9 de julho de 2011
O principal obstáculo
Por Vital Moreira
A principal batalha política da União Europeia nos próximos tempos é provavelmente a decisão sobre as perspetivas financeiras de médio prazo para período 2014-2020. Por um lado, o Tratado de Lisboa veio alargar as suas competências e logo as suas necessidades financeiras; por outro lado, porém, as dificuldades orçamentais de uma boa parte dos Estados-membros, bem como a emergência de forças antieuropeias em vários outros, torna assaz árdua a ideia de aumentar as contribuições nacionais para o orçamento da União.
O nível de financiamento da União continua refém do sistema de recursos financeiros em vigor, que consistem essencialmente em contribuições de cada Estado-membro, calculadas de acordo com o respetivo RNB, sendo exíguos os recursos endógenos da União (taxas aduaneiras, imposto de rendimento dos funcionários da União, etc.). A dependência do orçamento da União de contribuições financeiras nacionais tem vários efeitos negativos, constituindo um poderoso travão ao aumento das receitas daquela, apesar da comprovada mais-valia das despesas da União.
Antes de mais, essas contribuições figuram como despesa orçamental nas contas nacionais, pelo que pesam no défice orçamental nacional. Segundo, favorecem psicologicamente a tentação de uma comparação entre o que cada país dá e aquilo que recebe da União, estabelecendo uma fatal divisão entre "contribuintes líquidos" e "beneficiários líquidos". Terceiro, a ideia de "justo retorno" de cada país proporciona às forças antieuropeias e à imprensa populista uma poderosa campanha dentro dos países mais ricos sobre o "custo da União". Foi aliás na base dessa perversa lógica que a Grã-Bretanha conseguiu a célebre redução da sua contribuição ("rebate") que perdura há muitos anos.
Dificilmente poderá ser contestado que a União precisa de mais recursos financeiros - que atualmente não superam 1% do RNB agregado - para desempenhar as suas missões. Não faz sentido que os Estados-membros lhe confiem novas tarefas e depois lhe recusem os meios de as cumprir. As novas competências da União após o Tratado de Lisboa (ação externa, energia, turismo, proteção civil) e os compromissos entretanto assumidos com a "Estratégia 2020" para a economia e o emprego não podem ser alcançadas sem reforço dos meios financeiros. Basta recordar, entre outras, os seguintes missões: a criação do "serviço de ação externa", implicando a instalação de representações diplomáticas da União em muitos países; os projetos relativos aos programas de investigação e de infraestruturas da União, essenciais para a competitividade europeia; os compromissos financeiros resultantes da criação dos mecanismos de estabilidade orçamental dentro da União; os encargos para os fundos de coesão resultantes da provável adesão de novos países.
A insuficiência de recursos constitui o principal obstáculo à realização dos objetivos da União. Como poderão esses encargos acrescidos ser financiados sem sobrecarregar os orçamentos nacionais, como pretendem muitos Estados-membros, alguns dos quais pretendem mesmo a sua redução?
A resposta vem sendo adiantada desde há muito, incluindo em relatórios e recomendações do Parlamento Europeu. Trata-se de criar, em complemento ou substituição das contribuições nacionais, recursos financeiros genuinamente próprios da UE, nomeadamente de origem tributária, proporcionando à União a autonomia financeira de que ela carece e conferindo ao Parlamento Europeu o devido papel na definição das receitas, que ele até ao momento não tem.
Recentemente a própria Comissão Europeia veio anunciar publicamente um estudo e uma reflexão sobre as diferentes vias para esse fim, elaborando sobre a vasta panóplia de ideias dos últimos anos. Tudo passaria pela "consignação" direta ao orçamento da União das receitas provindas de impostos ou taxas existentes ou a criar a nível europeu, estando entre as alternativas mais frequentemente citadas um imposto sobre as transações financeiras, uma parte do IVA ou o imposto sobre as empresas, taxas sobre o consumo de energia ou sobre produção de CO2, etc.
Qualquer que seja a alternativa escolhida, é fácil ver as suas vantagens. A mais importante seria justamente a autonomia financeira, e se possível a autossuficiência, da União em relação aos Estados-membros. Depois, o financiamento da União deixaria de representar um encargo orçamental dos Estados-membros, não permitindo a sua exploração demagógica a nível nacional pelas forças inimigas da integração europeia. Terceiro, retirar-se-ia alimento à lógica do balanço entre a contribuição nacional e os benefícios recebidos por cada país, que envenena cada vez mais o debate sobre as finanças da União.
Não se desconhecem as dificuldades a ultrapassar para fazer vingar estas ideias. Qualquer decisão nesta área precisa da unanimidade dos Estados-membros, todos tendo poder de veto. O clima dominante de escasso entusiasmo pelo aprofundamento da integração europeia cobraria mais uma vez o seu tributo através do velho argumento da "perda de soberania", neste caso de soberania tributária.
Na semana passada, o Parlamento Europeu teve oportunidade de defender mais uma vez os seus pontos de vista nesta matéria, a favor do reforço do financiamento da União (aliás nuns modestos 5%) e da criação de genuínos recursos próprios, à margem das contribuições orçamentais do Estados-membros. O larguíssimo apoio dado ao "relatório Garriga" (nome do seu autor) testemunha o amplo consenso sobre este assunto entre os representantes dos cidadãos europeus. Resta saber se, mais uma vez, os deputados europeus não passam de vozes clamando no deserto, sem esperança de serem ouvidos por quem neste ponto continua a ter o poder de decidir, ou seja, os governos dos Estados-membros.
Seria interessante, obviamente, saber o que pensa disto o novo Governo do nosso país...
[Público, terça-feira, 14 de Junho de 2011]
A principal batalha política da União Europeia nos próximos tempos é provavelmente a decisão sobre as perspetivas financeiras de médio prazo para período 2014-2020. Por um lado, o Tratado de Lisboa veio alargar as suas competências e logo as suas necessidades financeiras; por outro lado, porém, as dificuldades orçamentais de uma boa parte dos Estados-membros, bem como a emergência de forças antieuropeias em vários outros, torna assaz árdua a ideia de aumentar as contribuições nacionais para o orçamento da União.
O nível de financiamento da União continua refém do sistema de recursos financeiros em vigor, que consistem essencialmente em contribuições de cada Estado-membro, calculadas de acordo com o respetivo RNB, sendo exíguos os recursos endógenos da União (taxas aduaneiras, imposto de rendimento dos funcionários da União, etc.). A dependência do orçamento da União de contribuições financeiras nacionais tem vários efeitos negativos, constituindo um poderoso travão ao aumento das receitas daquela, apesar da comprovada mais-valia das despesas da União.
Antes de mais, essas contribuições figuram como despesa orçamental nas contas nacionais, pelo que pesam no défice orçamental nacional. Segundo, favorecem psicologicamente a tentação de uma comparação entre o que cada país dá e aquilo que recebe da União, estabelecendo uma fatal divisão entre "contribuintes líquidos" e "beneficiários líquidos". Terceiro, a ideia de "justo retorno" de cada país proporciona às forças antieuropeias e à imprensa populista uma poderosa campanha dentro dos países mais ricos sobre o "custo da União". Foi aliás na base dessa perversa lógica que a Grã-Bretanha conseguiu a célebre redução da sua contribuição ("rebate") que perdura há muitos anos.
Dificilmente poderá ser contestado que a União precisa de mais recursos financeiros - que atualmente não superam 1% do RNB agregado - para desempenhar as suas missões. Não faz sentido que os Estados-membros lhe confiem novas tarefas e depois lhe recusem os meios de as cumprir. As novas competências da União após o Tratado de Lisboa (ação externa, energia, turismo, proteção civil) e os compromissos entretanto assumidos com a "Estratégia 2020" para a economia e o emprego não podem ser alcançadas sem reforço dos meios financeiros. Basta recordar, entre outras, os seguintes missões: a criação do "serviço de ação externa", implicando a instalação de representações diplomáticas da União em muitos países; os projetos relativos aos programas de investigação e de infraestruturas da União, essenciais para a competitividade europeia; os compromissos financeiros resultantes da criação dos mecanismos de estabilidade orçamental dentro da União; os encargos para os fundos de coesão resultantes da provável adesão de novos países.
A insuficiência de recursos constitui o principal obstáculo à realização dos objetivos da União. Como poderão esses encargos acrescidos ser financiados sem sobrecarregar os orçamentos nacionais, como pretendem muitos Estados-membros, alguns dos quais pretendem mesmo a sua redução?
A resposta vem sendo adiantada desde há muito, incluindo em relatórios e recomendações do Parlamento Europeu. Trata-se de criar, em complemento ou substituição das contribuições nacionais, recursos financeiros genuinamente próprios da UE, nomeadamente de origem tributária, proporcionando à União a autonomia financeira de que ela carece e conferindo ao Parlamento Europeu o devido papel na definição das receitas, que ele até ao momento não tem.
Recentemente a própria Comissão Europeia veio anunciar publicamente um estudo e uma reflexão sobre as diferentes vias para esse fim, elaborando sobre a vasta panóplia de ideias dos últimos anos. Tudo passaria pela "consignação" direta ao orçamento da União das receitas provindas de impostos ou taxas existentes ou a criar a nível europeu, estando entre as alternativas mais frequentemente citadas um imposto sobre as transações financeiras, uma parte do IVA ou o imposto sobre as empresas, taxas sobre o consumo de energia ou sobre produção de CO2, etc.
Qualquer que seja a alternativa escolhida, é fácil ver as suas vantagens. A mais importante seria justamente a autonomia financeira, e se possível a autossuficiência, da União em relação aos Estados-membros. Depois, o financiamento da União deixaria de representar um encargo orçamental dos Estados-membros, não permitindo a sua exploração demagógica a nível nacional pelas forças inimigas da integração europeia. Terceiro, retirar-se-ia alimento à lógica do balanço entre a contribuição nacional e os benefícios recebidos por cada país, que envenena cada vez mais o debate sobre as finanças da União.
Não se desconhecem as dificuldades a ultrapassar para fazer vingar estas ideias. Qualquer decisão nesta área precisa da unanimidade dos Estados-membros, todos tendo poder de veto. O clima dominante de escasso entusiasmo pelo aprofundamento da integração europeia cobraria mais uma vez o seu tributo através do velho argumento da "perda de soberania", neste caso de soberania tributária.
Na semana passada, o Parlamento Europeu teve oportunidade de defender mais uma vez os seus pontos de vista nesta matéria, a favor do reforço do financiamento da União (aliás nuns modestos 5%) e da criação de genuínos recursos próprios, à margem das contribuições orçamentais do Estados-membros. O larguíssimo apoio dado ao "relatório Garriga" (nome do seu autor) testemunha o amplo consenso sobre este assunto entre os representantes dos cidadãos europeus. Resta saber se, mais uma vez, os deputados europeus não passam de vozes clamando no deserto, sem esperança de serem ouvidos por quem neste ponto continua a ter o poder de decidir, ou seja, os governos dos Estados-membros.
Seria interessante, obviamente, saber o que pensa disto o novo Governo do nosso país...
[Público, terça-feira, 14 de Junho de 2011]