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16 de junho de 2015

Martifer/ENVC - "ajustes directos" do MDN 

Por Ana Gomes 

Todos estamos lembrados de que, para justificar o desmantelamento dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e subconcessionar as suas infra-estruturas e equipamentos ao Grupo privado Martifer, o Governo se escudou numa averiguação aberta pela Comissão Europeia sobre a atribuição de "ajudas de Estado" iegais aos Estaleiros. 

O Ministro da Defesa Aguiar Branco chegou a dizer em 2013 que a necessidade de subconcessão dos Estaleiros  se devia a uma decisão da CE – decisão que, à data, ainda não tinha sido tomada. E defendeu que a subconcessão a privados era a única forma de salvar o sector da construção e reparação naval em Portugal, porque os endividados Estaleiros não poderiam devolver as ajudas  - sugerindo até que o dinheiro teria de ser devolvido a Bruxelas: uma fábula, porque se tivesse de haver devolução era do Estado - os Estaleiros eram 100 por cento Estado - ao Estado, que lhes havia adiantado os fundos.

Isto apesar da própria  CE, em comunicações de Janeiro e de Abril de 2013, apontar um leque de justificações que o Governo podia apresentar para explicar que as transferências financeiras do Estado para os ENVC estavam em conformidade com o direito europeu. Nomeadamente, a declaração da "empresa em dificuldades" e a apresentação de um "Plano de Reestruturação". 

Só que o Governo não accionou qualquer tentativa de reestruturação. Nem sequer invocou junto da CE o facto de os ENVC terem em carteira encomendas para construírem navios para a Marinha portuguesa,  incluindo dois NPO - Navios Patrulha  Oceânicos  – o que por só si também justificava transferências financeiras do Estado para os ENVC, nos termos do Tratados europeus. 

Porque o que o Governo queria era mesmo passar os Estaleiros para mãos privadas.  E para que não houvesse justificações aos olhos de Bruxelas,  o Governo cancelou subitamente em 2012 os contratos celebrados pelo Estado com os ENVC em 2004, apesar de dizerem respeito à construção de navios muito necessários à Marinha Portuguesa, inscritos em Lei de Programação Militar.

Entretanto, há uns meses, farta de esperar por justificações,  a Comissão declarou as tais ajudas de Estado ilegais - o que permitiu ao Ministro vir fazer a rábula de que tinha tido razão, ao mesmo tempo anunciando que prescindia da devolução do dinheiro pelos extintos Estaleiros Navais de Viana do Castelo...

Até aqui nada de novo. Sucede, porém, que no dia 8 deste mês  foi publicada uma Resolução do Conselho de Ministros que autoriza a Marinha Portuguesa a adjudicar  a construção de dois navios-patrulha oceânicos (NPO), por ajuste directo, por um valor de até 77 milhões de euros.  Imaginem a quem: à West Sea, do Grupo Martifer! - o mesmo grupo empresarial que ganhou a subconcessão  dos terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), único concorrente ao concurso de subconcessão, que foi opacamente gerido pelo BESI/Grupo Espírito Santo, em nome do Ministério da Defesa Nacional. Um concurso tão opaco que me levou, em Dezembro de 2013,  a apresentar queixa  à PGR (e corre ainda um inquérito por suspeita de crimes económicos). 

A Resolução do Conselho de Ministros, de 8 de Junho de 2015, adjudicando, sem procedimento concursal, a construção de dois NPO à West Sea/Martifer, surge no seguimento de um conjunto de decisões tomadas pelo actual Ministro da Defesa de claro favorecimento do Grupo privado Martifer. O Ministro da Defesa Nacional que cancelou os contratos de construção dos NPO para a Marinha portuguesa, celebrados com os ENVC em 2004, vem, agora, fazê-los renascer com benefício direto e incontestado, sem concurso público, para a WestSea/Martifer. Já não tem sequer a preocupação de salvaguardar a “propriedade do Estado” dos projectos e documentos de suporte da construção de navios de guerra - que a anterior Resolução do Conselho de Ministros 79/2012 sublinhava dever ser salvaguardada, pois a construção destes navios “exige um acompanhamento especial por razões essenciais de segurança”.

Esta é a razão  por que hoje mesmo voltei a escrever á Senhora Procuradora Geral da República e escrevi ao Presidente do  Tribunal de Contas e às Comissárias europeias da competitividade e da indústria, pedindo resposta a diversas perguntas: 

1. Sobre se as decisões do atual Governo de favorecimento do Grupo Martifer não constituirão  "ajudas  de Estado" proibidos pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

2. Sobre se vai ser averiguada a legalidade da escolha do ajuste direto, enquanto procedimento de adjudicação da construção de dois NPO à WestSea, face às normas e procedimentos constantes da Diretiva 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de serviços por autoridades ou entidades adjudicantes nos domínios da segurança e defesa.

3. 
Sobre se os desenhos e projectos dos NPO que são "propriedade do Estado" (e custaram-lhe milhões de euros) vão ser cedidos pelo Estado à WestSea/Martifer para que os possa construir ? E pagará esta um preço? Ou o Estado vai ceder os desenhos gratuitamente? 

(Minhas notas para a habitual crónica às terças-feiras no Conselho Superior, ANTENA 1. Esta manhã)



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