9 de setembro de 2014
Dragar a Europa para desenterrar Portugal
Por Ana Gomes
A União Europeia está de rastos, como ilustra a retratação de Durão Barroso face a ameaça de Putin de revelar uma conversa telefónica sobre a Ucrânia.
Mas ao mesmo tempo, há esforços para reerguer a Europa, dragando-a do lamaçal político e económico em que Barroso a deixa: assim vejo as declarações de Mário Draghi, afrontando o banco central alemão, ao baixar os juros e anunciar medidas de compra de títulos de dívida garantidos pelos Estados, com o objectivo de obrigar os bancos a voltar a financiar a economia para relançar crescimento e emprego na Europa.
O Governo portugues devia aplaudir Draghi, se fosse capaz de se empenhar pelo que serve Portugal e a Europa. Mas não: a coligação PSD/CDS atém-se embezerrada à receita austeritária, mesmo quando já começa a ser mal vista nos redutos mais ultras: a Ministra das Finanças entreabriu a medo a porta, sugerindo que se discuta a divida na AR, mas sem aludir a renegociação ou restruturação, não vá a Alemanha soltar os cães...
Não admira - empobrecer Portugal é a imagem de marca do Governo que mais enterrou o país em endividamento - passamos de 94% em 2010 para os 132% do PIB actuais: um Governo sem estratégia para fazer crescer a economia e criar emprego, que só sabe consolidar orçamentos à conta de sobrecarregar de impostos e de cortes em salários, pensões e prestações sociais as classes médias e as pequenas e médias empresas.
Não admira, pois é designio deste Governo privatizar tudo o que seja rentável - já se foram os anéis do controle publico na REN, EDP, ANA e Caixa Seguros - e afinal gestão privada e reguladores não travam o aumento de taxas e custos. E agora largam-se os dedos - da EGF aos CTT, em breve a TAP, a seguir as águas, a segurança, etc...
Benefícios e incentivos reserva-os o Governo para grandes grupos económicos e financeiros e para os estrangeiros endinheirados a quem os seus muchachos certificados vendem vistos dourados às maletas e décadas de isenções fiscais... Este é um Governo que, com troika e sem troika, se esfalfa a vender o país a patacos. Vimo-lo, vêmo-lo, a recuperar/confiscar activos às associações de malfeitores responsáveis pela criminalidade no BPN, no BPP e agora no polvo BES/GES? Pois se até lhes facultou amnistias fiscais para branquearem capitais e o mais...
Aumentará o desgoverno à medida que crescerem as tensões eleitoralistas: apesar de agarrado por Passos Coelho por via submarina, Paulo Portas faz por mostrar que bate o pé para descer impostos. Ora na Grécia, a tal que nós -segundo eles - não queremos ser - os impostos baixam mesmo: o imposto sobre combustíveis baixa 30%, o IRS vai para os 32% no máximo, e o IRC desce para 15%...
O desgoverno sai-nos caro e perigoso: força a emigrar um português perito mundial em cibersegurança (vidé entrevista no PÚBLICO, ontem): no Luxemburgo patrocinam-lhe um projecto de protecção de infra-estruturas criticas, cá chumbado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia... Ao mesmo tempo, o sistema informatico Citius pôe em estado de sítio os tribunais: chamam-lhes reformas, mas não cortam, antes acrescentam, gorduras ao Estado, em ajustes directos e consultadorias, além das injustiças...
Mas há sinais de que o país se não rende aos jihadistas do empobrecimento e da desmoralização: assim quero ler o desfecho do processo "face oculta". Independentemente de quem foram os condenados (e muito me custa ver socialistas entre eles ) e de ainda poderem ser interpostos recursos, julgo que as pesadas condenações dão sinal de que mesmo no desmotivado sistema de Justiça se compreende que é fundamental dragar a corrupção para desenterrar Portugal do atoleiro. Veremos se aturadas investigações e pesadas sentenças não se ficam apenas por quem ofereceu e recebeu robalos. Precisamos que sigam os chernes e os tubarões ...
(Notas para a minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA 1)