que todavia eles nunca questionaram quando os resultados eram negativos. Houve também quem tivesse atribuído os méritos "aos professores" em abstrato, como se estes não fossem essencialmente os mesmos do tempo das avaliações anteriores. É evidente que os únicos fatores que mudaram substancialmente desde 2006, 2003, etc., foram as políticas educativas, apesar da oposição e da resistência de muitos professores e das suas estruturas sindicais. Mesmo havendo outros fatores, não é possível dissociar as duas coisas.

Recordemos as principais mudanças: aulas de substituição e melhoria da assiduidade docente; escola a tempo inteiro e programas complementares de formação; encerramento de centenas de escolas sem alunos suficientes e sem condições adequadas, substituídas por modernos "centros escolares", com as mais modernas condições escolares (instalações, equipamentos, professores qualificados); programas especiais de qualificação em várias disciplinas, especialmente em matemática; maior transparência e exigência na avaliação dos alunos; estudo acompanhado e programas individuais de recuperação para alunos sem aproveitamento; maior autonomia das escolas e descorporativização da sua gestão; reforço da ação social escolar; maior atenção à disciplina e à segurança na escola; maior seletividade no recrutamento dos professores e mais estabilidade na sua colocação; empenho na redução do abandono e do insucesso escolar; sistema de avaliação dos professores e das escolas; aposta na qualificação e prestígio da escola pública; etc.

Era impossível que esta vasta revolução no ensino não produzisse frutos, que agora começam a estar à vista, cinco anos depois das primeiras medidas. É razoável esperar muito mais nos próximos tempos, à medida que as demais produzam os seus efeitos.

Há uma segunda razão para satisfação. Após décadas de investimento político e orçamental no ensino (mais verbas, mais escolas, mais professores) sem resultados correspondentes ao esforço, tinha-se criado uma descrença atávica na nossa capacidade de fazer da educação uma alavanca de desenvolvimento económico e social. Ao contrário de outros países, Portugal nem sequer era capaz de alcançar os níveis de competência escolar que o seu grau de desenvolvimento económico e social fazia esperar. Finalmente, é admissível esperar que as coisas se invertam.

Importa tirar as lições desta transformação.

A primeira consiste em confirmar que neste país mesmo as mais virtuosas mudanças têm de enfrentar encarniçadas resistências e oposições, tanto corporativas como políticas. Se se recordar que quase todas as medidas mencionadas (aulas de substituição, encerramento de escolas deficientes, avaliação de professores) desencadearam inúmeros protestos, várias greves, maciças ações de rua - tudo sob a égide dos sindicatos de professores e com o apoio de todos os partidos da oposição (e não só...) -, fácil é ver quão difícil é fazer reformas que afetem poderes estabelecidos. Estulto será obviamente esperar que os opositores venham alguma vez a reconhecer o sucesso das reformas que ferozmente combateram, muito menos o mérito de quem as concebeu e implementou contra ventos e marés.

Em segundo lugar, é evidente que as referidas reformas não poderiam ter sido levadas a termo sem as devidas condições políticas, nomeadamente sem a estabilidade política que só um governo maioritário proporciona. Não basta o voluntarismo político, como aprendeu António Guterres, que também tinha dado prioridade política à educação. Sem o apoio de uma maioria parlamentar e a indefetível determinação do primeiro-ministro, Maria de Lourdes Rodrigues não teria tido condições para a sua saga ministerial. Sem estabilidade governativa e sem vontade política, nenhuma reforma difícil chega a vingar.

Por último, comprova-se que a escola pública (a que pertence a maior parte dos alunos participantes no teste PISA) pode estar à altura das suas responsabilidades educativas e que só ela está em condições de realizar o ideal republicano de igualdade educativa, de superação das desigualdades de partida e de realização da cidadania. Após anos e anos de descaso e desinvestimento na escola pública (de que Lisboa foi um gritante exemplo) e de desvio de recursos públicos para apoiar o ensino privado, é mérito da anterior ministra da Educação ter recolocado a escola pública no centro da política educativa, aliás de acordo com a Constituição e com a herança republicana. Como disse ela própria no título do seu livro de balanço sobre o seu mandato, "a escola pública pode fazer a diferença". No ano do centenário da República apraz registar esse renascimento.

Na educação as grandes reformas são politicamente mais árduas, por demorarem sempre tempo a produzir os seus efeitos. Mas o mérito dos seus autores não prescreve.

(Público, terça-feira, 14 de Dezembro de 2010)

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