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9 de junho de 2015

O drama grego pode dar tragédia na Europa! 

Por Ana Gomes


"Discordo inteiramente do comentário do António Costa que me precedeu (o ex-director  do "Diario Economico") . Discordo de que o resultado do drama grego seja só o dracma

Essa é a lógica que serve o discurso do governo português, que continua a apostar na queda do governo grego: o mau aluno tem de ser punido, é a lógica do suposto bom aluno! Na verdade, do mau colega! O governo do PSD-CDS quer ser o bom aluno da Alemanha e acha que a punição da Grécia por ter resistido aos credores equivale a um louvor - pela sua total submissão aos mesmos credores (inclusive aceitando juros e condições mais punitivas que outros países, como ainda há dias demonstrava, fazendo contas e comparando, o ex-ministro das Finanças Bagão Félix).

Passos Coelho e Paulo Portas não perdem uma ocasião para mostrar a Grécia como ovelha ronhosa da Europa e para arrasar os gregos. Ainda neste fim de semana, a ministra das Finanças, a propósito (ou despropósito...) de um pagamento que Portugal irá antecipar ao FMI, voltou a atacar a Grécia, disparando : "enquanto nós antecipamos pagamentos,  outros adiam...". 

Para além da desumanidade de atacar um povo em dificuldades e da grosseria de atacar gratuitamente um parceiro de Portugal (na União Europeia e na NATO ), o Governo português parece não entender que, caso os mercados financeiros voltem a entrar em ebulição na Europa, o próximo alvo será  Portugal. 

O governo quer iludir-nos sobre as verdadeiras causas do acesso fácil de Portugal aos mercados financeiros hoje. Que se deve exclusivamente à compra de dívida soberana que o BCE começou a fazer há 2 anos e, mais recentemente, ao chamado "canhão-Draghi", ou seja, ao programa de "quantitive easing" - a injecção massiva de liquidez na economia europeia reforçando essas compras, para contrariar o efeito recessivo das desastrosas políticas de austeridade. Mas, de facto, apesar de toda a prosápia do governo, o rating da República Portuguesa nas 3 principais agências mundiais mantém-se no nível "lixo".
 
Ou seja, se não fosse a intervenção do BCE, o tesouro português estaria barrado pelo rating "lixo" da Moody's, da Standard & Poor's e da Fitch. Salvou-nos nos últimos 2 anos a asa protetora do BCE. Mas essa proteção do BCE não poderá durar sempre, até porque os programas de compra de dívida continuam a ser contestados pela Alemanha e pelos países da Europa do Norte. 
 
Que são os mesmos responsáveis pela decisão do BCE de deixar de aceitar, desde 11 de Fevereiro, como colateral, dívida soberana da Grécia. Que são os mesmos a não quererem dar o braço a torcer e reconhecer o desastre para a economia europeia e mundial que foi a austeridade que impuseram aos países que mais tinham ajudado a endividar. Sim! porque se Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tiveram responsabilidades em se endividar à conta dos baixos juros do euro, os países e bancos que lhes foram emprestando partilharam a responsabilidade de os endividar. 
 
Acontece que - ao contrário do que afirmou a ministra das Finanças, no afã populista de atacar a Grécia - o governo de Atenas não adiou, nem sequer atrasou, qualquer pagamento. O que a Grécia fez foi utilizar uma regra do FMI - que está ao dispor de todos os países-membros - para fazer o chamado "bundling", de pagamentos. Ou seja, agregar num só cheque os pagamentos que se vencem neste mês de Junho. Repito, é uma norma do próprio FMI que permite fazê-lo. Não foi nenhum favor feito à Grécia ou ao governo de Alexis Tsipras. Assim, respeitando integralmente as regras do Fundo, a Grécia poderá pagar até dia 30 todos os créditos que se vencem em Junho, cerca de 1.600 milhões €. 

Outro exemplo de manipulação dos factos, que tem sido escandalosamente repetida à exaustão,  sugere que a Grécia insiste em receber da troika mais uma tranche-extra de 7.200 milhões €. Não é verdade. Essa tranche não é extra, faz parte do último resgate. Sendo que inclui 3.500 milhões € que o FMI já devia ter entregue à Grécia em 2014 - e ainda não entregou... E inclui um pagamento de 1.800 milhões € do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, que também está por fazer à Grécia. E inclui também o valor que falta o BCE devolver à Grécia: 1.900 milhões € em lucros obtidos pelos bancos do Eurosistema -  em 2014 - com obrigações gregas. Tudo somado, dá os tais 7.200 milhões que a Grécia tem a haver. E aqui é que se deve falar de atraso: um atraso da troika - FMI, Comissão Europeia e BCE - nos pagamentos devidos e contratados com o governo da Grécia.
 
A falta de rigor em relação à Grécia - e às finanças gregas - não é só do governo português, está espalhada na Europa. Estamos num braço-de-ferro com a Grécia e num braço-de-ferro entre a Sra. Merkel e o seu quadrado ministro das Finanças Schäuble, ambos já a competirem pela liderança da direita alemã.  Agrava-se com a falta de visão estratégica e a falta de consciência - pois, como explica o Ministro Varoufakis, continuando a exigir o esmagamento dos salários dos gregos, é a própria capacidade de reembolso da Grécia que a Europa compromete. A Alemanha, a Comissão Europeia, o BCE e o FMI têm a maior parte da responsabilidade.

Estamos à beira do abismo! Como avisou o Presidente Barack Obama na recente reunião do G7 na Baviera, tudo pode colapsar. A economia mundial entrará em nova crise se a UE deixar a Grécia sair do Euro. E é a própria  UE, e não apenas o euro, que pode desmoronar-se, avisam muitos! O drama grego não leva apenas ao dracma: pode ser a tragédia da Europa!"


(Transcrição da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1)






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