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2 de janeiro de 2014

ENVC - das contrapartidas falhadas ao falhanço da privatização 

Em 2004, quando assinou o contrato de aquisição de submarinos a um consórcio alemão, o então Ministro da  Defesa Nacional,  Paulo Portas, anunciou que as respectivas contrapartidas, a materializar em 39 projectos que valeriam mil e duzentos milhões de euros, teriam impacto na economia nacional, e em especial na estratégica indústria naval portuguesa, salvando os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. 

Os Estaleiros, recordo, iriam beneficiar em encomendas, transferência de tecnologia e equipamentos no valor de 632 milhões de euros - cerca de metade do valor das contrapartidas . Na verdade, os ENVC receberam neste quadro a encomenda de seis porta-contentores - que foram construídos e entregues, mas  representaram não um ganho, antes um prejuízo de 9,3 milhões de euros, segundo uma auditoria da Inspecção Geral de Finanças feita em 2009. E receberam um estaleiro de construção a seco - o estaleiro da Flenders, em segunda mão,- valorizado na lista das contrapartidas em 250 milhões euros,  mas que não vale realmente mais do que um décimo desse valor.

Esse contrato das fictícias contrapartidas dos submarinos está em tribunal por fraude e burla ao Estado, mas isso não impediu o Governo de Passos Coelho de o renegociar com uma das empresas instrumental na fraude, a alemã Ferrostaal, e em 2012 o trocar pela renovação de um hotel de luxo no Algarve e por outro investimento alemão em energias renováveis - um novo contrato que o governo se recusa a tornar público, alegando "segredo de Estado" . É um contrato que viola claramente as directivas europeias aplicáveis a equipamentos de defesa, como são os submarinos.

Nessa renegociação das contrapartidas dos submarinos, salvar os estaleiros navais de Viana do castelo não foi, obviamente, prioridade do Governo. 

Há décadas que sucessivos governos - incluindo do PS - parecem ter apostado em por à frente da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo direcções comerciais incompetentes, incapazes de reestruturar a produção e de lhe assegurar encomendas que viabilizassem a laboração.  Pelo contrário, com a desastrosa gestão do navio Atlântida, que indecentemente se permitiu que o Governo Regional dos Açores pusesse em causa, até aos patrulhões atlânticos que a Marinha regateou e encareceu, tudo se conjugou para asfixiar financeiramente uma empresa que deveria ser estratégica para Portugal  - pela tecnologia, saber e capacidades reunidos numa área industrial especializada, de duplo uso (isto é, que permite construir navios para uso civil e para uso militar), constituindo assim uma base industrial e tecnológica que um país marítimo e com responsabilidades na própria defesa e segurança europeia marítima, como o nosso, não pode dispensar nem perder.

Esta é doutrina europeia assente - como aliás se reflecte num relatório que elaborei recentemente no PE sobre a dimensão marítima da Política Comum de Segurança e Defesa. É doutrina que o Governo de Passos Coelho podia ter invocado para responder às questões  da Comissão Europeia sobre eventuais ajudas de Estado, no valor de 180 milhões de euros, aos Estaleiros de Viana que distorceriam as regras da concorrência. Bastava ao Governo explicar a Bruxelas que os estaleiros de Viana laboravam também para o Estado, construindo navios para a Marinha portuguesa, para justificar os pagamentos estatais aos Estaleiros. Bastava ao Governo de Passos Coelho fazer o que fez a Espanha em relação a estaleiros espanhóis em idênticas circunstâncias.

Mas o Governo de Passos Coelho não fez nada disso! Embora a própria Comissão Europeia o tivesse convidado a apresentar um plano de reestruturação da empresa publica que  são os ENVC, o Ministro da Defesa Nacional, Dr. Aguiar Branco, decidiu, num primeiro momento, privatizar a empresa. O Governo tardou em facultar três milhões de euros de financiamento necessários para a empresa comprar matéria-prima para cumprir  com a encomenda dos asfalteiros venezuelanos. E enquanto isso, matéria-prima já adquirida para os navios a fabricar para a Marinha era vendida como sucata, ao desbarato, a uma empresa concorrente -por acaso detida pela Martifer, a quem o Governo quer entregar  os Estaleiros de Viana.

Com o pretexto da intervenção da Comissão Europeia, o Governo mudou entretanto e subitamente de ideias, em Abril passado: encerrou o processo de privatização e passou a apostar em alugar terrenos e instalações dos ENVC, num contrato de subconcessao que vai custar ainda mais dinheiro aos contribuintes portugueses, vai destruir os estaleiros e despedir os mais de 600 trabalhadores, com dramáticas consequências para todas as famílias de Viana do Castelo.

Acresce que a Martifer, empresa vencedora da subconcessão num concurso pouco transparente em  que acabou por ser única concorrente, apesar de haver pelo menos mais um interessado, não se destaca pela experiência de gestão de construção naval e está em situação financeira muito crítica. 

Tudo cheira e soa muito mal neste desastroso negócio que representa um crime contra trabalhadores nacionais,  contra a indústria nacional, a defesa nacional e o interesse nacional  e europeu. Se houver vergonha, a AR determina instaurar um inquérito. Tudo indica que se imporá também a investigação judicial - nesse sentido, o Ministro pode ter aberto caminho, apresentando queixa contra mim. 

E impõe-se também finalmente que a Comissão Europeia assuma as suas responsabilidades e leve até ao fim a sua própria investigação. Como deputada europeia bater-me-ei nesse sentido.


NOTA: este foi o texto em que me baseei para intervir no "Conselho Superior" na ANTENA 1 no dia 3 de Dezembro de 2013

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