10 de março de 2015
Basta, Senhor Presidente!
Por Ana Gomes
As críticas que varias vezes fiz ao Presidente Cavaco Silva - por causa do BPN e do BES, da prestação europeia, da inventona das escutas a Belém, etc.. - nunca resultaram também de uma leitura minimalista dos poderes presidenciais: não apouco, nem quero reduzir o papel do Presidente - deste ou de qualquer outro.
Aprendi, por experiência vivida ao longo mais de 35 anos de serviço público e na arena política, que a gestão da palavra, da atitude ou do silêncio dos Presidentes bem pode, por vezes, aproveitar ao equilibrio democrático na República e ser essencial para uma arbitragem de ultima instância em crises com que o país se confronte.
Vi essa arbitragem com esse grande Presidente que foi o General Ramalho Eanes, com quem tive o privilégio de servir directamente em Belém; com o Presidente Mário Soares, cuja extraordinária e proveitosa dimensão politica internacional sempre admirei. E pelo exemplo de cidadão do mundo e ínsigne democrata que sempre foi o Presidente Jorge Sampaio, de quem fui e sou amiga, mesmo quando em certo momento o critiquei com alacridade. A todos reconheci e reconheço as qualidades e o perfil moral, cívico, cultural e político que densificaram a capacidade reguladora e moderadora do Presidente da Republica no nosso regime constitucional.
Foi exactamente por não reconhecer tais qualidade e perfil ao Prof. Cavaco Silva que nele não votei. Mas sempre procurei não me esquecer do respeito institucional que ele merecia, enquanto supremo representante de todos os portugueses. Coibi-me assim, muitas vezes, de o criticar mais asperamente, sobretudo diante de comportamentos no exterior que muito me penalizaram: por exemplo, quando deixou sem reação adequada um presidente checo que se permitiu, na sua presença, desdenhar da nação portuguesa.
Podia aqui gastar esta e mais crónicas a desmontar a efabulação que o Presidente Cavaco Silva dá à estampa no último dos seus "Roteiros": a de que contribuiu decisivamente para a afirmação da política externa portuguesa durante os seus mandatos presidenciais. Mas não vale a pena recordar tristes episódios nas relações com Angola ou a entrada da ditadura Obiang na CPLP: bastará dizer que o Presidente não fez mais pela política externa porque nos últimos dez anos Portugal realmente não teve política externa, desinvestiu em capacidades de promoção dos seus interesses geo-políticos e económicos, incluindo as básicas de defesa e de segurança, e nem sequer política europeia teve: apurou-se quando muito na diplomacia costeira sob bússola barrosã, especializada em estranhos negócios de estrangeiros, das privatizações aos vistos dourados...
Há, todavia, limites para tudo. E as mais recentes intervenções públicas do Presidente Cavaco Silva suscitam-nos. Quer por tomar parte manhosa, mais uma vez respaldando o Primeiro Ministro em vez de o instar a assumir responsabilidades cívicas e políticas, procurando reduzir as exigências legítimas da oposição e do país indignado a mera controvérsia politico-partidária. Quer, por outro lado, a inaceitável tentativa de definir, com interesseiros propósitos de politica intra- e extra-partidária, o perfil do seu sucessor.
Ambos os pronunciamentos levam-me a ter de dizer: Basta, Senhor Presidente! Poupe-nos e poupe-se! Reconduza-se, no já curto tempo de magistério que lhe resta, à máxima que um dia nos enunciou de que o "silêncio de um PR é de ouro".
(Transcrição da minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA UM)
(Transcrição da minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA UM)