15 de fevereiro de 2015
O processo dos submarinos - questionário do Jornal I
O Jornal I publicou na edição de ontem (14/15 Fevereiro) um notável trabalho jornalístico sobre o processo dos submarinos - http://ift.tt/1KUiVTk . Incluiu respostas minhas a um conjunto de perguntas elaboradas pelo jornalista Pedro Rainho. Naturais exigências da paginação na edição impressa levaram a que fossem encurtadas. Aqui fica a versão integral:
- A investigação foi conduzida em profundidade, pelo menos em parte, mas ficou incompleta: houve muitas pontas que ficaram por investigar. Foram feitas imensas diligências, reuniram-se elementos muito importantes, em especial pela primeira equipa de procuradores, que pegou no caso em 2005, e pela última, que só recebeu o processo, desorganizado e sem direcção, em Outubro de 2013.
No requerimento para a abertura de instrução chamei a atenção para algumas das mais graves falhas, como a não investigação do património dos decisores políticos, seus colaboradores mais próximos e partidos políticos. Havendo suspeitas de corrupção, além de outros crimes, esta falha é inaceitável.
No que respeita às condenações na Grécia, é preciso notar que foram fornecidos às autoridades gregas, pelas autoridades alemãs que realizaram as buscas conjuntas com o nosso MP à Ferrostaal em Essen, importantes elementos de prova, incluindo detalhes sobre os circuitos financeiros dos subornos. Isso não aconteceu no caso português: apesar de repetidos pedidos ao longo de anos, a justiça alemã não enviou toda a documentação apreendida, nem idênticos detalhes. Mais, o nosso MP descobriu que havia nos documentos processuais remetidos referências a testemunhos codificados, para serem mantidos secretos por acordo entre os magistrados e os réus, como a lei alemã permite desde que paguem multa - e no caso ascendeu a 139 milhões de euros!...Por isso escrevi à Chanceler Merkel perguntando quem queria a Alemanha proteger, já que condenou corruptores, mas não ajudou a expor e condenar os corrompidos. A resposta que obtive nada esclarece...
Tem-se destacado na defesa da responsabilização. Alguma vez sentiu que estava sozinha quer no campo da Política quer no da Justiça?
- Sozinha nunca estive, felizmente. Tive sempre um núcleo restrito de pessoas a apoiar-me no trabalho de investigação, que é muito exigente em tempo, recursos e qualificação jurídica. Mas nunca hesitei em dar a cara publicamente sozinha - a responsabilidade é minha, incluindo pelos erros. Podia ter sido mais acompanhada politicamente, designadamente pelo meu Partido? Ah, com certeza que podia. Sei bem que incomodo muita gente, incluindo no PS, com esta e outras investigações sobre corrupção e por exigir responsabilização política e empenho na luta contra a corrupção. Tanto melhor: vim para a política não à procura de carreira profissional, nem de nela fazer carreira; vim justamente para afrontar os interesses que se incomodam com quem exige transparência e integridade na política e na governação. Faz parte da "job description" parecer e aparecer muitas vezes sozinha...
Fez acusações a Paulo Portas que depois corrigiu, pedindo desculpas. Agora, as transcrições estavam mal feitas. Estes episódios reforçam a tese de que a investigação foi mal conduzida?
- Por admitir que havia transcrições mal feitas, eu pedi aclaramento através do prosseguimento da investigação. Mas quem garante que as gravações que passaram na SIC-Notícias são as que estão no processo? Eu não ouvi escutas, só li transcrições e integrei uma possível explicação com muitos outros elementos que constam do processo.
Quanto às acusações que dirigi a Paulo Portas e que corrigi - e por isso pedi desculpa, sem hesitação, na Comissão de Inquérito da AR - diziam respeito aos helicópteros, e não aos submarinos.
Reconheci também, na CPI, ter errado quando, na queixa que fiz à Comissão Europeia em 2010, escrevi que o Ministério da Defesa tinha contratado a ESCOM para o assessorar, quando ela já assessorava o consórcio alemão fornecedor. Era a informação que tinha na altura e que, formalmente, não era exacta, como vim depois a apurar. Mas é preciso ver que estamos a falar de um processo de aquisição pelo Estado que foi feito no maior secretismo, os próprios contratos eram secretos e muito porfiei para os obter: o MDN, até Augusto Santos Silva ser ministro da Defesa, fechou-se impenetravelmente.
Agora que consultei o processo judicial, rectifico esta correcção: o próprio MP conclui que representantes do Estado impuseram a ESCOM no processo, embora estivessem fartos de saber que a empresa representava o consórcio alemão fornecedor. Não há contrato entre a ESCOM e o Ministério da Defesa, mas está documentada uma relação de promiscuidade, com intensos contactos, entre ESCOM e o CDS/PP no Governo, via Paulo Portas, via Abel Pinheiro e outras vias. Há no processo testemunhos de assessores de Paulo Portas a dizer ter visto Luis Horta e Costa no MDN, na fase de negociação do contrato dos submarinos, às 10 horas da noite.... Ora a ESCOM era Grupo Espírito Santo (GES). E Paulo Portas impôs que o contrato de financiamento dos submarinos fosse feito pelo consórcio Crédit Suisse/BES, apesar de os alemães preferirem um outro, Deutsche Bank/CGD, ou seja, com o banco do Estado. E o BES era controlado pelo GES, tal como a ESCOM. Ah, e logo por acaso, o BES era (desde 1974) o principal banco financiador do CDS/PP...
Ou seja, face ao que hoje conheço do processo, tenho de voltar a rectificar a minha anterior correção: não foi o MDN que contratou serviços à ESCOM; de facto, foi o GES/ESCOM que tinha o MDN ao seu serviço!
Por que se constituiu assistente neste processo?
- Porque soube, na altura, que a investigação judicial estava parada, a ser obstruída, e não apenas por falta de colaboração alemã.... E quis ajudar, saber o que se passava, fazer o possível para o impedir. Comecei a escrever cartas aos procuradores alemães e procurei ter acesso aos contratos. Por outro lado, estando na Subcomissão de Segurança e Defesa do PE e a trabalhar nas novas directivas sobre contratos de defesa percebia, até pelo que a imprensa portuguesa revelava, que tudo cheirava muito a esturro. Era também o que me faziam chegar fontes diversas, civis e militares. Entretanto rebentara a crise financeira e a Grécia também estava a braços com um colossal caso de corrupção envolvendo submarinos e os mesmos fornecedores alemães... E a Alemanha e outros a chamarem-nos "pigs" perdulários ... Face a tudo isso, entendi ser meu dever, como cidadã e como deputada, fazer o que pudesse para a descoberta da verdade: tanto mais que este é um caso de corrupção a nível europeu, e não apenas português. Deslindá-lo é de óbvio interesse público, nacional e europeu. Mal eu sabia, então, que à conta destes contratos celebrados em 2003/4, Portugal ia ver agravadas as contas públicas em 2010, e como isso havia de contribuir para o opressor resgate financeiro em 2011 e subsequente calamitosa Troika...
Já disse que a investigação “esteve praticamente parada entre 2010 e 2013”. Encontra razões para uma interrupção tão longa?
- Disse publicamente, várias vezes, que a actuação do PGR Pinto Monteiro, empurrando a primeira equipa de investigação para se afastar do processo, não foi, na minha opinião, politicamente inocente. Penso, por outro lado, que não houve vontade política dos sucessivos governos - incluindo do PS, com excepção da acção de Augusto Santos Silva, no MDN, já numa fase muito tardia - para investigar, denunciar ou renegociar os contratos, inclusive tendo em conta os óbvios incumprimentos das contrapartidas. Ou ao nível da Justiça para garantir meios, independência e estímulo aos procuradores para investigarem e agirem.
Paulo Portas nunca foi constituído arguido e só foi ouvido como testemunha na fase final do processo. Porque é que isso a surpreende?
- Surpreende que ele só tenha sido ouvido 10 anos depois da assinatura dos contratos e 9 anos depois de ser iniciada a investigação judicial. Porque ele foi o mais directo responsável político pela negociação destes contratos, pelos seus termos fraudulentos, contra a legalidade e altamente gravosos para o Estado, mesmo se abstraíssemos da corrupção.
Este é, em custos para o Estado, o maior contrato de equipamento de defesa jamais celebrado por Portugal. Não era de carros em terceira mão que se tratava, para Portugal prescindir de recurso a tribunais estaduais em caso de diferendo contencioso. Nem para ilegalmente dispensar o fornecedor de prestar as devidas garantias bancárias (23 milhões de euros - pagámo-las nós, por decisão de Paulo Portas). Nem para acertar preço com Ricardo Salgado à ultima hora, aceitando um esquema de revisão de preços incompreensível e opaco, que enganou o Tribunal de Contas e nos onerou em mais 64 milhões. E para aceitar um esquema de contorno das regras orçamentais europeias engendrado pelos alemães e vendido pelos gregos, a fim de impor o BES no esquema de financiamento ... O papel de Paulo Portas nas negociações, desde o processo de adjudicação até às negociações do contrato e assinatura, tanto do contrato de aquisição, como do contrato das contrapartidas e de financiamento, foi preponderante. Não é o único responsável político - as responsabilidades de Durão Barroso também tem de ser apuradas. Mas é central.
Tem-se falado muito no efeito “Vale e Azevedo”, ou seja, de pessoas que só ficam a contas com a justiça após saírem dos cargos que ocupam. Este pode ser um desses casos?
- Nem sequer isso aconteceu. Paulo Portas saiu do governo em 2005 e continuou a gozar da falta de escrutínio democrático e de total impunidade, a ponto de em 2011 ter voltado ao governo e hoje ser Vice Primeiro Ministro. Aliás, no processo na PGR há elementos que indicam que ele entendeu voltar à AR, depois de sair do governo, exactamente porque sentia que precisava da cobertura da imunidade parlamentar.
A falta de escrutínio pode ser explicada por compadrios, envolvendo gente de outros quadrantes políticos, de meios jornalísticos também e de diversas obediências... Também é para esclarecer isso e apurar outras responsabilidades que é preciso prosseguir esta investigação judicial, como requeri.
Na verdade, os portugueses hoje, depois do que sofreram e estão a sofrer com a crise e a injustiça das políticas fiscais e outras, têm menos tolerância para com a corrupção, o abuso de poder e a irresponsabilidade na gestão pública. Quem exerce cargos públicos tem de ser escrutinado e tem de estar preparado para isso. Se há suspeitas de corrupção ou administração danosa, a prioridade tem de ser investigar para descobrir a verdade, esclarecer os portugueses e punir os responsáveis. É fundamental por cobro à impunidade - e ao sentimento de impunidade - para se combater a corrupção, a par de se investir em transparência e prestação de contas.
Considera que o Ministério Público protegeu titulares de cargos políticos neste processo?
- Poderá haver quem o tenha tentado fazer. Mas penso que, sobretudo, houve receio de retaliações - os magistrados têm carreiras que dependem de informações de superiores. E depois não é possível escamotear que há obediências a redes de influência subterrâneas. É preciso muita independência, muita determinação e muita coragem, e não apenas ao nível dos magistrados menos graduados. É preciso muita coragem pessoal e muita clarividência política a todos os níveis e sobretudo no topo: das magistraturas e dos governantes. A condução deste processo mostra que não houve, apesar dos notáveis esforços de muita gente que se empenhou nele. Porque é que o MP investigou e discorre no seu despacho sobre o crime de corrupção activa - quem corrompeu - e não se pronuncia sobre o crime de corrupção passiva - quem foram os corrompidos? Pode não ter sido só questão de prioridades numa estratégia investigativa já pressionada pelo cutelo da possível prescrição...
Só à terceira uma equipa de procuradores conclui a investigação. Acha que afastamentos podem ter outras explicações além das que já são do conhecimento público?
- Como já referi, a sucessiva mudança de equipas, num processo gigantesco e de enorme complexidade, foi altamente prejudicial para a investigação, atrasando-a e obstruíndo-a. A pressão sobre as procuradoras iniciais, que conduziu ao seu afastamento do processo, na minha opinião, não foi politicamente inocente. E foi à terceira equipa que se concluiu a investigação, não porque ela estivesse completa e não apontasse para graves crimes de corrupção, prevaricação de titular de cargo público, de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. Não porque não se apurassem crimes, mas porque se invocou a prescrição do procedimento criminal para a dar por encerrada. Foi como se durante uns anos de pousio na PGR se "trabalhasse", justamente, para ...a prescrição!
Se os crimes já prescreveram em que baseia o seu pedido de reabertura do processo?
- Como pode ser deduzido pela leitura dos fundamentos para a abertura da instrução, um documento que tornei público e que resume o requerimento que apresentei ao juíz, contesto que tenha havido já prescrição de eventuais crimes de prevaricação, de corrupção e de fraude fiscal. Mas também afirmo e defendo que, mesmo que assim se entenda, os crimes de branqueamento de capitais associados àqueles crimes, definitivamente, não prescreveram. Por isso a investigação deve prosseguir.
Em algum momento fez sentido ter-se comprado aqueles submarinos?
- A decisão política de comprar submarinos, naquela altura, é uma decisão política, contestável, mas inequivocamente legítima - a Marinha defendia que eram precisos no mínimo 3, para assegurar as responsabilidades na nossa área marítima, compram-se só 2 porque não havia dinheiro (houve, para carregar na factura dos contribuintes e pagar fabulosas comissões ao universo GES).
Mas é uma decisão política diferente da decisão de comprar aqueles submarinos ao consórcio alemão, nas condições em que essa compra foi adjudicada e posteriormente negociada.
Não questiono que Portugal precisasse dos submarinos, embora não fosse equipamento prioritário no quadro das nossas obrigações NATO e UE. E sei hoje que são úteis, necessários até, embora continuem a custar demasiado ao contribuinte, incluindo na manutenção. Mas queria sobretudo que o Governo que os comprou tivesse sabido defender o interesse do Estado português nessa compra, o que não foi feito, de forma escandalosa.
Que responsabilidades políticas considera que devem ser tiradas desse negócio?
- É um contrato ruinoso para o Estado português e que ainda nos custa muito caro. No final de 2010, o governo Sócrates teve de fazer uma alteração orçamental para pagar o montante de 1.000.971.869 EUR, devido à recepção provisória (apesar de ter sido excedido o prazo previsto para a mesma) do segundo submarino entregue à Marinha, em resultado do pagamento diferido decidido pelo Ministro de Estado e da Defesa Paulo Portas, ratificada pelo Conselho de Ministros presidido pelo PM Santana Lopes. Uma decisão política que teve pesadas implicações e consequências, pois concorreu para o agravamento do défice orçamental em 2010 e a perda de soberania do país, forçado a recorrer a resgate financeiro internacional em 2011.
Além dos avultados danos ao interesse nacional - resultantes do incumprimento e sobreavaliação de contrapartidas (o caso do estaleiro da Flenders fornecido aos ENVC é apenas um exemplo), da revisão e actualização de preços (63.5 milhões EUR), dos custos da garantia bancária que o adjudicatário devia ter pago e o Estado pagou (23 milhões EUR), da desgraduação dos submarinos (19,2 milhões EUR), de desistência de equipamento e sobressalentes e do pagamento diferido que onerou o défice publico brutalmente em 2010 - num pagamento superior a mil milhões de euros ao consórcio bancário financiador.
Acresce que hoje conhecemos já alguns indivíduos que beneficiaram escandalosamente com os contratos: incluindo, um Cônsul Honorário de Portugal em Munique que o MNE Durão Barroso nomeou e mal chegou a Primeiro Ministro, em 2002, indicou aos concorrentes alemães como interlocutor no negócio da aquisição dos submarinos; e os administradores da ESCOM e do Conselho Superior do GES, que empocharam 30 milhões à nossa conta e que legalizaram, pagando ridículos impostos através dos famigerados RERTs, apesar de os terem canalizados através de offshores expressamente para ludibriar as autoridades tributárias.
Quem deve ser politicamente responsabilizado?
- Paulo Portas e Durão Barroso que adjudicaram o contrato ao consórcio alemão em 2003, depois de mais de um ano de análise das propostas dos dois concorrentes na altura, e negociaram os contratos com esse consórcio, tendo igualmente assinado os contratos, incluindo o do ruinoso financiamento e o das contrapartidas fraudulentas e fictícias. Os principais responsáveis políticos são eles.
Alguma vez pediu para consultar o processo da Alemanha e o da Grécia?
- Pedi para consultar o processo da Alemanha, o que me foi negado, pois mesmo as sentenças na Alemanha não são públicas. Consegui, depois, a acusação e a sentença por via informal e vim a encontrá-las no processo judicial. Apesar de tudo, contêm elementos importantes que o MP não investigou.
Admite que este caso possa acabar sem que nunca venha a haver um julgamento?
- Não quero admitir. Seria significativamente destrutivo para a Justiça e para a democracia em Portugal. Mas mesmo que isso aconteça, a minha investigação prossegue. O mais importante é que a verdade seja descoberta e exposta. Seja quando for.
Tem um ódio pessoal a Paulo Portas, como refere Isabel Moreira?
- Que disparate! Devo ter tido 3 ou 4 trocas de cumprimentos rápidos, de circunstância, com Paulo Portas, quando eu era embaixadora em Jacarta. E só tive, que me lembre, uma reunião com ele, já como Vice Primeiro Ministro, em Janeiro do ano passado, integrada numa delegação do PE que veio avaliar a Troika. Fui muito amiga do seu irmão Miguel, sou muito amiga de tios seus, tenho a maior admiração pelo seu Pai. Nunca tive a menor querela pessoal com ele. E tenho muito bom relacionamento e muita consideração por muita gente do CDS/PP.
Por que se constituiu assistente neste processo?
- Porque soube, na altura, que a investigação judicial estava parada, a ser obstruída, e não apenas por falta de colaboração alemã.... E quis ajudar, saber o que se passava, fazer o possível para o impedir. Comecei a escrever cartas aos procuradores alemães e procurei ter acesso aos contratos. Por outro lado, estando na Subcomissão de Segurança e Defesa do PE e a trabalhar nas novas directivas sobre contratos de defesa percebia, até pelo que a imprensa portuguesa revelava, que tudo cheirava muito a esturro. Era também o que me faziam chegar fontes diversas, civis e militares. Entretanto rebentara a crise financeira e a Grécia também estava a braços com um colossal caso de corrupção envolvendo submarinos e os mesmos fornecedores alemães... E a Alemanha e outros a chamarem-nos "pigs" perdulários ... Face a tudo isso, entendi ser meu dever, como cidadã e como deputada, fazer o que pudesse para a descoberta da verdade: tanto mais que este é um caso de corrupção a nível europeu, e não apenas português. Deslindá-lo é de óbvio interesse público, nacional e europeu. Mal eu sabia, então, que à conta destes contratos celebrados em 2003/4, Portugal ia ver agravadas as contas públicas em 2010, e como isso havia de contribuir para o opressor resgate financeiro em 2011 e subsequente calamitosa Troika...
Já disse que a investigação “esteve praticamente parada entre 2010 e 2013”. Encontra razões para uma interrupção tão longa?
- Disse publicamente, várias vezes, que a actuação do PGR Pinto Monteiro, empurrando a primeira equipa de investigação para se afastar do processo, não foi, na minha opinião, politicamente inocente. Penso, por outro lado, que não houve vontade política dos sucessivos governos - incluindo do PS, com excepção da acção de Augusto Santos Silva, no MDN, já numa fase muito tardia - para investigar, denunciar ou renegociar os contratos, inclusive tendo em conta os óbvios incumprimentos das contrapartidas. Ou ao nível da Justiça para garantir meios, independência e estímulo aos procuradores para investigarem e agirem.
Paulo Portas nunca foi constituído arguido e só foi ouvido como testemunha na fase final do processo. Porque é que isso a surpreende?
- Surpreende que ele só tenha sido ouvido 10 anos depois da assinatura dos contratos e 9 anos depois de ser iniciada a investigação judicial. Porque ele foi o mais directo responsável político pela negociação destes contratos, pelos seus termos fraudulentos, contra a legalidade e altamente gravosos para o Estado, mesmo se abstraíssemos da corrupção.
Este é, em custos para o Estado, o maior contrato de equipamento de defesa jamais celebrado por Portugal. Não era de carros em terceira mão que se tratava, para Portugal prescindir de recurso a tribunais estaduais em caso de diferendo contencioso. Nem para ilegalmente dispensar o fornecedor de prestar as devidas garantias bancárias (23 milhões de euros - pagámo-las nós, por decisão de Paulo Portas). Nem para acertar preço com Ricardo Salgado à ultima hora, aceitando um esquema de revisão de preços incompreensível e opaco, que enganou o Tribunal de Contas e nos onerou em mais 64 milhões. E para aceitar um esquema de contorno das regras orçamentais europeias engendrado pelos alemães e vendido pelos gregos, a fim de impor o BES no esquema de financiamento ... O papel de Paulo Portas nas negociações, desde o processo de adjudicação até às negociações do contrato e assinatura, tanto do contrato de aquisição, como do contrato das contrapartidas e de financiamento, foi preponderante. Não é o único responsável político - as responsabilidades de Durão Barroso também tem de ser apuradas. Mas é central.
Tem-se falado muito no efeito “Vale e Azevedo”, ou seja, de pessoas que só ficam a contas com a justiça após saírem dos cargos que ocupam. Este pode ser um desses casos?
- Nem sequer isso aconteceu. Paulo Portas saiu do governo em 2005 e continuou a gozar da falta de escrutínio democrático e de total impunidade, a ponto de em 2011 ter voltado ao governo e hoje ser Vice Primeiro Ministro. Aliás, no processo na PGR há elementos que indicam que ele entendeu voltar à AR, depois de sair do governo, exactamente porque sentia que precisava da cobertura da imunidade parlamentar.
A falta de escrutínio pode ser explicada por compadrios, envolvendo gente de outros quadrantes políticos, de meios jornalísticos também e de diversas obediências... Também é para esclarecer isso e apurar outras responsabilidades que é preciso prosseguir esta investigação judicial, como requeri.
Na verdade, os portugueses hoje, depois do que sofreram e estão a sofrer com a crise e a injustiça das políticas fiscais e outras, têm menos tolerância para com a corrupção, o abuso de poder e a irresponsabilidade na gestão pública. Quem exerce cargos públicos tem de ser escrutinado e tem de estar preparado para isso. Se há suspeitas de corrupção ou administração danosa, a prioridade tem de ser investigar para descobrir a verdade, esclarecer os portugueses e punir os responsáveis. É fundamental por cobro à impunidade - e ao sentimento de impunidade - para se combater a corrupção, a par de se investir em transparência e prestação de contas.
Considera que o Ministério Público protegeu titulares de cargos políticos neste processo?
- Poderá haver quem o tenha tentado fazer. Mas penso que, sobretudo, houve receio de retaliações - os magistrados têm carreiras que dependem de informações de superiores. E depois não é possível escamotear que há obediências a redes de influência subterrâneas. É preciso muita independência, muita determinação e muita coragem, e não apenas ao nível dos magistrados menos graduados. É preciso muita coragem pessoal e muita clarividência política a todos os níveis e sobretudo no topo: das magistraturas e dos governantes. A condução deste processo mostra que não houve, apesar dos notáveis esforços de muita gente que se empenhou nele. Porque é que o MP investigou e discorre no seu despacho sobre o crime de corrupção activa - quem corrompeu - e não se pronuncia sobre o crime de corrupção passiva - quem foram os corrompidos? Pode não ter sido só questão de prioridades numa estratégia investigativa já pressionada pelo cutelo da possível prescrição...
Só à terceira uma equipa de procuradores conclui a investigação. Acha que afastamentos podem ter outras explicações além das que já são do conhecimento público?
- Como já referi, a sucessiva mudança de equipas, num processo gigantesco e de enorme complexidade, foi altamente prejudicial para a investigação, atrasando-a e obstruíndo-a. A pressão sobre as procuradoras iniciais, que conduziu ao seu afastamento do processo, na minha opinião, não foi politicamente inocente. E foi à terceira equipa que se concluiu a investigação, não porque ela estivesse completa e não apontasse para graves crimes de corrupção, prevaricação de titular de cargo público, de fraude fiscal qualificada e de branqueamento de capitais. Não porque não se apurassem crimes, mas porque se invocou a prescrição do procedimento criminal para a dar por encerrada. Foi como se durante uns anos de pousio na PGR se "trabalhasse", justamente, para ...a prescrição!
Se os crimes já prescreveram em que baseia o seu pedido de reabertura do processo?
- Como pode ser deduzido pela leitura dos fundamentos para a abertura da instrução, um documento que tornei público e que resume o requerimento que apresentei ao juíz, contesto que tenha havido já prescrição de eventuais crimes de prevaricação, de corrupção e de fraude fiscal. Mas também afirmo e defendo que, mesmo que assim se entenda, os crimes de branqueamento de capitais associados àqueles crimes, definitivamente, não prescreveram. Por isso a investigação deve prosseguir.
Em algum momento fez sentido ter-se comprado aqueles submarinos?
- A decisão política de comprar submarinos, naquela altura, é uma decisão política, contestável, mas inequivocamente legítima - a Marinha defendia que eram precisos no mínimo 3, para assegurar as responsabilidades na nossa área marítima, compram-se só 2 porque não havia dinheiro (houve, para carregar na factura dos contribuintes e pagar fabulosas comissões ao universo GES).
Mas é uma decisão política diferente da decisão de comprar aqueles submarinos ao consórcio alemão, nas condições em que essa compra foi adjudicada e posteriormente negociada.
Não questiono que Portugal precisasse dos submarinos, embora não fosse equipamento prioritário no quadro das nossas obrigações NATO e UE. E sei hoje que são úteis, necessários até, embora continuem a custar demasiado ao contribuinte, incluindo na manutenção. Mas queria sobretudo que o Governo que os comprou tivesse sabido defender o interesse do Estado português nessa compra, o que não foi feito, de forma escandalosa.
Que responsabilidades políticas considera que devem ser tiradas desse negócio?
- É um contrato ruinoso para o Estado português e que ainda nos custa muito caro. No final de 2010, o governo Sócrates teve de fazer uma alteração orçamental para pagar o montante de 1.000.971.869 EUR, devido à recepção provisória (apesar de ter sido excedido o prazo previsto para a mesma) do segundo submarino entregue à Marinha, em resultado do pagamento diferido decidido pelo Ministro de Estado e da Defesa Paulo Portas, ratificada pelo Conselho de Ministros presidido pelo PM Santana Lopes. Uma decisão política que teve pesadas implicações e consequências, pois concorreu para o agravamento do défice orçamental em 2010 e a perda de soberania do país, forçado a recorrer a resgate financeiro internacional em 2011.
Além dos avultados danos ao interesse nacional - resultantes do incumprimento e sobreavaliação de contrapartidas (o caso do estaleiro da Flenders fornecido aos ENVC é apenas um exemplo), da revisão e actualização de preços (63.5 milhões EUR), dos custos da garantia bancária que o adjudicatário devia ter pago e o Estado pagou (23 milhões EUR), da desgraduação dos submarinos (19,2 milhões EUR), de desistência de equipamento e sobressalentes e do pagamento diferido que onerou o défice publico brutalmente em 2010 - num pagamento superior a mil milhões de euros ao consórcio bancário financiador.
Acresce que hoje conhecemos já alguns indivíduos que beneficiaram escandalosamente com os contratos: incluindo, um Cônsul Honorário de Portugal em Munique que o MNE Durão Barroso nomeou e mal chegou a Primeiro Ministro, em 2002, indicou aos concorrentes alemães como interlocutor no negócio da aquisição dos submarinos; e os administradores da ESCOM e do Conselho Superior do GES, que empocharam 30 milhões à nossa conta e que legalizaram, pagando ridículos impostos através dos famigerados RERTs, apesar de os terem canalizados através de offshores expressamente para ludibriar as autoridades tributárias.
Quem deve ser politicamente responsabilizado?
- Paulo Portas e Durão Barroso que adjudicaram o contrato ao consórcio alemão em 2003, depois de mais de um ano de análise das propostas dos dois concorrentes na altura, e negociaram os contratos com esse consórcio, tendo igualmente assinado os contratos, incluindo o do ruinoso financiamento e o das contrapartidas fraudulentas e fictícias. Os principais responsáveis políticos são eles.
Alguma vez pediu para consultar o processo da Alemanha e o da Grécia?
- Pedi para consultar o processo da Alemanha, o que me foi negado, pois mesmo as sentenças na Alemanha não são públicas. Consegui, depois, a acusação e a sentença por via informal e vim a encontrá-las no processo judicial. Apesar de tudo, contêm elementos importantes que o MP não investigou.
Admite que este caso possa acabar sem que nunca venha a haver um julgamento?
- Não quero admitir. Seria significativamente destrutivo para a Justiça e para a democracia em Portugal. Mas mesmo que isso aconteça, a minha investigação prossegue. O mais importante é que a verdade seja descoberta e exposta. Seja quando for.
Tem um ódio pessoal a Paulo Portas, como refere Isabel Moreira?
- Que disparate! Devo ter tido 3 ou 4 trocas de cumprimentos rápidos, de circunstância, com Paulo Portas, quando eu era embaixadora em Jacarta. E só tive, que me lembre, uma reunião com ele, já como Vice Primeiro Ministro, em Janeiro do ano passado, integrada numa delegação do PE que veio avaliar a Troika. Fui muito amiga do seu irmão Miguel, sou muito amiga de tios seus, tenho a maior admiração pelo seu Pai. Nunca tive a menor querela pessoal com ele. E tenho muito bom relacionamento e muita consideração por muita gente do CDS/PP.
Faço, sim, um juízo muito negativo da actuação de Paulo Portas como político e da sua idoneidade pessoal para desempenhar funções governamentais ou públicas, como aliás disse quando ele voltou ao Governo. Pelo que apurei neste processo e por outros comportamentos de que deu prova no seu percurso jornalístico e político. Ele é sem dúvida superiormente inteligente, mas também perversamente inteligente, sem escrúpulos, sem princípios. O meu combate contra ele é político - eu quero integridade na política e nos políticos. Nada tem de pessoal. Ele nunca me fez mal nenhum. Fez e faz mal, sim, a Portugal.
Esperava este posicionamento por parte de uma deputada do seu partido?
- No meu partido, como em tudo na vida, há gente para tudo.
A direcção do PS devia intervir?
- Para quê? Posso bem com ataques de certos quadrantes. Aliás, só me reforçam na convicção de que estou a fazer o que é preciso...De resto, palavras de encorajamento de gente que muito prezo não me têm faltado.
Sente falta de apoio do secretário-geral, António Costa?
- Qual quê?! O que importa é que ele não sinta falta de apoio meu - mesmo quando sou crítica, sou leal e procuro ser construtiva.
Esperava este posicionamento por parte de uma deputada do seu partido?
- No meu partido, como em tudo na vida, há gente para tudo.
A direcção do PS devia intervir?
- Para quê? Posso bem com ataques de certos quadrantes. Aliás, só me reforçam na convicção de que estou a fazer o que é preciso...De resto, palavras de encorajamento de gente que muito prezo não me têm faltado.
Sente falta de apoio do secretário-geral, António Costa?
- Qual quê?! O que importa é que ele não sinta falta de apoio meu - mesmo quando sou crítica, sou leal e procuro ser construtiva.