26 de setembro de 2012
Mais quatro anos para Obama
Tal como a Convenção Republicana em Tampa alterou o
programa por causa da tempestade Isaac, a sessão final da Convenção do Partido
Democrático teve de ser mudada, devido às previsões meteorológicas, de um
estádio para a Arena coberta de Charlotte, que deixou de fora cerca de 20.000
pessoas. S. Pedro terá querido dar uma mão a Obama, para desmentir os
"spinners" republicanos que já tinham posto a circular nas TVs que era por não
haver gente para encher o estádio... O episódio é
ilustrativo da crispação malsã em que decorre esta campanha
eleitoral.
Em 2008 a disputa ideológica não foi menos acesa, mas os
ataques pessoais cuidavam de não exibir preconceitos raciais. Nesta campanha a
propaganda negativa paga pelo campo anti-Obama não olha a meios, sobretudo
depois do Supremo Tribunal permitir às companhias gastar sem limites, por ou
contra qualquer candidatura. O desbragamento reflete também o impacto no Partido
Republicano da intolerância e agressividade do seu aliado "Tea Party".
A Convenção em Charlotte, Carolina do Norte, cumpriu os
objectivos: o Partido Democrático mostrou estar unido, mobilizado para encorajar
eleitores a registarem-se e votarem por Obama. E projectou para todo o país a
imagem do equilíbrio de género e da pluralidade étnica, religiosa, social,
etária, etc. dos seus activistas, reflectindo a diversidade do "melting pot"
americano. Na Convenção de Tampa, em contraste, o Partido Republicano não
conseguiu esconder uma audiência dominada por homens brancos, nem as
contradições entre os interesses que alberga.
Para Republicanos e Democratas o desafio é mobilizar a
faixa dos indecisos e reduzir em seu favor a dos abstencionistas. Os
marqueteiros identificam os jovens e, sobretudo, as mulheres, e em particular
o segmento das brancas com filhos em casa, solteiras ou casadas, como os grupos
que podem decidir a corrida: não admira, assim, que os dois Partidos tivessem
investido em intervenções de figuras de proa femininas, incluindo as mulheres
dos candidatos.
O campo Obama conta com o apoio da minoria
afro-americana, embora ela integre os cidadãos mais desfavorecidos e também mais
atingidos pela crise; e da comunidade hispânica, cada vez mais relevante
politicamente; políticas facilitando a legalização dos emigrantes são
determinantes para os "latinos", ofendidos pela xenofobia do campo
republicano.
A Convenção de Charlotte realçou o fosso ideológico que
separa Democratas dos Republicanos e as politicas de Obama para melhorar a vida
da maioria dos americanos: a legislação que obriga a pagar salário igual a
trabalho igual para homens e mulheres, a universalidade dos sistemas de saúde e
segurança social, aumento dos empréstimos para estudantes e outros incentivos à
educação, defesa da liberdade individual de abortar e de homosexuais poderem
casar e servir nas Forças Armadas, etc.
A politica externa e de segurança de Obama apenas aflorou
em algumas intervenções, com destaque para a do Vice Presidente Joe Biden,
sublinhando a promessa cumprida de retirar as tropas do Iraque e a em curso
quanto ao Afeganistão, a eliminação de Bin Laden, o apoio à Primavera Arabe, a
redução da dependência do exterior pelo investimento nas energias renováveis e
no gás de xisto e a melhoria da imagem dos EUA globalmente. A impreparação de
Romney, ilustrada em sucessivas gafes, prestava-se para o desqualificar. John
Kerry (dado como sucessor de Hillary Clinton no Departamento de Estado)
referiu-se a Romney como "campeão do 'outsourcing', notando: "estes não são
tempos de 'outsource' o Comandante-chefe".
Mas o tema dominante - e
determinante para a reeleição - centra-se na avaliação feita pela classe média
sobre as políticas para o país sair da crise e voltar a criar emprego. E foi
para as classes médias que a Convenção Democrata martelou que Obama herdou o
país no pico de uma crise financeira global sem precedentes, em resultado da
viciação das regras do mercado pela desregulação desenfreada. E martelou as
medidas tomadas por Obama contra o regabofe da financeirização da economia e os
gangsters instalados na banca e no "big
business".
Desfilaram oradores a falar dos valores da classe média,
que não é quem "acumula dinheiro em contas nas Ilhas Caimão para evitar pagar
impostos", como disse Elizabeth Warren, a professora de direito financeiro de
Harvard, agora candidata ao Senado, que também denunciou as propostas de Romney
de mais cortes nos impostos "para os bilionários já taxados abaixo do que pagam
as suas secretárias".
Numa intervenção que muitos consideraram o mais notável
de todos os seus discursos, Bill Clinton recordou o impacto devastador das
guerras e da crise financeira global deixadas por George W. Bush e as medidas
tomadas por Obama para por o país a recuperar, num processo que, sublinhou,
ninguém poderia ter acelerado.
Clinton e Biden testemunharam sobre
o carácter e as qualidades de liderança demonstradas por Barak Obama ao longo
deste mandato. Permitiram, assim, a Obama encerrar a Convenção com um discurso
voltado para o futuro, pedindo mais quatro anos para completar a mudança que
prometera, sem esconder que a recuperação da crise seria lenta e dificil. Obama
apelou à responsabilidade, resiliência e esperança do povo americano: "Como
cidadãos, percebemos que a América não é o que pode ser feito para nós. É sobre
o que pode ser feito por nós".
Depois das
Convenções, as sondagens continuaram a dar os dois candidatos muito a par e
ambos se fizeram imediatamente à estrada para cativar os Estados cujos votos
podem determinar o desfecho, os chamados "swing states": o Ohio, a Florida e a
Virginia. Apesar das
sondagens, vários indicadores apontam a vantagem do incumbente Obama sobre
Romney. Se o factor financiamento pode desfavorecer o campo democrata, Obama
deverá tirar partido dos debates televisionados. Mas há outros imponderáveis que
podem influenciar a campanha, nomeadamente aumentando o desemprego ou os preços
dos combustíveis.
E é aqui que entra a Europa, ironicamente. A UE que
conduz as conversações sobre o programa nuclear iraniano e que pode ser
importante para inviabilizar quaisquer tentativas de extremar tensões que se
repercutiriam no preço do petróleo. É a UE que tem de tomar medidas para travar
a escalada depressiva e começar a recuperar da crise. Em contactos informais com
políticos europeus convidados para a Convenção, responsáveis do Partido
frisaram a responsabilidade que os europeus também tinham em viabilizar a
vitória de Obama, "getting their act together" contra a
crise.
O "sonho americano" que Obama e o Partido Democrático se
propõem reinventar contra a crise pressupõe liderança estratégica, governação,
regulação, justiça, diplomacia e instituições democráticas a funcionar - nos EUA
e a nível global. Por muitas críticas que se
possam fazer a promessas por cumprir e a politicas de Obama (e eu faço), é
cristalino que os interesses de Portugal, da Europa e do mundo passam pela
reeleição de Barak Obama.