24 de fevereiro de 2015
Robins dos Bosques ao contrário
Por Ana Gomes
O Governo prossegue o assalto fiscal às classes médias, enquanto perdoa grandes evasores fiscais. Agora finge ter ficado surpreendido com os "Swissleaks". Mas nunca agiu contra evasores fiscais no Liechenstein e na Suíça.
Comecei a pedi-lo ainda ao Governo Sócrates. Em 2011 solicitei publicação da lista de portugueses com contas no Liechtenstein que, em 2008, fora anunciado ter sido requerida às autoridades alemãs. Nunca tive reacção, embora o Ministro Teixeira dos Santos me tivesse dito que a recebera.
Também nunca consegui resposta de Vitor Gaspar, que interpelei por carta em Junho de 2011. Já em 2014 escrevi a esta Ministra das Finanças, questionando-a também sobre a lista Lagarde - a do HSBC que está a ser revelada pelos "Swissleaks" e que as autoridades francesas enviaram a outros governos em 2010. A Ministra não pode alegar que não sabia: quando veio ao PE em Dezembro de 2014, frisei-lhe continuar à espera de respostas sobre as listas Suíça e Liechtenstein.
Por isso, é preciso topete para a Autoridade Tributária (AT) só agora pedir a lista do HSBC. Como responde o Governo por este “atraso”, que só aproveita à prescrição dos crimes fiscais e à impunidade dos criminosos? Que fez o Governo com a lista do Liechtenstein? E recebeu ou não antes a lista da Suíça? Se sim, o que fez dela? Se não, porque não a pediu antes ?
A inércia trai o Governo: reduziu o défice orçamental à custa do "brutal aumento de impostos" sobre quem os paga, mas protegeu os privilegiados com contas no estrangeiro para fugir a a pagá-los.
De facto, Passos Coelho e Portas não só mantiveram os RERTs (regimes excepcionais de regularização fiscais) que herdaram, como os refinaram na perfídia política e na perversidade económica: aumentaram a taxa cobrada de 5% (RERTS I e II, 2005 e 2010) para 7,5% (RERT III, 2012) - um colosso de iniquidade, já que a contribuintes cumpridores se impuseram taxas muito superiores; e nem sequer foi retida a obrigatoriedade da repatriação dos capitais, exigida nos RERTs anteriores.
Ou seja: aos contribuintes do escalão máximo que pagaram impostos a tempo e horas o Governo aplicou taxas de IRS de mais de 50% em anos seguintes; a Ricardo Salgado e quejandos "esquecidos" de declarar milhões em contas pessoais na Suíça ou nas Ilhas Virgens, adoçou-lhes a conta, tributando apenas 7,5% e oferecendo bónus adicionais: poderem manter os capitais no exterior, sem perguntas sobre a eventual origem ilícita e com crimes fiscais e outros amnistiados. Querem mais eficaz e mais barato esquema para branquear capitais do que o engendrado pelo Governo Passos Coelho/Portas, ainda por cima abençoado pela cega e surda Troika?
Recordo que via RERT III, de 2012, o Governo arrecadou apenas para os cofres do Estado a pífia quantia de 258 milhões de euros sobre 3.5 mil milhões legalizados! Grande parte parqueados na Suíça e apressadamente declarados, não fossem ser expostos na investigação judicial "Monte Branco"! Quanto mais teria reavido o erário público se, em vez de perdoar e proteger evasores fiscais, o Governo multasse pesadamente ou ordenasse o confisco dos activos não declarados pelos clientes identificados em listas como a do HSBC? Quando teria podido descer em impostos sobre reformados e classes médias? E quanto teria podido canalizar para saúde, educação e contra a pobreza?
O que foi perdoado aos evasores fiscais acaba pago com língua de palmo pelos cidadãos cumpridores. A injustiça fiscal agrava-se com o fingimento sobre os SwissLeaks. Por isso, para além da autocrítica que ainda não fez pelos RERTs I e II, também importa que o PS confronte o Governo com a iniquidade e perversidade do sistema fiscal e apresente propostas para as combater.
É intolerável que se use o fisco para roubar pobres e remediados e dar a enriquecidos sabe-se lá como. Basta de Robins dos Bosques ao contrário.
(Artigo publicado no Jornal EXPRESSO em 21 de Fevereiro de 2015)
O Governo prossegue o assalto fiscal às classes médias, enquanto perdoa grandes evasores fiscais. Agora finge ter ficado surpreendido com os "Swissleaks". Mas nunca agiu contra evasores fiscais no Liechenstein e na Suíça.
Comecei a pedi-lo ainda ao Governo Sócrates. Em 2011 solicitei publicação da lista de portugueses com contas no Liechtenstein que, em 2008, fora anunciado ter sido requerida às autoridades alemãs. Nunca tive reacção, embora o Ministro Teixeira dos Santos me tivesse dito que a recebera.
Também nunca consegui resposta de Vitor Gaspar, que interpelei por carta em Junho de 2011. Já em 2014 escrevi a esta Ministra das Finanças, questionando-a também sobre a lista Lagarde - a do HSBC que está a ser revelada pelos "Swissleaks" e que as autoridades francesas enviaram a outros governos em 2010. A Ministra não pode alegar que não sabia: quando veio ao PE em Dezembro de 2014, frisei-lhe continuar à espera de respostas sobre as listas Suíça e Liechtenstein.
Por isso, é preciso topete para a Autoridade Tributária (AT) só agora pedir a lista do HSBC. Como responde o Governo por este “atraso”, que só aproveita à prescrição dos crimes fiscais e à impunidade dos criminosos? Que fez o Governo com a lista do Liechtenstein? E recebeu ou não antes a lista da Suíça? Se sim, o que fez dela? Se não, porque não a pediu antes ?
A inércia trai o Governo: reduziu o défice orçamental à custa do "brutal aumento de impostos" sobre quem os paga, mas protegeu os privilegiados com contas no estrangeiro para fugir a a pagá-los.
De facto, Passos Coelho e Portas não só mantiveram os RERTs (regimes excepcionais de regularização fiscais) que herdaram, como os refinaram na perfídia política e na perversidade económica: aumentaram a taxa cobrada de 5% (RERTS I e II, 2005 e 2010) para 7,5% (RERT III, 2012) - um colosso de iniquidade, já que a contribuintes cumpridores se impuseram taxas muito superiores; e nem sequer foi retida a obrigatoriedade da repatriação dos capitais, exigida nos RERTs anteriores.
Ou seja: aos contribuintes do escalão máximo que pagaram impostos a tempo e horas o Governo aplicou taxas de IRS de mais de 50% em anos seguintes; a Ricardo Salgado e quejandos "esquecidos" de declarar milhões em contas pessoais na Suíça ou nas Ilhas Virgens, adoçou-lhes a conta, tributando apenas 7,5% e oferecendo bónus adicionais: poderem manter os capitais no exterior, sem perguntas sobre a eventual origem ilícita e com crimes fiscais e outros amnistiados. Querem mais eficaz e mais barato esquema para branquear capitais do que o engendrado pelo Governo Passos Coelho/Portas, ainda por cima abençoado pela cega e surda Troika?
Recordo que via RERT III, de 2012, o Governo arrecadou apenas para os cofres do Estado a pífia quantia de 258 milhões de euros sobre 3.5 mil milhões legalizados! Grande parte parqueados na Suíça e apressadamente declarados, não fossem ser expostos na investigação judicial "Monte Branco"! Quanto mais teria reavido o erário público se, em vez de perdoar e proteger evasores fiscais, o Governo multasse pesadamente ou ordenasse o confisco dos activos não declarados pelos clientes identificados em listas como a do HSBC? Quando teria podido descer em impostos sobre reformados e classes médias? E quanto teria podido canalizar para saúde, educação e contra a pobreza?
O que foi perdoado aos evasores fiscais acaba pago com língua de palmo pelos cidadãos cumpridores. A injustiça fiscal agrava-se com o fingimento sobre os SwissLeaks. Por isso, para além da autocrítica que ainda não fez pelos RERTs I e II, também importa que o PS confronte o Governo com a iniquidade e perversidade do sistema fiscal e apresente propostas para as combater.
É intolerável que se use o fisco para roubar pobres e remediados e dar a enriquecidos sabe-se lá como. Basta de Robins dos Bosques ao contrário.
(Artigo publicado no Jornal EXPRESSO em 21 de Fevereiro de 2015)