28 de abril de 2015
Conselho Europeu: nem sequer a face da Europa salva...
Por Ana Gomes
Os Chefes de Estado e de governo da União Europeia que se reuniram em Bruxelas na semana passada, de emergência, deram uma resposta curta, insuficente e decepcionante para impedir que o Mar Mediterrâneo continue a tornar-se num monumental cemitério.
Os líderes europeus não conseguiram sequer salvar a face, a deles e a da Europa a que pertencemos.
O mínimo que se poderia esperar era que accionassem uma verdadeira operação de busca e salvamento, coordenada pela União Europeia, no quadro da Política Comum de Segurança e Defesa, mobilizando as marinhas nacionais, as guardas costeiras, as forças aéreas que existem sob controlo dos Estados Membros. Mas não! O que aprovaram foi triplicar o financiamento para a já existente Operação TRITON, sem sequer conseguir acordo para o alargamento do perímetro dessa operação para além das águas territoriais italianas.
Isto quer dizer que novos refugiados, a fugir da guerra na Síria, Somália, no Iémen, da opressão na Etiópia, Eritreia, no Sudão, em Gaza, do terrorismo na Nigéria e na Líbia, vão continuar a morrer perante a inacção dos governos europeus. Os mesmíssimos governos que, vergonhosamente, vendem, ou deixam vender, vistos dourados para, em regime de via verde, dar residência e nacionalidade a estrangeiros endinheirados.
Precisam estes governantes de que se lhes atire em cara o que disse o Papa Francisco no Parlamento Europeu: "a dignidade da vida dos migrantes não pode ser encarada como mercadoria ou objecto de comércio". Foi com estas palavras fortes que o Papa pediu legislação europeia para proteger e receber adequadamente os migrantes.
Mas em vez disso, o Conselho Europeu reforçou a percepção de que a Europa se quer fortaleza inalcançável: os governos não se comprometeram a acolher e a redistribuir entre si migrantes nem refugiados, em políticas comuns de migração e de asilo, como recomenda o PE, que pudessem por cobro ao problema e não continuar a dar lucros aos traficantes de seres humanos.
É um tremendo falhanço! A UE perde credibilidade como potência promotora da paz, da segurança e do respeito pelos direitos humanos. É a nossa responsabilidade que está em causa: os grotescos governantes europeus que hoje, desgraçadamente, temos estão a por em causa as fundações do próprio projecto político que é a União Europeia.
E o mais irónico é que, hoje, a Comissão vem apresentar ao Parlamento Europeu uma Agenda Europeia de Segurança, que é suposta tracar o caminho para a segurança interna da União. Como se fosse possível haver segurança interna se, de facto, à nossa volta temos povos a viver na guerra, na opressão e na miséria - e com políticas europeias muitas vezes contribuindo para elas.
Temos o caso da Líbia, onde interviemos para ajudar o povo a livrar-se do massacre por um ditador sangrento e que depois abandonamos, ao Deus dará: não respondemos às solicitações de apoio dos líbios, designadamente para desarmar as milícias e criar verdadeiras de força de segurança nacionais sob comando único. E por isso hoje a Líbia está na situação em que está, tornada terreno passador de refugiados e de migrantes que tudo fazem para chegar à Europa e salvar as próprias vidas!
Não é possível haver segurança para a Europa e para os europeus se ao nosso redor, através de políticas externas mal conduzidas, em vez de contribuirmos para a segurança, para a paz, para condições de progresso, desenvolvimento e emprego, pelo contrário, criamos condições de instabilidade e de opressão que levam tanta gente a fugir para tentar salvar as suas vidas.
Se os nossos governantes não entendem isto, a Europa vai por muito mau caminho. E os europeus têm de perceber que as ameaças com que estão confrontados - incluindo a ameaça do terrorismo - não vão diminuir: vão agravar-se!
(Transcrição da minha crónica no "Conselho Superior", ANTENA 1, esta manhã).