<$BlogRSDUrl$>

2 de junho de 2015

Ainda a a lista VIP e outras injustiças fiscais 

Por Ana Gomes

 
As Finanças são um dos territórios mais opacos da Administração pública. A pretexto da proteção de dados sensíveis criou-se um sistema gerido de forma discricionária, sem controlo democrático, sem transparência  e sem, sequer, eficiência. 
Como demonstra o recente relatório da IGF, que teve de vir corroborar aquilo que a Comissão Nacional de Protecção de Dados entretanto já confirmara: que, afinal, havia mesmo uma lista VIP na Autoridade Tributária, que funcionou durante cinco meses dando alerta sobre funcionários que acedessem aos dados de apenas 4 pessoas: era uma lista vipezinha, que incluia apenas os nomes do PR Cavaco Silva, do PM Passos CoelhO, do Vice PM Paulo Portas e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que este inventou, o advogado Paulo Núncio.
Lendo - e eu li - o relatório da IGF - estrutura tutelada pelo próprio Ministério das Finanças que também tutela a Autoridade Tributária inspeccionada - vê-se que tem por objectivo ilibar o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de quaisquer responsabilidades, confinando-as aos dirigentes da AT já afastados. E vê-se que outro objectivo é atacar o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, que publicamente denunciou a existência da lista VIP que o Governo negava existir. 
Mas, sem querer, o relatório da IGF acaba por deixar rabo de fora mostrando que o objectivo da dita lista VIPezinha era de facto "assegurar eficazmente a proteção de titulares de cargos políticos" através do "controlo apertado do acesso aos respectivos dados"... E, de caminho, corrobora os dados acabrunhantes já revelados pela CNDP, de que reina a maior balda quanto ao sigilo fiscal - centenas ou milhares de indivíduos - ex-funcionários, estagiários e consultores de companhias privadas contratadas - fazem o que querem, sem qualquer controlo, para aceder aos seus ou aos meus dados fiscais..
A proteção de dados não existe assim - o sistema permite um gigantesco espreitar pelo "buraco da fechadura" em relação à vida privada de milhões de pessoas. É uma situação indecente e injusta, além de violar grosseiramente a lei. Mas ninguém se assume responsável por nada. O respeito pelo Estado de Direito não preocupa minimamente os atuais governantes... O inefável Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais  lá continua a fingir que faz reformas na AT e a cuidar da sua reforma...
No meio da bagunça, há outras preocupantes situações que passam despercebidas e não merecem atenção de relatórios oficiais: uma delas é o agravamento contínuo das injustiças fiscais e o balanço daquilo que todos os dias é dado em benefícios fiscais às empresas - e que é pago à custa dos impostos de milhões de trabalhadores. Deixo aqui um exemplo: O Banco de Portugal revela que no ano de 2013, já em plena crise, o atual governo deu às empresas 1.042 milhões de € de benefícios fiscais. Isto é, as empresas receberam em 2013 mais 17 por cento de benefícios fiscais do que no ano anterior.
Ora, enquanto as empresas receberam um presente-extra de 17 por cento de benefícios fiscais - a somar ainda ao desconto fiscal da nova tabela do IRC - os trabalhadores tiveram de suportar um aumento de 35 por cento no IRS - o maior da história! 
Talvez devesse haver um relatório das Finanças a dizer isto, mas não há. E a identificar que empresas receberam benefícios fiscais  e quanto - suspeito que são sobretudo grandes empresas, portuguesas e multinacionais. Das PME que mais criam emprego quer lá o Governo saber...  A produção de relatórios da IGF é controlada pelo governo e a sua divulgação também, como o da lista vipezinha ilustra...
A injustiça fiscal não tem parado de aumentar, nos últimos anos. E a injustiça na distribuição de rendimentos também continua a agravar-se. E para isso contribui  o menu dos benefícios fiscais às grandes empresas, que não pára de aumentar. O último "bodo aos pobres" concedido pelas Finanças foi a isenção fiscal de 85 milhões de € sobre a transferência de activos do Novo Banco - mas que pode ascender aos 445 milhões. 
Assim vai o Portugal dos vipezinhos....


(Transcrição da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?