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9 de julho de 2011

Cavalgar a crise 

Por Vital Moreira

A proposta de redução da contribuição patronal para a segurança social pode parecer uma boa ideia para aliviar os custos salariais e aumentar a competitividade das empresas. Mas nem tudo o que é positivo para as empresas é, só por isso, bom para o país.

Antes de mais, importa esclarecer que os nossos encargos para a segurança social estão longe de ser dos mais elevados e que, nesse ponto, o programa de ajuda externa da UE e do FMI é assaz cauteloso, deixando em aberto o ritmo e o alcance da sua redução. A substancial redução em 4 pontos percentuais adiantada pelo PSD - que Eduardo Catroga quer duplicar e que algumas associações empresariais pretendem ainda mais funda - traduz um óbvio aproveitamento oportunista do programa da ajuda externa para forçar a conhecida agenda política contra o sistema público de segurança social.

Em segundo lugar, o impacto de uma tal redução da contribuição social nos custos de produção, embora sensível nas empresas com elevados encargos salariais, seria assaz limitado em termos globais. O congelamento de salários durante dois anos seria seguramente muito mais eficaz, imputando todos os aumentos de produtividade à melhoria da competitividade.

Em terceiro lugar, há a incógnita sobre como compensar o sistema de segurança social pela perda de receita (a não ser que se opte pelo seu asfixiamento...). O PSD mantém sobre isso o mais intrigante mistério. Recorrer somente ao IVA importaria um enorme aumento da cobrança deste. A eliminação pura e simples da atual taxa intermédia de 13% não compensaria senão uma pequena parte da perda de receita resultante da pretendida redução na TSU. Subir ainda mais a taxa geral do IVA, que já está nos 23%, aprofundaria o diferencial em relação à Espanha e à média da UE, pressionando o desvio de consumo para fontes externas (nomeadamente o comércio eletrónico).

Todavia, o principal impacto negativo da redução da contribuição das empresas para a segurança social e da sua compensação por via de subida de impostos - sobretudo se pensada como solução definitiva - estaria na subversão da filosofia do financiamento da segurança social.

A característica essencial do modelo "bismarckiano" da segurança social é o seu financiamento por via de contribuições das empresas e dos trabalhadores, bem como dos profissionais independentes, à margem do sistema fiscal, o que lhe garante uma independência financeira e uma autonomia de gestão que, de outro modo, não teria. As contribuições sociais constituem uma espécie de seguro coletivo para as eventualidades cobertas pelo sistema, nomeadamente doença, maternidade, desemprego e, obviamente, aposentação. O sistema contributivo de pensões, em que todos concorrem para um fundo comum, constitui seguramente a maior invenção do chamado "modelo social europeu".

Não é por acaso que, entre nós, tal como em outros países, existe uma separação entre o orçamento da segurança social, dotado de receitas próprias, e o orçamento geral do Estado, alimentado por impostos. E também não é por acaso que se estabeleceu também uma distinção clara entre a segurança social e o sistema de proteção social sem base contributiva, este à conta do Orçamento do Estado. Por isso, a redução dos recursos financeiros próprios daquela, compensando a perda com receitas fiscais - ou seja, por via do orçamento -, constitui uma profunda mudança na natureza e na própria perceção pública da segurança social.

A primeira vítima é obviamente a independência financeira da segurança social. A partir do momento em que ela passa a depender de impostos, mesmo só parcialmente, ela tornar-se-ia dependente anualmente das necessidades financeiras do Estado e da disputa política sobre a carga fiscal, passando a competir com outros ramos da despesa pública (defesa, segurança, justiça, etc.). Dado que uma diminuição no financiamento da segurança social pode não ter nenhum impacto sensível a curto prazo, a tentação para cortar na respectiva transferência orçamental seria enorme.

A segunda vítima seria a própria equação financeira da segurança social - que visa compensar parcialmente a perda de rendimento, por inatividade (desemprego, doença, aposentação), pelas contribuições dos que estão no ativo. Com o financiamento da segurança social por via fiscal, tudo se alteraria, visto que todos, incluindo os inativos, passariam a contribuir para o fundo de segurança social. Há uma óbvia incoerência em colocar os que estão a cargo da segurança social, como por exemplo os pensionistas, a financiar o próprio fundo de pensões por via de impostos.

A terceira vítima seria a equidade fiscal. No atual sistema de contribuições sobre a massa salarial, há uma certa proporcionalidade na carga tributária (ressalvadas algumas isenções e reduções), sendo aquelas tanto maiores quanto maiores forem os salários. Se o financiamento dependesse do IVA, como se propõe, toda a gente passaria a contribuir, mas em termos socialmente pouco justos. Na verdade, o IVA é um imposto caracteristicamente regressivo, penalizando relativamente mais quem tem menores rendimentos, e consome tudo o que recebe, face aos que dispõem de rendimentos mais elevados, que consomem somente uma parte deles, tanto menos quanto maiores eles forem. Desse modo, em termos relativos, os maiores contribuintes para a segurança social, além dos ativos com baixos rendimentos, seriam os próprios beneficiários da segurança social, que por via de regra perdem rendimento em relação às remunerações correspondentes.

Compreende-se bem que, defendendo os seus interesses privativos, as associações empresariais aplaudam a redução das contribuições patronais para a segurança social. Porém, os partidos políticos com vocação governamental não se podem assumir como promotores de interesses de grupo, mas sim do interesse geral.

[Público, terça-feira, 24 de Maio de 2011]

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