9 de julho de 2011
Tudo, menos radioso
Por Vital Moreira
A fragorosa derrota eleitoral do Bloco de Esquerda (BE), com perda de quase metade do eleitorado e de metade do grupo parlamentar em relação a 2009 (há menos de dois anos), não requer somente uma explicação para esta dêbácle, antes coloca também em questão o seu próprio futuro.
Teoricamente, as condições favoreciam o crescimento eleitoral do BE, tal como do PCP. Quando o PS está no Governo e é forçado a medidas de austeridade, ainda por cima em situação de recessão económica e de aumento do desemprego, a consequente punição eleitoral não costuma beneficiar somente a direita mas também a "esquerda de protesto", por causa das alegadas "políticas de direita" do PS. Assim sucedeu por via de regra anteriormente. Por que é que desta vez o BE não beneficiou dessa onda, tendo antes sido penalizado, comparativamente ainda mais do que o próprio PS?
Há duas explicações principais, uma conjuntural, tendo a ver com a atitude com que o BE se apresentou a estas eleições, outra estrutural, que põe em causa a razão de ser de um partido de esquerda radical sem base social nem ideológica consistente.
Quanto à primeira, parece evidente que grande parte do eleitorado perdido pelo BE voltou ao PS (assim ajudando a atenuar a pesada derrota deste...), de onde, aliás, tinha saído. Em 2009, capitalizando o seu protagonismo na oposição ao programa de modernização do Estado social adotado pelo Governo do PS, o BE foi capaz de beneficiar do relativo castigo imposto aos socialistas e do objetivo de lhes retirar a maioria absoluta, não havendo então um risco sério de vitória da direita. Em 2011, tudo foi diferente. Por um lado, em vez de aproveitar a oportunidade para entrar na esfera do poder, o BE extremou a sua oposição ao Governo minoritário do PS, não hesitando em alianças espúrias com a direita e em apresentar uma moção de censura já depois das eleições presidenciais (quando era evidente que a direita se aprestava para tomar o poder), culminando tudo com uma aliança com a direita para precipitar a queda do Governo. Por outro lado, nestas eleições o que estava em causa era a iminência de uma vitória absoluta da direita liberal-conservadora, sob a égide da deriva neoliberal do PSD. Colocado perante essa ameaça, o eleitorado que em 2009 tenha empolado a votação "bloquista", resolveu naturalmente voltar em socorro do PS, sancionando o extremismo e o sectarismo do BE.
Decididamente, o BE fez uma leitura errada da situação política resultante das eleições de 2009 e do posterior avanço da direita, preferindo explorar juntamente com esta a condição minoritária do Governo do PS e cavalgar os efeitos devastadores da crise da dívida pública. Exacerbando a sua hostilidade visceral ao PS, o BE transformou-se no principal aríete da direita contra o Governo. O seu volátil eleitorado retirou as devidas ilações, recusando-se a alinhar no massacre do PS às mãos da direita.
A falha do Bloco na sua aposta em ocupar progressivamente o espaço político do PS revela também a fragilidade estrutural e os limites eleitorais do radicalismo de esquerda desprovido de base social.
Nascido como federação improvável de três pequenas famílias políticas tradicionalmente desavindas - trotskistas, maoístas e comunistas dissidentes -, o Bloco herdou delas a sua postura anticapitalista, revolucionária e antipoder, para disputar o voto da esquerda insatisfeita com a progressiva reconversão social-democrata do PS, que o dogmatismo e o conservadorismo do PCP não conseguiam atrair.
Trazia ademais uma novidade assaz apelativa para um eleitorado urbano sem compromissos partidários, a saber a luta por causas alternativas pouco cultivadas pela esquerda tradicional, ligadas à liberdade individual (despenalização das drogas leves, descriminalização do aborto, legalização das relações entre pessoas do mesmo sexo) e à luta contra as discriminações e pelos direitos das minorias (direitos das mulheres, dos homossexuais, dos imigrantes, das minorias étnicas).
As duas apostas políticas do Bloco pagaram dividendos eleitorais enquanto não se esgotaram. A aposta anti-PS perdeu força quando se verificou que não existe outra alternativa de Governo à esquerda e quando se mostrou que a esquerda de protesto, por mais forte que seja, é incapaz de assumir qualquer responsabilidade de Governo, não hesitando pelo contrário em alianças oportunistas com a direita, que só o sectarismo antissocialista pode justificar. Protesto por protesto, merece mais confiança e consistência o do PCP, o qual - diferentemente do Bloco, simples "partido de eleitores" - possui uma sólida base social e sindical, que vai resistindo à sua lenta erosão. Por sua vez, a aposta nas causas alternativas cedeu quando a maior parte delas foi realizada mercê da sua cooptação pelo PS (despenalização do aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, etc.), assim mostrando que o BE só ganha causas... com o PS no Governo.
Se o presente do Bloco não aconselha otimismo, o futuro é tudo menos radioso. Na verdade, além de privado de objetivos mobilizadores - por esgotamento da sua agenda originária -, acresce que a vida dos partidos de protesto não é propriamente fácil quando a direita ocupa o poder, aliás como nunca anteriormente (presidência da República, maioria parlamentar absoluta e Governo), e quando o PS protagoniza naturalmente a oposição às políticas de direita. Por via de regra, a esquerda radical, que funda a sua estratégia na hostilidade ao PS e não tem projeto de Governo alternativo, não medra com a direita no Governo.
O atual ciclo protagonizado pela direita mais radicalmente liberal-conservadora que já tivemos desde 1976 não favorece os antípodas do radicalismo de esquerda, mas sim uma alternativa de esquerda moderada, responsável, e de Governo, que só o PS pode representar.
[Público, terça-feira, 21 de Junho de 2011]
A fragorosa derrota eleitoral do Bloco de Esquerda (BE), com perda de quase metade do eleitorado e de metade do grupo parlamentar em relação a 2009 (há menos de dois anos), não requer somente uma explicação para esta dêbácle, antes coloca também em questão o seu próprio futuro.
Teoricamente, as condições favoreciam o crescimento eleitoral do BE, tal como do PCP. Quando o PS está no Governo e é forçado a medidas de austeridade, ainda por cima em situação de recessão económica e de aumento do desemprego, a consequente punição eleitoral não costuma beneficiar somente a direita mas também a "esquerda de protesto", por causa das alegadas "políticas de direita" do PS. Assim sucedeu por via de regra anteriormente. Por que é que desta vez o BE não beneficiou dessa onda, tendo antes sido penalizado, comparativamente ainda mais do que o próprio PS?
Há duas explicações principais, uma conjuntural, tendo a ver com a atitude com que o BE se apresentou a estas eleições, outra estrutural, que põe em causa a razão de ser de um partido de esquerda radical sem base social nem ideológica consistente.
Quanto à primeira, parece evidente que grande parte do eleitorado perdido pelo BE voltou ao PS (assim ajudando a atenuar a pesada derrota deste...), de onde, aliás, tinha saído. Em 2009, capitalizando o seu protagonismo na oposição ao programa de modernização do Estado social adotado pelo Governo do PS, o BE foi capaz de beneficiar do relativo castigo imposto aos socialistas e do objetivo de lhes retirar a maioria absoluta, não havendo então um risco sério de vitória da direita. Em 2011, tudo foi diferente. Por um lado, em vez de aproveitar a oportunidade para entrar na esfera do poder, o BE extremou a sua oposição ao Governo minoritário do PS, não hesitando em alianças espúrias com a direita e em apresentar uma moção de censura já depois das eleições presidenciais (quando era evidente que a direita se aprestava para tomar o poder), culminando tudo com uma aliança com a direita para precipitar a queda do Governo. Por outro lado, nestas eleições o que estava em causa era a iminência de uma vitória absoluta da direita liberal-conservadora, sob a égide da deriva neoliberal do PSD. Colocado perante essa ameaça, o eleitorado que em 2009 tenha empolado a votação "bloquista", resolveu naturalmente voltar em socorro do PS, sancionando o extremismo e o sectarismo do BE.
Decididamente, o BE fez uma leitura errada da situação política resultante das eleições de 2009 e do posterior avanço da direita, preferindo explorar juntamente com esta a condição minoritária do Governo do PS e cavalgar os efeitos devastadores da crise da dívida pública. Exacerbando a sua hostilidade visceral ao PS, o BE transformou-se no principal aríete da direita contra o Governo. O seu volátil eleitorado retirou as devidas ilações, recusando-se a alinhar no massacre do PS às mãos da direita.
A falha do Bloco na sua aposta em ocupar progressivamente o espaço político do PS revela também a fragilidade estrutural e os limites eleitorais do radicalismo de esquerda desprovido de base social.
Nascido como federação improvável de três pequenas famílias políticas tradicionalmente desavindas - trotskistas, maoístas e comunistas dissidentes -, o Bloco herdou delas a sua postura anticapitalista, revolucionária e antipoder, para disputar o voto da esquerda insatisfeita com a progressiva reconversão social-democrata do PS, que o dogmatismo e o conservadorismo do PCP não conseguiam atrair.
Trazia ademais uma novidade assaz apelativa para um eleitorado urbano sem compromissos partidários, a saber a luta por causas alternativas pouco cultivadas pela esquerda tradicional, ligadas à liberdade individual (despenalização das drogas leves, descriminalização do aborto, legalização das relações entre pessoas do mesmo sexo) e à luta contra as discriminações e pelos direitos das minorias (direitos das mulheres, dos homossexuais, dos imigrantes, das minorias étnicas).
As duas apostas políticas do Bloco pagaram dividendos eleitorais enquanto não se esgotaram. A aposta anti-PS perdeu força quando se verificou que não existe outra alternativa de Governo à esquerda e quando se mostrou que a esquerda de protesto, por mais forte que seja, é incapaz de assumir qualquer responsabilidade de Governo, não hesitando pelo contrário em alianças oportunistas com a direita, que só o sectarismo antissocialista pode justificar. Protesto por protesto, merece mais confiança e consistência o do PCP, o qual - diferentemente do Bloco, simples "partido de eleitores" - possui uma sólida base social e sindical, que vai resistindo à sua lenta erosão. Por sua vez, a aposta nas causas alternativas cedeu quando a maior parte delas foi realizada mercê da sua cooptação pelo PS (despenalização do aborto, casamento de pessoas do mesmo sexo, etc.), assim mostrando que o BE só ganha causas... com o PS no Governo.
Se o presente do Bloco não aconselha otimismo, o futuro é tudo menos radioso. Na verdade, além de privado de objetivos mobilizadores - por esgotamento da sua agenda originária -, acresce que a vida dos partidos de protesto não é propriamente fácil quando a direita ocupa o poder, aliás como nunca anteriormente (presidência da República, maioria parlamentar absoluta e Governo), e quando o PS protagoniza naturalmente a oposição às políticas de direita. Por via de regra, a esquerda radical, que funda a sua estratégia na hostilidade ao PS e não tem projeto de Governo alternativo, não medra com a direita no Governo.
O atual ciclo protagonizado pela direita mais radicalmente liberal-conservadora que já tivemos desde 1976 não favorece os antípodas do radicalismo de esquerda, mas sim uma alternativa de esquerda moderada, responsável, e de Governo, que só o PS pode representar.
[Público, terça-feira, 21 de Junho de 2011]