15 de março de 2012
Em defesa do ACTA
Por Vital Moreira
Corre uma grande controvérsia na União Europeia sobre o "Acordo Comercial Anticontrafação" (ACTA na sigla inglesa), agora em debate no Parlamento Europeu. Penso porém que as objeções não têm nenhum fundamento no Acordo ou baseiam-se numa interpretação abusiva do mesmo.
O ACTA é uma convenção internacional negociada entre a UE e os seus Estados-membros, incluindo Portugal, com um pequeno número de outros países, entre eles quase todos os países desenvolvidos e alguns países emergentes (México, Coreia, Marrocos, etc.), destinada a reforçar e a coordenar internacionalmente a luta contra a violação dos "direitos de propriedade intelectual" (DPI), nomeadamente os direitos de autor, as marcas, as patentes, as indicações de origem geográfica, etc..
Antes de mais, o ACTA não alarga o objeto nem o âmbito da proteção dos DPI, seja a nível internacional, ou da UE, ou a nível nacional. O que era lícito e permitido antes do ACTA continua a ser permitido; o que já era ilícito e proibido continua a ser ilícito e proibido. Do que se trata agora é de tornar essa proteção mais efetiva na prática, a nível internacional, mediante mecanismos de tipo administrativo e de medidas de direito civil e de direito penal.
Em segundo lugar, como o nome diz, o ACTA é um acordo comercial, que se preocupa com as relações comerciais, e não com os comportamentos individuais (como a compra de um relógio contrafeito ou de um filme pirata) ou com as relações interpessoais (como partilha de ficheiros eletrónicos).
Por último, o ACTA não cria diretamente nenhuma obrigação para os privados, mas apenas para os Estados-parte, deixando-lhes porém uma grande liberdade legislativa na implementação do Acordo. Por isso, mesmo que ele deixe margem para alguma medida mais intrusiva, ela só se se concretizará mediante legislação dos Estados intervenientes. No nosso caso, seria necessário que a nível da UE tais medidas fossem aprovadas pelo Parlamento Europeu e que a nível nacional fossem aprovadas pelos respetivos parlamentos. Para além dos limites constitucionais, há também os limites políticos.
A maior polémica foi levantada a propósito da proteção dos DPI no "ambiente digital", ou seja, na Internet. Mas, se bem interpretado o ACTA, as críticas falham o alvo. Ele não afeta, por exemplo, o direito individual dos utentes a fazerem "download" ilegal de material protegido nem o direito de o compartilharem com amigos ou conhecidos. Não se trata obviamente de relações comerciais, únicas cobertas pelo Acordo. O que o ACTA prevê, e bem, é a prevenção ou a punição do fornecimento de material pirateado ou contrafeito, não o seu consumo.
O Acordo também não impõe nem refere nenhuma obrigação de vigilância dos fornecedores de acesso à Internet (ISP) sobre os seus utentes, nem nenhuma violação da privacidade destes, muito menos o corte de acesso à rede. Os únicos alvos do ACTA na Internet são os websites que proporcionam acesso ilegal, em larga escala, a material protegido por copyright e por marca registada. O Acordo prevê que a identificação dos responsáveis por esses websites pode ser ordenada por autoridade pública competente, a pedido dos titulares de DPI violados, para efeitos de julgamento civil ou penal. Isso em nada infringe o direito de acesso à Internet ou a privacidade dos dados pessoais dos utilizadores.
Não se vê nenhuma razão para distinguir entre uma loja aberta ao público numa rua de Lisboa que venda material pirateado ou contrafeito (que obviamente é ilegal e pode ser punida) e uma loja virtual que ofereça os mesmos produtos na Internet.
O reforço da proteção efetiva dos DPI é essencial antes de mais para assegurar os direitos individuais dos seus titulares: os criadores, os artistas, os investigadores, os inventores. Trata-se de direitos fundamentais protegidos pela Constituição e pela Carta de Direitos Fundamentai da UE. Merecem e devem ser protegidos pelo Estado, como todos os demais direitos fundamentais. Ao contrário do que pretendem alguns críticos do ACTA, nem a pirataria nem a contrafação merecem qualquer proteção.
Uma economia como a da UE, baseada no conhecimento, na investigação e na inovação, não pode dispensar um elevado nível de proteção dos DPI, bem como a efetivação dessa proteção no terreno. Os DPI são a principal matéria-prima de que se faz a competitividade da economia europeia face às economias de baixos salários e de baixos níveis de proteção social e ambiental. Todos os anos, a economia europeia perde milhões e milhões de euros em resultado da pirataria e da contrafação maciças, com origem especialmente da China. Os segundos beneficiários do ACTA são, por isso, as empresas que investem em inovação, os trabalhadores que nelas trabalham e os consumidores que são vítimas de produtos falsificados, incluindo medicamentos.
Compreende-se que os grupos "piratas" e seus apoiantes sejam contra o ACTA, visto que pura e simplesmente não reconhecem os direitos de autor na Internet. Compreende-se que os partidos da esquerda radical também sejam contra, visto que para eles toda a propriedade, incluindo a propriedade intelectual, é um "roubo", não merecendo portanto respeito. Todavia, os partidos políticos responsáveis, que defendam os DPI bem como a competitividade e o emprego na União, não podem deixar de apoiar o ACTA.
[Diário de Notícias, 14 de Março de 2012]
Corre uma grande controvérsia na União Europeia sobre o "Acordo Comercial Anticontrafação" (ACTA na sigla inglesa), agora em debate no Parlamento Europeu. Penso porém que as objeções não têm nenhum fundamento no Acordo ou baseiam-se numa interpretação abusiva do mesmo.
O ACTA é uma convenção internacional negociada entre a UE e os seus Estados-membros, incluindo Portugal, com um pequeno número de outros países, entre eles quase todos os países desenvolvidos e alguns países emergentes (México, Coreia, Marrocos, etc.), destinada a reforçar e a coordenar internacionalmente a luta contra a violação dos "direitos de propriedade intelectual" (DPI), nomeadamente os direitos de autor, as marcas, as patentes, as indicações de origem geográfica, etc..
Antes de mais, o ACTA não alarga o objeto nem o âmbito da proteção dos DPI, seja a nível internacional, ou da UE, ou a nível nacional. O que era lícito e permitido antes do ACTA continua a ser permitido; o que já era ilícito e proibido continua a ser ilícito e proibido. Do que se trata agora é de tornar essa proteção mais efetiva na prática, a nível internacional, mediante mecanismos de tipo administrativo e de medidas de direito civil e de direito penal.
Em segundo lugar, como o nome diz, o ACTA é um acordo comercial, que se preocupa com as relações comerciais, e não com os comportamentos individuais (como a compra de um relógio contrafeito ou de um filme pirata) ou com as relações interpessoais (como partilha de ficheiros eletrónicos).
Por último, o ACTA não cria diretamente nenhuma obrigação para os privados, mas apenas para os Estados-parte, deixando-lhes porém uma grande liberdade legislativa na implementação do Acordo. Por isso, mesmo que ele deixe margem para alguma medida mais intrusiva, ela só se se concretizará mediante legislação dos Estados intervenientes. No nosso caso, seria necessário que a nível da UE tais medidas fossem aprovadas pelo Parlamento Europeu e que a nível nacional fossem aprovadas pelos respetivos parlamentos. Para além dos limites constitucionais, há também os limites políticos.
A maior polémica foi levantada a propósito da proteção dos DPI no "ambiente digital", ou seja, na Internet. Mas, se bem interpretado o ACTA, as críticas falham o alvo. Ele não afeta, por exemplo, o direito individual dos utentes a fazerem "download" ilegal de material protegido nem o direito de o compartilharem com amigos ou conhecidos. Não se trata obviamente de relações comerciais, únicas cobertas pelo Acordo. O que o ACTA prevê, e bem, é a prevenção ou a punição do fornecimento de material pirateado ou contrafeito, não o seu consumo.
O Acordo também não impõe nem refere nenhuma obrigação de vigilância dos fornecedores de acesso à Internet (ISP) sobre os seus utentes, nem nenhuma violação da privacidade destes, muito menos o corte de acesso à rede. Os únicos alvos do ACTA na Internet são os websites que proporcionam acesso ilegal, em larga escala, a material protegido por copyright e por marca registada. O Acordo prevê que a identificação dos responsáveis por esses websites pode ser ordenada por autoridade pública competente, a pedido dos titulares de DPI violados, para efeitos de julgamento civil ou penal. Isso em nada infringe o direito de acesso à Internet ou a privacidade dos dados pessoais dos utilizadores.
Não se vê nenhuma razão para distinguir entre uma loja aberta ao público numa rua de Lisboa que venda material pirateado ou contrafeito (que obviamente é ilegal e pode ser punida) e uma loja virtual que ofereça os mesmos produtos na Internet.
O reforço da proteção efetiva dos DPI é essencial antes de mais para assegurar os direitos individuais dos seus titulares: os criadores, os artistas, os investigadores, os inventores. Trata-se de direitos fundamentais protegidos pela Constituição e pela Carta de Direitos Fundamentai da UE. Merecem e devem ser protegidos pelo Estado, como todos os demais direitos fundamentais. Ao contrário do que pretendem alguns críticos do ACTA, nem a pirataria nem a contrafação merecem qualquer proteção.
Uma economia como a da UE, baseada no conhecimento, na investigação e na inovação, não pode dispensar um elevado nível de proteção dos DPI, bem como a efetivação dessa proteção no terreno. Os DPI são a principal matéria-prima de que se faz a competitividade da economia europeia face às economias de baixos salários e de baixos níveis de proteção social e ambiental. Todos os anos, a economia europeia perde milhões e milhões de euros em resultado da pirataria e da contrafação maciças, com origem especialmente da China. Os segundos beneficiários do ACTA são, por isso, as empresas que investem em inovação, os trabalhadores que nelas trabalham e os consumidores que são vítimas de produtos falsificados, incluindo medicamentos.
Compreende-se que os grupos "piratas" e seus apoiantes sejam contra o ACTA, visto que pura e simplesmente não reconhecem os direitos de autor na Internet. Compreende-se que os partidos da esquerda radical também sejam contra, visto que para eles toda a propriedade, incluindo a propriedade intelectual, é um "roubo", não merecendo portanto respeito. Todavia, os partidos políticos responsáveis, que defendam os DPI bem como a competitividade e o emprego na União, não podem deixar de apoiar o ACTA.
[Diário de Notícias, 14 de Março de 2012]