4 de novembro de 2014
Nova Comissão Europeia: "ultima oportunidade" para a Europa
Por Ana Gomes
A entrada em funcionamento da nova Comissao Europeia pôs termo a dez anos de Durão Barroso a enfraquecer a Uniao Europeia, e a Comissão, em particular.
A nova Comissão Europeia teve o voto favorável do Parlamento Europeu, incluindo o meu. Não estou convencida de que seja uma grande equipa para fazer face aos desafios enfrentados pela governação europeia e aos problemas sentidos pelos cidadãos, até porque tenho fortes reservas quanto à idoneidade pessoal e política de alguns Comissários, como o hungaro e o espanhol. Mas decidi dar à Comissão Juncker o benefício da dúvida, por esperar e por desesperar da União Europeia.
Reconheço que Juncker é feito do melhor pano europeísta no Partido Popular Europeu, que venceu nas ultimas eleições europeias, o que lhe dá legitimidade reforçada. Juncker, em contraponto a Barroso, não instila emBerlim, Paris ou Londres a ideia de poder ser manobrado como fantoche…
Mas Jean-Claude Juncker tem muito que provar. Como eu lhe disse dem debate plenário no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na semana passada, queremos vê-lo concretizar o plano de investimento estratégico no montante de novos 300 mil milhões de euros que anunciou, para dinamizar o crescimento da economia europeia e criar emprego, plano que precisa de compatibilizar com flexibilidade inteligente na aplicação das regras orçamentais, tendo em conta as necessidades e dinâmicas específicas de cada Estado-Membro.
Precisamos de ver a Comissão Juncker fazer a zona Euro caminhar solidária e convergentemente, obrigando países com excedentes, como a Alemanha, a também ter de controlar os seus desequilíbrios orçamentais, visto que os seus excedentes sao os deficits de outros estados membros, como o nosso. E queremos ver a Comissão por na agenda a gestão mutualizada das dívidas públicas, com prazos mais dilatados e juros mais baixos, de modo a não comprometer mais o relançamento económico da zona euro, hoje estagnada e podendo afundar-se face aos riscos de deflação.
A Comissão Juncker vai ter rapidamente de passar das palavras aos actos para tirar a Europa da crise em que a mergulhou a desregulação neo-liberal e anti-social que ficou marca funesta da Comissão Barroso. Ora o novo Presidente da Comissão Europeia, que leva décadas de governo e dez anos anos como primeiro-ministro, também foi responsável pelo processo de desregulação criminosa da economia europeia: nesses dez anos deixou que o seu país, o Luxemburgo, se transformasse num quase-paraíso fiscal no coração da própria zona euro.
É preciso exigir a Juncker - e eu já comecei a fazê-lo - que ponha a sua Comissão a trabalhar contra a selva fiscal que incentiva a criminalidade fiscal e financeira, a lavagem de dinheiro, a corrupção e, em termos globais, a desgovernação. Só assim Comissão e Estados Membros conseguirão mobilizar recursos para investir em políticas de revitalização industrial, de eficiência e auto-suficiência energéticas, em infra-estruturas e redes estratégicas, em criação de emprego e sustentabilidade do Estado social, dando resposta aos problemas das pessoas e ás necessidades das PMEs, que constituem a malha do tecido económico europeu - e não apenas dos bancos, da finança, grandes empresas multinacionais e diversas outras mafias.
Os desafios políticos passarão também pela nova arquitectura hierárquica na Comissão, em que os vice-presidentes poderão sobrepor-se aos comissários sobre sua alçada. Daqui por um par de horas, veremos como a dupla Katainen /Moscovici vai apresentar as perspectivas económicas do Outono para a União. E no final da semana, os ministros das Finanças reúnem em formação ECOFIN para discutir a agenda económica e financeira da zona. A ver vamos se mudam ambiciosamente de agulha ou prosseguem em navegação costeira e rasteira, como navegou o BCE nos recentes testes de esforço aos bancos.
A ver vamos se a Europa se recentra nas pessoas, se a União volta aos carris da integração política e do relançamento económico e social, e se devolve aos cidadãos a confiança e a esperança no projecto europeu. Se a nova Comissão europeia continuar com políticas que só fazem crescer os movimentos extremistas e antidemocráticos na Europa, perde-se a oportunidade. E foi o próprio Juncker quem acentuou que esta Comissão é a da “última oportunidade” para a Europa.
(transcrição da minha crónica de hoje de manhã no " Conaeho Superior" da ANTENA 1)