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30 de junho de 2015

A crise da Grécia pode destruir a UE 

Por Ana Gomes

A crise na Grécia não é só económica, nem só grega: é a mais grave crise política da União Europeia.  Com consequências mundiais tão aterradoras que alarmam Rússia e China. E o Presidente Obama, bem lembrado do que implicou em 2008 a bancarrota de um só banco e não de um país, não larga o telefone da Senhora Merkel para a convencer a não dar ouvidos ao perigoso Dr. Strangelove que ela tem nas Finanças e que há meses vem defendendo e organizando o Grexit - a saída da Grécia do euro.

As reviravoltas dramáticas a que assistimos na ultima semana neste processo de negociação, com um Estado que representa menos de  2% do PIB da UE, espelham a falta de uma liderança política com sentido estratégico, nesta UE sob hegemonia alemã: basta citar o grande filósofo alemão Jürgen Habermas que há cinco dias escrevia no "Le Monde" um artigo intitulado "Porque é que Angela Merkel está errada na Grécia " sublinhando que  "o escândalo dentro do escândalo é o modo como o governo alemão entende o seu papel de liderança. A Alemanha é devedora, pelo estímulo à sua recuperação económica, da qual ainda hoje beneficia, da sabedoria das nações credoras que, no acordo de Londres de 1953, perdoaram metade da sua dívida". Nota ainda que o fundo da questão não é o embaraço moral, mas a essência politica: "As elites políticas na Europa não devem mais esconder dos seus eleitores as alternativas colocadas por uma união monetária incompleta. São os cidadãos, e não os bancos, que devem ter a palavra final em questões existenciais para a Europa".

Mas os governos europeus, Comissão e BCE não estão nem aí: no princípio da semana passada, Comissão e Conselho da UE trombeteavam que o acordo com a Grécia estava por horas. Logo veio o FMI fazer exigências inaceitáveis para os gregos e seguiram-se mais manobras para humilhar o governo do Syriza - que, apesar de ter poucos amigos em Bruxelas, pareceu aplicar-se a fazer ...mais inimigos!

Encurralado com propostas que sabia incompatíveis com o mandato que lhe conferira o povo grego e que mais enterrariam a Grécia  porque não resolviam a impagável dívida, Tsipras entendeu devolver a palavra ao povo e anunciou o referendo. No sábado, o Eurogrupo, reunindo os ministros das Finanças -  mas certamente com poucos adultos na sala (para usar a imagem da Sra. Lagarde) - expulsava ilegalmente o ministro das Finanças grego, retaliando! Os líderes políticos europeus têm medo do exercício da democracia: já é o segundo referendo que rejeitam na Grécia. Agora que o Parlamento grego foi por diante e o aprovou, tudo farão para condicionar pela chantagem e pelo temor o voto do povo grego.

O governo de Tsipras, compreensívelmente, recusou aceitar dos credores (cujas ameaças fizeram desaparecer dos cofres gregos cerca de 40 mil milhões de Euros só neste ano) um balão de oxigénio para pagar até hoje, 30 de junho, 1.600 milhões de € ao FMI . A dívida pública da Grécia é 200 vezes maior. Os gregos estão fartos de ver dinheiro que entra num dia, para sair no dia seguinte, com destino aos mesmíssimos credores, enquanto o povo amarga e a Grécia não sai da recessão e cada vez se endivida. É compreensível e racional que depois de 5 anos de fracassos de programas da troika - tal como o que foi imposto em Portugal- os gregos queiram seguir por outro caminho. É natural que depois de perderem 40 por cento do nível de vida, de atingirem 25 por cento de desempregados (e 50 por cento de desemprego nos jovens), os gregos tenham a ambição de construir uma nova economia num país devastado. Eles sabem - tal como nós portugueses tambem sabemos - que isso não se consegue só com mais cortes e mais austeridade. O Siryza não é responsável pela corrupção reinante, pela disfuncionalidade do estado grego, nem pelas reformas da Troika falhadas. O Syriza quer fazer reformas e tem legitimidade democrática para isso. Mas a UE alemã quer afastar Tsipras do poder, tal como antes afastou Papandreou, levando a destruição do Pasok.
 
Tsipras propôs, por exemplo, cortar nas despesas da Defesa. A Troika e o Eurogrupo rejeitaram. A Grécia tem a terceira !!! maior despesa militar entre os 28, em parte por causa de 4 submarinos vendidos pela Alemanha e de vários navios de guerra vendidos pela França, já com as contas da Grécia à beira do naufrágio. As instituições não deixaram cortar nessas despesas e querem que a Grécia faça mais cortes nas pensões e na Segurança Social. Tal como o governo de Passos Coelho e Portas quer fazer em Portugal. A Grécia quer aumentar impostos sobre os mais ricos e sobre as empresas com lucros anuais superiores a meio milhão de €. A troika e o Eurogrupo dizem que não pode ser. Em troca, dizem que é preciso aumentar, por exemplo, o IVA das ilhas gregas, o que seria uma machadada fatal no turismo - o único setor da economia com alguma dinâmica.
Qualquer que seja a opinião que se tiver sobre Tsipras e o Syriza, é preciso reconhecer uma  coisa: o povo grego tem direito a não ser governado pelo FMI, pelo Eurogrupo ou pela Alemanha.

E por cá? Ao longo dos ultimos 5 meses, governo e Presidente da República desvalorizaram as consequências para Portugal da falta de um acordo entre a Grécia e os credores. A oposição dos governos português e espanhol a qualquer concessão dos credores à Grécia demonstrou essa cegueira. 
 
Com o aproximar da campanha eleitoral, acrescentaram às teses do bom aluno da troika, dos cofres cheios, ou da almofada de segurança, a da blindagem de Portugal à especulação nos mercados e o respeito destes pelo pretenso sucesso do ajustamento português. Na verdade, a posição de Portugal nos mercados é extremamente vulnerável: logo no primeiro dia das medidas de controlo de capitais tomadas na Grécia, o risco da dívida de Portugal subiu 20 pontos percentuais, forçando o Presidente da República a vir reconhecer que afinal  existe mesmo risco de "contágio", brindando-nos ainda com uma tirada à Américo Tomás a de que "se a Grécia sair, o euro passa de 19 para 18 membros"... 
 
Por mais que Governo, Presidente e escribas de serviço insistam no vergonhoso "chega-para-lá" aos gregos, a verdade é que Portugal e Grécia estão ligados por um cordão umbilical chamado União Económica e Monetária.
 
Que, tal como está, não funciona. A emergência de dois controlos de capitais, dentro da zona €, em apenas dois anos, mostra-o. Em 2013 com Chipre, agora com a Grécia, fica demonstrado que a União Econónica e Monetária está incompleta e precisa de obras urgentes. O relatório dos 5 presidentes - Presidente do Conselho Europeu, da Comissão Europeia,  do BCE, do Eurogrupo e do PE,  há dias publicado, aponta já nesse sentido. Estas obras implicam mudar os Tratados, se o euro sobreviver. E pode não sobreviver à crise da Grécia.

Esta não é só a mais grave crise de uma União Económica e Monetária disfuncional, onde se agravaram divergências macroeconómicas entre membros da moeda única, atolada em políticas erradas e arrasadoras dos seus valores, objectivos e do próprio potencial europeu. A Europa à beira de perder a Grécia é a mesma incapaz de se organizar para combater o terrorismo, guerras e outras ameaças à sua volta, de dar acolhimento a refugiados desesperados e a migrantes de que precisa e de proporcionar segurança, emprego, justiça, confiança e esperança aos seus cidadãos. 

Se a UE perder a Grécia, destrói o euro e a própria União. Realmente, destrói-se!


(Notas em que me baseei para a minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

 




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