21 de abril de 2015
A UE face à tragédia no Mediterrâneo
Por Ana Gomes
Na semana passada perderam a vida no Mediterrâneo mais de mil pessoas. Ontem morreram mais 800. Ontem e cada dia mais, nesta primavera, naufragam mais barcaças apinhadas de gente ao largo da Itália, de Malta e da ilha grega de Rodes, vindas das costas líbias. Desde o início do ano, chegaram à Europa mais de 35 mil pessoas, despachadas por traficantes que controlam redes criminosas no Médio Oriente e Norte de África e que se aproveitam do drama humano vivido por quem foge da guerra na Síria, no Iraque, na Somália, da opressão e miséria em Gaza, na Etiópia, na Eritreia, no Sudão, do terrorismo na Nigéria e na própria Libia, etc...
Uma grande parte são refugiados: fogem para salvar a vida. Outros são migrantes económicos, emigram para fugir à miséria e melhorar as condições de vida, movidos pela necessidade - tal como a que força portugueses a partir de Portugal pelo desemprego. É revoltante, é desumano que a Europa lhes volte as costas e os deixe morrer no Mediterrâneo ou penar horrores apinhados em centros de detenção nas fronteiras terrestres da Grécia e da Bulgária.
A União Europeia sabe o que tem a fazer para parar a tragédia, mas continua dividida, sem solidariedade, sem liderança capaz: as operações "Mare Nostrum" e "Tritão" para salvar vidas no mar são apenas financeiramente apoiadas em pequena parte pela UE e são, de facto, operações lançadas pela Itália, em desespero.
Vergados a teses demagógicas e populistas assentes na ilusão de uma Europa fortaleza, os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia acabam por fazer o jogo de redes criminosas e terroristas, alimentando-lhes o negócio da traficância humana: podiam retirar-lhes a base, o lucro, se abrissem vias legais para a migração. É o que há muito recomenda o Parlamento Europeu, pedindo uma Política Comum de Imigração - que, de resto, servirá os interesses da própria Europa, bem necessitada da contribuição rejuvenecedora dos migrantes.
O PE há muito que recomenda também uma Política Comum de Asilo, como pede o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), para se distribuír o acolhimento de refugiados equitativamente: no ano passado a Suécia, como uma população idêntica à de Portugal, acolheu 81.000 refugiados. E nós apenas 130, incluindo os jovens estudantes sírios trazidos pela ação humanitária do Presidente Jorge Sampaio. Compare-se em solidariedade o pequeno Líbano, que com uma população de apenas 4.5 milhões acolhe hoje 1.2 milhões de refugiados sírios!
A UE podia e devia há muito ter uma acção coordenada, articulando as Marinhas, Guardas Costeiras e outras agências numa operação da Política Comum de Segurança e Defesa para salvar vidas no Mediterrâneo e apanhar e julgar os traficantes: mas a agência europeia Frontex não tem sequer mandato, nem recursos humanos e materiais para ir atrás dos traficantes, que se sabe terem relação com mafias que operam em Itália e no resto da Europa. A UE tem uma missão de combate à pirataria que apanha e leva a julgamento piratas longe, no Oceano Indico, mas não faz nada contra os traficantes de seres humanos junto das suas próprias costas, no Mar Mediterrâneo...
Os líderes europeus sabem perfeitamente que as vagas de imigrantes e refugiados estão relacionadas com o crescendo do terrorismo, de conflitos, guerras, opressão e miséria, por sua vez fomentados pela má governação que políticas europeias sustentam, por acção e omissão. Por exemplo, por acção, na Etiópia, onde políticas de desenvolvimento europeias sustentam uma ditadura; por omissão, em Gaza, onde a Europa se mostra desinteressada de reactivar o Processo de Paz Israelo-Palestino; ou na Líbia, pela inacção - ou seja, não por causa do que fizeram os europeus que participaram na campanha da NATO contra Khadaffi, mas pelo que NÃO fizeram depois, quando os governos post Khadaffi pediram apoio europeu para ajudar a desarmar e desmantelar as milícias e a reformar o sector da segurança. Por omissão, por falta de coordenação europeia, a UE ajudou a entregar a Líbia ao caos e aos terroristas!
Na quinta-feira, reúnem em Bruxelas, de emergência, os Chefes de Estado e de Governo dos 28. É imperativo que a União accione uma missão no quadro da Política Comum de Segurança e Defesa direccionada para a busca e salvamento no Mediterrâneo e para combater as redes criminosas de tráfico de seres humanos que possibilitam a travessia ilegal. É preciso que essa operação europeia congregue esforços das Marinhas e das Guardas Costeiras de países europeus, articulados com os das agências FRONTEX, MARSUR e a EUROPOL. É preciso que o problema seja encarado como problema europeu, que respeita a todos e exige resposta solidária, em vez de ser deixado a gerir exclusivamente pelos Estados Membros da UE que, por causa da geografia, estão mais expostos, como Itália, Malta, Grécia.
No seu conjunto, a União tem condições, não faltam navios, Marinhas, polícias, guardas costeiras, etc… o que falta é mobilização e coordenação estratégica destes instrumentos: falta-nos Europa, num problema que nenhum Estado Membro sozinho pode resolver. Precisamos de mais Europa. E precisamos de liderança europeia.
Em especial para aqueles governantes europeus que enchem a boca de segurança e cristianismo, sugiro que iniciem o Conselho Europeu de emergência começando por ouvir e inspirar-se no que disse o Papa Francisco no Parlamento Europeu, há uns meses, quanto sublinhou as responsabilidades da União Europeia nesta tragédia a desenrolar-se diante dos nossos olhos, para nossa vergonha colectiva.
(Notas para a minha crónica de hoje, no Conselho Superior, ANTENA 1)