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26 de janeiro de 2012

Responder à crise implica mais Europa no mundo 

por Ana Gomes
 

Os europeus precisam de acordar para a urgência de integração política nas relações externas da União. O Tratado de Lisboa trouxe inovações, em especial a criação de um serviço diplomático europeu, mas os 27 governos e as instituições da UE não conseguiram ainda por em prática uma estratégia coerente, fundada nos princípios, nos interesses e nos objectivos da União no mundo e para o mundo. Pelo contrário, a crise económico-financeira vem exibindo a fraqueza da UE,  quando a resposta à crise - e a própria segurança europeia - exigem mais Europa  internamente e também nas suas relações com o resto do mundo. 

A economia europeia não recuperará competitividade se a UE continuar sem ambição e estratégia para resolver conflitos com implicações para o seu aprovisionamento energético, alem de para a paz mundial  (Israel-Palestina e Irão à cabeça, mas também  o Sahara Ocidental, que poucos preocupa). Se continuar com políticas de comércio internacional que fomentam o "dumping" social e fiscal e tornam os membros ricos da zona euro cada vez mais ricos, enquanto desindustrializam os mais pobres (veja-se a divergência estrutural entre as economias de Portugal e da Alemanha, por exemplo).  Se for incapaz de ajudar a vizinha  "primavera árabe" a não degenerar em violência e pressões migratórias,  antes a ajudando a florir democrática mas também economicamente;  se negligenciar o potencial explosivo de sociedades em crescimento acelerado, tanto como a corrupção e desigualdade, de Luanda a Pequim.  Se continuar a  negligenciar a regulação financeira a nível global, deixando proliferar os paraísos fiscais que protegem a evasão fiscal e outra criminalidade e arrasam a intervenção estatal sobre as próprias economias nacionais.

Nenhum governo europeu, por mais frenetismo que ponha na diplomacia económica ou na ambição política, vai conseguir alcançar esses objectivos sozinho, se não contribuir para por a UE a actuar estrategicamente e a fazer valer o seu peso a nível global. Tanto mais que, fora de portas, estão povos também afligidos pela crise económico-financeira,  estão mercados onde se ganham balúrdios a especular contra  o euro  e estão também oligarquias anti-democráticas interessadas em tirar partido de uma Europa em crise, não visando apenas lucros imediatos, mas tecer a sua própria teia de dominação global.   

Exemplo bem próximo é a entrada do Partido Comunista Chinês (PCC) na EDP, e possivelmente na REN, facultando-lhe posição determinante num sector crítico para a autonomia estratégica de Portugal, logo também da própria UE. Já se antecipam represálias por Lisboa ou Bruxelas ousarem falar contra a repressão no Tibete ou por activistas como Liao Xiao Bo, o Nobel preso. E o mais irónico é que a falsa "privatização" destas duas empresas (afinal a participação do Estado português passou para o Estado chinês) foi instigada por um Programa de Ajustamento imposto pela UE. Tal como a aquisição pelo PCC parece estar a ser abençoada pela Comissão Europeia...

A tomada de infra-estruturas estratégicas, como portos e aeroportos, e de  sectores de tecnologia avançada - incluindo fabricantes de equipamento militar - em Estados Membros da UE por parte de empresas controladas por uma instituição por definição ditatorial, como o Partido Comunista Chinês, tem óbvias e muito sérias implicações  para a  política interna e externa da União. Mais, tem implicações para a segurança e defesa da própria União. De resto, agravadas por os Estados europeus estarem perigosamente a desinvestir nas capacidades e na interoperabilidade  das suas forcas armadas e de segurança, não obstante o Tratado de Lisboa ter pretendido lançar uma Política Comum de Segurança e Defesa.

Com as portas da Europa escancaradas ao capital controlado pela RP China,  a UE fica com uma capacidade infinitamente reduzida de exercer pressão diplomática em Pequim ou Moscovo, como já se está a ver com o impasse no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a repressão feroz na Síria, no incitamento ao  desafio  iraniano em torno do poderio  nuclear (e consequente corrida ao mesmo por potências árabes vizinhas), alem da chantagem nuclear norte-coreano.  

A cedência a desígnios  puramente económicos tem um preço, que a Europa   pagará caro,  não apenas à custa da perda de controlo de infra-estruturas criticas para a sua autonomia estratégica, mas à custa de valores e princípios que são fundação da própria UE.

Sem recuperação económica, a UE nao contará como actor político global e deixará que  alguns dos  seus membros  sejam capturados por interesses alheios e anti- democráticos pondo em causa os seus valores fundacionais e o objectivo de um mundo regulado e mais justo.  Mas só recuperará,  se houver determinacao politica e coerência nas suas politicas económicas, financeiras, comerciais e de desenvolvimento, a  nível europeu e global, para isso precisando absolutamente de investir e ousar na Política Externa e de Segurança Comum.



Artigo publicado no Suplemento EUROPA do "ACÇÃO SOCIALISTA" de Janeiro de 2012

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