14 de novembro de 2015
A UE a falhar contra o terrorismo
Este foi um texto que escrevi em Outubro passado e propus ao EXPRESSO, PÚBLICO e DN para artigo a publicar. Nenhum teve interesse nisso...
"Sem União que acolha refugiados, ganham os terroristas
Por Ana Gomes
Pensarão governantes europeus que, arrastando o aplicar das medidas que tardaram a decidir e deixando os mais impiedosos construir muros e desenrolar arame farpado, desencorajam refugiados de vir? E terão consciência das chagas que assim abrem na reputação da UE, na sua defesa e, pior, na própria essência da União?
Pois, convém que se desenganem: o êxodo de refugiados só ainda começou! Há milhões de pessoas enredadas nos conflitos no Médio Oriente e Norte de África a desesperar por fugir para a Europa. E, por ironia, a própria UE os leva a fugir. Pelo que faz e sobretudo, pelo que tem falhado fazer pela paz, pela segurança colectiva global e regional e pela sua própria segurança!
Prova disso é o que constatei em mais uma visita ao Curdistão Iraquiano, em Setembro. Nada de muito diferente do que apurei em Janeiro, quando percorri acampamentos entre Erbil e Dohuk e registei tremendas carências, apesar do esforço feito pela população e pelas autoridades curdas para acolher 250 mil refugiados sírios e mais de um milhão e 600 mil iraquianos deslocados, sobretudo yazidis e cristãos, fugidos das atrocidades do Daesh (Estado Islâmico) em Mossul, na planície de Ninevah e nas montanhas do Sinjar. Hoje, continua a não haver escolas, apesar dos milhares de crianças e jovens ali depositados: a UE financia a ajuda de emergência canalizada via UE e ACNUR, mas ainda não foi capaz de a articular com Ajuda ao Desenvolvimento para suprir a básica necessidade de escolarização para os mais jovens, essencial para não os entregar de bandeja a futuros recrutadores extremistas... Sem horizonte para reaverem as suas casas, terras e modo de vida, sem poder trabalhar, que incentivo têm os desalojados para ficar no Iraque ou em países vizinhos, como a Jordânia, Líbano ou Turquia?
A inacção americana e europeia face à tentativa de esmagamento por Assad da rebelião popular na Síria abriu caminho ao Daesh, que hoje também controla território no Iraque, forte do apoio sunita e dispondo de equipamento topo de gama antes fornecido pelos EUA às forças iraquianas. A inoperância dos aliados para varrer os 30 mil terroristas do Daesh explica por que fogem yazidis, cristãos, curdos e outras minorias. A única protecção que lhes tenta valer reside nos Peshmerga - entretanto bombardeados por uma Turquia aspirante a entrar na UE mas enredada nas ambições pessoais de Erdogan...
Sobra em bravura aos Peshmerga - como se viu na defesa de Kobane - o que lhes falta em equipamento e formação. Entre outras razões, porque a Europa não se coordena, nem sob a égide da UE, da NATO ou da coligação liderada pelos americanos! A Alemanha bem pode ter fornecido úteis antitanques Milán e a República Checa algumas munições, mas falta tudo o resto: equipamento de visão nocturna, blindados, armas pesadas, mais munições, etc....
Também no campo politico-diplomático, a UE prima pela ausência: os curdos não pedem mais botas no terreno, têm-nas em número suficiente; mas, além de melhor equipamento e treino, precisam de uma coligação árabe (sobretudo sunitas iraquianos) para entrar em Mossul sem risco de serem acusados de retaliação sectária, o que só faria escalar o conflito. Para não falar da campanha diplomática que a UE não está a fazer junto das potências regionais: desde logo para conter a disputa protagonizada por Arábia Saudita e Irão e para travar financiamento e apoios ao Daesh por patrocinadores sunitas. O mínimo seria exigir à Turquia o fim da ambivalência, quer quanto aos apoios que deixa chegar ao Daesh, quer quanto aos refugiados que deixa chegar à Europa, quer ainda quanto ao seu papel na guerra por procuração intra-sunita que alimenta na Líbia, onde se vai expandindo o Daesh.
A UE está a falhar na crise dos refugiados, tal como está a falhar no combate contra uma das causas fundamentais dessa crise: o terrorismo do Daesh. Os Governos da UE estão a enganar os cidadãos quanto à sua defesa e segurança, com derivas nacionalistas que fragmentam a União e impedem acção coordenada. A resistência a acolher e proteger os refugiados que chegam da Síria, Iraque e vizinhança constituem ameaça existencial aos valores e princípios da UE, além de fazer o jogo dos terroristas, que visam precisamente destruir a democracia, no mundo árabe e na Europa. Os desafios de segurança com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades. Precisamos desesperadamente de mais União, não de menos."