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4 de junho de 2014

Assumir erros para "desempastelar" 

Por Ana Gomes

Sem contestar qualidades mediáticas e outras de Antonio Costa para liderar, não concordo com a oportunidade de ensarilhar agora o PS, numa querela interna que põe a direita no poder a esfregar as mãos de contente, folgando costas da derrota histórica que sofreu. Nem concordei com as razões invocadas, nem os métodos utilizados por António Costa. Por isso entendi não virar costas a Antonio José Seguro.

No sábado passado, na Comissão Nacional do PS, no Vimeiro, Seguro mostrou não só não ter medo de ir à luta junto dos militantes, como estar disposto a ir mais além: ao propor que a disputa entre ele e Costa como candidatos a Primeiro Ministro seja resolvida através de eleições primárias abertas a simpatizantes, Seguro dá um passo histórico, com consequências para o sistema político nacional influenciando outros partidos políticos. É um passo que visa suster o alto nível de alheamento dos cidadãos relativamente à política, espelhado no alarmante nível da abstenção, mais votos nulos,brancos e de protesto. AJ Seguro já esclareceu, entretanto, que não haverá bicefalia na liderança do PS: se perder, tirará consequências, demitindo-se de SG.

Já que o PS e o País pagam o custo de este processo ter sido aberto, é desejável que seja mais do que um concurso de popularidade nos media.

Julgo ser fundamental - e esta é percepção que me ficou dos contactos com cidadãos, por todo o país, na recente campanha eleitoral - que se discutam as razões do "empastelamento" que Antonio Costa vê nos resultados eleitorais do PS, a ponto de avançar finalmente para disputar a liderança: esse empastelamento não tem, de facto, tanto a ver com quem é o líder, mas com as garantias políticas que o PS oferece aos portugueses.

Não basta saber se há diferenças nas propostas políticas de Costa relativamente a Seguro, ou se é só questão de estilo: eu espero sobretudo ver o que têm Seguro e Costa para dizer aos portugueses sobre os erros cometidos pelo PS nos anos de governo que antecederam o resgate e o memorando da Troika. É que se o PS tem muito de que se orgulhar do que fez nos Governos Sócrates - do reforço da escola e saúde públicas, aos investimentos na qualificação, na ciência, na tecnologia, nas energias renovaveis, no simplex, na reforma da segurança social, etc... - também tem que assumir que cometeu erros: da nacionalização do BPN deixando de fora a SLN, a PPPs e a SWAPS lesivos para o Estado (como os negociados por Maria Luis Albuquerque), o falhanço de fazer investigar e punir responsáveis por negócios corruptos (os submarinos são só um exemplo), ao próprio respaldo de Barroso para segundo mandato na Comissão Europeia, etc...

Assumir que se cometeram erros é indispensável para se mostrar que se aprenderam as lições e que se procurará não se voltar a cometer semelhantes erros - isso é fundamental para o PS "desempastelar" e recuperar credibilidade junto dos portugueses, lidere quem lidere.

Há lá fora um País, que precisa de um PS forte, unido, coeso e eficaz para construir alternativa às políticas austericidas deste Governo Inconstitucional - tantas são as inconstitucionalidades orçamentais que coleciona - agora ainda mais desembestado na sanha retaliatória contra o Tribunal Constitucional, ou seja, de factocontra os portugueses.

E há também uma União Europeia que também não espera - mas nos desespera - com mais inadmissíveis pronunciamentos sobre as decisões do TC, como os de Barroso e Olli Rehn ontem. Há decisões urgentes e determinantes a pedir uma voz credível do PS na família socialista europeia, designadamente para não deixar que a Sra Merkel, o PM britânico, Barroso e outros da mesma estirpe não logrem mandar para o caixote do lixo os votos dos cidadãos europeus a quem foi dito que estavam também a eleger o Presidente da Comissão Europeia, ao mesmo tempo que escolhiam os eurodeputados. Porque é essa manobra de reles política anti-europeia e anti-democracia que está a ser ensaiada, não obstante o candidato ganhador, Juncker, ser da família política da própria direita.

Entretanto, o novo governo italiano - o que teve os melhores resultados eleitorais na família socialista europeia - já está a fazer saber aos parceiros que é indispensável mudar as políticas austericidas pelas do crescimento e emprego e para isso reinterpretar com flexibilidade as famigeradas normas restritivas do Tratado Orçamental.

Por tudo isto, é crucial que o PS dobre urgentemente o cabo do ensarilhamento instalado.


(Notas da minha crónica no "Conselho Superior" - ANTENA 1 a 3/6/2014)




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