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18 de novembro de 2014

Portugal e a UE no labirinto dos Vistos Dourados 

Por Ana Gomes

A serem confirmadas as suspeitas da Justiça, a operação "Labirinto" não é mais um escândalo, dos muitos a que este Governo nos habituou. Percebemos que o país, todos nós, estamos mergulhados num lodaçal, em que o topo da Administração Pública não está apenas enredado em corrupção, mas infiltrado por redes criminosas.

Devo dizer que me custa ver implicado nas investigações judiciais em curso um veterano servidor do Estado que me merece muito apreço profissional  - estou a falar do director geral do SEF, Dr. Manuel Jarmela Palos. 

Mas mais me alarma ver secretários gerais de vários ministérios e outros altos funcionários indiciados de pertencer a uma rede aparentemente tutelada pelo Presidente do Instituto dos Registos e Notariado. E ainda mais alarma ver todos esses dirigentes do topo do Estado mancomunados com agentes políticos e empresariais de fáceis costumes, como aqueles que se prestam a entrar para sócios de duvidosas empresas, onde por caso nunca trabalham nada e que julgam até desactivadas... Sem falar num Serviço de Informações da República que se presta a fazer, fora das horas de serviço, operações de varrimento electrónico para frustrar investigações policiais e proteger possíveis  criminosos. 

Os esquemas de Vistos Dourados são como os paraísos fiscais - podem dizê-los legais, cá e noutros países, mas constituem estratagema imoral e discriminatório: os pobres que fogem da guerra e da miséria deixar-semorrer no Mediterrâneo; um emigrante normal precisa 6 anos de residência permanente em Portugal para pedir a nacionalidade. Mas a qualquer estrangeiro com 500.000 euros no bolso para dar por um apartamento, vendemos não apenas autorização de residência na Europa, mas passadeira vermelha para a nacionalidade portuguesa, com apenas  35 dias de permanência no país ao longo de cinco anos. 

Pela estagnação económica e o ridículo número de postos trabalho criados, sabemos que os vistos dourados só fizeram inflacionar os preços no segmento superior do mercado da habitação, sem qualquer repercussão reprodutiva: os mil milhões acenados pelo pai dos Vistos Dourados, Paulo Portas, não entraram nos cofres do Estado.

As justificações que os defensores do regime de vistos dourados avançam para o manter - e a meu ver ele deve ser abandonado e, pelo menos, imediatamente suspenso - decorrem da circunstância de outros países, incluindo parceiros europeus, o terem em vigor para atrair investimento. Argumentos que denotam a falência política e ética de quem os esgrime: países há que vivem do altamente rentável narco-tráfico e quem se atreve a defender a importação e legalização do  negócio? E se o dinheiro tudo justifica, aceitariam estes governantes por as suas familias a assaltar no Pinhal da Azambuja? Então porque não hesitam em prostituir a nacionalidade, vulnerabilizando a segurança do país e da Europa?

Desde que foi anunciado, que  venho denunciando este esquema dos Vistos Dourados, concebido para fazer circular malas de dinheiro. Ao longo do último ano procurei por o tema na agenda em Bruxelas e fui questionando o Governo sobre a operacionalização, que me parecia propiciar o abuso. 

Essa foi a razão por que um programa semelhante acabou por ser abandonado no Canadá. Mas por cá refinou-se o potencial indutor das "luvas" e da lavagem de dinheiro: chegamos ao ponto de ver o AICEP certificar para vender vistos dourados na China uma empresa de um antigo chefe de gabinete de Paulo Portas e ex-admnistrador do próprio Aicep... Enfim! anda o Dr. Frasquilho do PSD, do BES e do AICEP a gastar dinheiro ao erário público em "road shows" para promover  exportações e captar investimento,  e logo rebenta este escândalo para projectar, "urbi et orbe", outra realidade desencorajadora em Portugal!

O Governo não respondeu às minhas perguntas e recusou facultar-me a lista das pessoas que bafejou com dourado visto. Enfim, haveremos de arranjar maneira de saber a que familiares de ditadores e corruptos de outros países, os vistos dourados vieram dar via verde PP para a "lavandaria" Portugal...

A procissão ainda não saiu do adro: já se demitiu um ministro, mais se deviam já ter demitido, mas resistem. Estamos cá para ver se isto não rebentou agora por dar jeito, no contexto da guerra entre ministros, instrumentalizando rivalidades entre Polícias, em torno de quem deve ou não fazer escutas: hoje há o exagero de 19 Polícias com esse poder, a  Ministra da Justiça quer tudo concentrar apenas na PJ : não por acaso, pretende tirar essa capacidade, entre outras, à Autoridade Tributária, assim impedindo-a de lançar investigações como a Monte Branco,  que acabou por fisgar a liderança Espírito Santo e expor as cumplicidades com ela.
 
O caso dos Vistos Dourados não nos diz apenas respeito: afecta a Europa, princípios, valores, a integridade da zona Schengen e a segurança dos europeus, face aos riscos de, por esta via, se importar corrupção e criminalidade organizada. Já ontem interpelei a Comissão Europeia para que não continue a sacudir a água do capote, relativamente a Portugal e a outros Estados Membros que estão em mais esta corrida para o abismo, que são os Vistos Dourados.

Para além das responsabilidades individuais que a Justiça terá de apurar, há responsabilidades políticas a pedir. Incluindo ao Presidente da República. Concordo com o Dr. António Capucho ao considerar que o Presidente da Republica  devia demitir já o Governo. 


(Transcrição da minha crónica de hoje no "Conselho Superior" da Antena 1)

12 de novembro de 2014

Luxleaks expose the cost of non-Europe 

Por Ana Gomes

"The Luxleaks  expose the cost of non-Europe. 
While our Governments in the Council and the Commission callously impose brutal taxes and lethal austerity on the middle classes and the poor, they immorally compete to afford schemes for tax avoidance and tax evasion to the rich and large companies, via tax rulings and even via tax amnesties, such as the one offered by the Portuguese Government, with troika blessing, to the Espírito Santo gangsters in 2012.
We will not have public or private investment for growth and jobs in Europe and we cannot have fair competition and a true Single Market if our Member States continue embarked in a race to the bottom on tax dumping.
The Commission must act and urgently:
1 - Delivering on the ongoing investigations for "State aid" on Luxembourg, Hollande, Ireland
2 - Supporting the EP in the trilogue on the new Anti Money Laundering Directive, specifically in establishing public access to a registry of beneficial ownership of social participations, including trusts and foundations.
3 - Delivering on country-by-country reporting 
4 - Pressing Member States to recover taxes evaded and to confiscate the proceeds of tax fraud
Finally, the European Commission must urge and welcome  the setting up by the European Parliament of a Special Inquiry Committee on tax evasion and tax avoidance. This can only assist you in pressing Member States and the Council to act".

(My statement today at EP plenary debate with Com. Moscovici)

4 de novembro de 2014

Nova Comissão Europeia: "ultima oportunidade" para a Europa 

Por Ana Gomes

 
A entrada em funcionamento da nova  Comissao Europeia pôs termo a dez anos de Durão Barroso a enfraquecer a Uniao Europeia, e a Comissão, em particular.  

A nova Comissão Europeia teve o voto favorável do Parlamento Europeu, incluindo o meu. Não estou convencida de que seja uma grande equipa para fazer face aos desafios enfrentados pela governação europeia e aos problemas sentidos pelos cidadãos, até porque tenho fortes reservas quanto à idoneidade pessoal e política de alguns Comissários, como o  hungaro e o espanhol. Mas decidi dar à Comissão Juncker o benefício da dúvida, por esperar e por desesperar da União Europeia.

Reconheço que Juncker é feito do melhor pano europeísta no Partido Popular Europeu, que venceu nas ultimas eleições europeias, o que lhe dá legitimidade reforçada. Juncker, em contraponto a Barroso, não instila emBerlim, Paris ou Londres a ideia de poder ser manobrado como fantoche…

Mas Jean-Claude Juncker tem muito que provar. Como eu lhe disse dem debate plenário no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na semana passada, queremos vê-lo concretizar o plano de investimento estratégico no montante de novos 300 mil milhões de euros que anunciou, para dinamizar o crescimento da economia europeia e criar emprego, plano que precisa de compatibilizar com flexibilidade inteligente na aplicação das regras orçamentais, tendo em conta as necessidades e dinâmicas específicas de cada Estado-Membro. 

Precisamos de ver a Comissão Juncker fazer a zona Euro caminhar solidária e convergentemente, obrigando países com excedentes, como a Alemanha, a também ter de controlar os seus desequilíbrios orçamentais, visto que os seus excedentes sao os deficits de outros estados membros, como o nosso. E queremos ver a Comissão por na agenda a gestão mutualizada das dívidas públicas, com prazos mais dilatados e juros mais baixos, de modo a não comprometer mais o relançamento económico da zona euro, hoje estagnada e podendo afundar-se face aos riscos de deflação.

A Comissão Juncker vai ter rapidamente de passar das palavras aos actos para tirar a Europa da crise em que a mergulhou a desregulação neo-liberal e anti-social que ficou marca funesta da Comissão Barroso. Ora o novo Presidente da Comissão Europeia, que leva décadas de governo e dez anos anos como primeiro-ministro, também foi responsável pelo processo de desregulação criminosa da economia europeia:  nesses dez anos deixou que o seu país, o Luxemburgo, se transformasse num quase-paraíso fiscal no coração da própria zona euro. 

É preciso exigir a Juncker - e eu já comecei a fazê-lo - que ponha a sua Comissão a trabalhar contra a selva fiscal que incentiva a criminalidade fiscal e financeira, a lavagem de dinheiro, a corrupção e, em termos globais, a desgovernação. Só assim Comissão e Estados Membros conseguirão mobilizar recursos para investir em políticas de revitalização industrial, de eficiência e auto-suficiência energéticas, em infra-estruturas e redes estratégicas, em criação de emprego e sustentabilidade do Estado social, dando resposta aos problemas das pessoas e ás necessidades das PMEs, que constituem a malha do tecido económico europeu - e não apenas dos bancos, da finança, grandes empresas multinacionais e diversas outras mafias.

Os desafios políticos passarão também pela nova arquitectura hierárquica na Comissão, em que os vice-presidentes poderão sobrepor-se aos comissários sobre sua alçada. Daqui por um par de horas, veremos como a dupla Katainen /Moscovici vai apresentar as perspectivas económicas do Outono para a União. E no final da semana, os ministros das Finanças reúnem em formação ECOFIN para discutir a agenda económica e financeira da zona. A ver vamos se mudam ambiciosamente de agulha ou prosseguem em navegação costeira e rasteira, como navegou o BCE nos recentes testes de esforço aos bancos.

A ver vamos se a Europa se recentra nas pessoas, se a União volta aos carris da integração política e do relançamento económico e social, e se devolve aos cidadãos a confiança e a esperança no projecto europeu. Se a nova Comissão europeia continuar com políticas que só fazem crescer os movimentos extremistas e antidemocráticos na Europa, perde-se a oportunidade. E foi o próprio Juncker quem acentuou que esta Comissão é a da “última oportunidade” para a Europa.


(transcrição da minha crónica de hoje de manhã no " Conaeho Superior" da ANTENA 1)

 

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