4 de abril de 2016
Refugiados - Europa alemã vê-se grega...
Em segundo lugar, confirmei a percepção de que o acordo UE-Turquia é ilegal e arrasta a UE para violar o direito internacional e os direitos humanos mais básicos: os chamados "centros fechados" são, de facto, campos de detenção para refugiados e migrantes. Vi as altas vedações e portões no campo de Moria, já superlotado apesar de só albergar pessoas que chegaram depois de 20 de Março: sexta-feira passada eram já mais de 2500, muitas obrigadas a dormir ao relento ... Na véspera, as pessoas detidas no "centro fechado" na ilha de Chios tinham-se revoltado, mais de 500 conseguiram sair e acampar como puderam junto ao porto. E os refugiados continuam a vir - 500 chegaram a Lesbos só na manhã do dia em que lá estivemos...
Ouvimos que os membros do Conselho Europeu prometeram enviar para Grécia peritos. Para reforçar a EASO e agilizar o processamento de candidaturas a recolocação e asilo, embora estejam prometidos 400, só chegam 35 esta semana... Mas, em compensação, para reforçar o Frontex, com a finalidade de acelerar retornos forçados/deportações para a Turquia, chegam muitos mais. Deve ser para dar mais oportunidades do sórdido negócio às redes de traficantes, pelas mesmas ou por novas e mais perigosas rotas! porque a verdade é que a única forma que poderia secar o lucro dos traficantes de seres humanos - a abertura de vias legais e seguras para os requerentes de asilo e migrantes submeterem os seus pedidos de admissão em países da UE - essa via o Conselho Europeu continua a não explorar.
As notícias sobre os planeados retornos forçados inquietam as pessoas nos campos e causam mais frustração e confusão, alimentando a raiva e violência, incluindo a violência doméstica, a exploração sexual de mulheres e crianças e a exploração dos refugiados pelos traficantes, à solta nos acampamentos selvagens, como o de Idomeni. E perturbando também o modo de vida das comunidades locais (em Idomeni os agricultores não podem cultivar as terras ocupadas pelas tendas...).
Tudo isto levou ACNUR, MSF e outras organizações não-governamentais a retirarem-se de alguns campos, nomeadamente dos "centros fechados", a fim de não serem coniventes com a detenção de refugiados e o retorno forçado. O que se anunciava e cuja primeira leva se concretizou dia 4 pode originar feias confrontações: todos os funcionários que estão a atender refugiados nos campos nos disseram que as pessoas recusam ser enviadas de volta para a Turquia e temem revoltas que tudo descontrolem.
O ACNUR, além disso, contesta a definição inspirada pela UE/Alemanha da Turquia como um "país seguro". Ou de que qualquer país possa ser considerado "seguro" para todos os requerentes de asilo ou de uma certa nacionalidade . De acordo com a Convenção dos Refugiados, cada pessoa tem o direito de solicitar asilo e que o seu caso seja individualmente considerado. Por exemplo, para os curdos iraquianos, sírios ou turcos, a Turquia não é claramente um "país seguro"! para não falar do que revelou recente relatório da Amnistia Internacional sobre deportações para a Síria feitas pela Turquia...
Mas admitindo que Conselho e Comissão pretendem que a prioridade seja dada aos refugiados sírios e iraquianos, o que acontecerá aos afegãos, paquistaneses, iranianos, eritreus e congoleses (RDC) que encontrámos em tantos campos e que chegaram, na grande maioria, antes de 20 de Março? Como podem eles ser devolvidos para a Turquia ou qualquer outro país, sem lhes ser dada a oportunidade de requerer asilo, recolocação ou reagrupamento familiar? E o facto é que a maioria das pessoas que encontrámos nos campos nos disse que nada sabia dessas possibilidades, que apenas haviam pedido protecção, não lhes tendo sido facultado qualquer via ou interlocutor para submeter os pedidos, quanto mais via conexão por skype! Só no campo de Schistos, em Atenas, há mais de 2000 homens, mulheres e crianças do Afeganistão a agonizar na indefinição.
Inquirimos sobre procedimentos especiais para proteger menores não acompanhados - os números dos que continuam a chegar são alarmantes, sobretudo quando mais de 10.000 crianças são já consideradas "desaparecidas". As autoridades gregas estão cientes das tremendas vulnerabilidades, mas, uma vez mais, terrivelmente subequipadas para lidar com um problema desta dimensão. Peritos das ONGs tentam ajudar o mais que podem, mas admitem que nem mesmo os Procuradores de Justiça são suficientes para garantir a acompanhamento judicial dos menores. E em campos selvagens, como Idomeni, é óbvio que as oportunidades para a exploração infantil são intensas.
Idomeni mostra hoje o rosto mais tenebroso da Europa: 11.000 homens, mulheres e crianças encalhados com o encerramento da fronteira e há mais de dois meses a viver em frágeis barracas montadas na lama. O acampamento está a tornar-se uma cidade de tendas, como um Oeste Selvagem, com alguns refugiados já improvisar lojas com sapatos usados ou coca-cola para vender. As redes de tráfico rodam por ali, incutindo a ilusão de que as fronteiras podem reabrir a qualquer momento. Os 28 elementos do ACNUR e as equipas da EASO estão sobrecarregadas, mal conseguindo chegar às pessoas para as persuadir a aceitarem ser realojadas em campos mais estruturados e seguros. Estando preparados para pacientar por lá... Para quê e quando, ninguém sabe. Oficiais da EASO tentam fazer entender às pessoas que há três opções disponíveis: o reagrupamento familiar (muitos afirmam ter parentes na Alemanha ou na Suécia), a recolocação e o asilo na Grécia. Quando é que qualquer uma dessas opções se vai concretizar ou pelo menos começar a ser processada, ninguém sabe... Isso contribui para a sensação geral de impotência que pode semear tensão, inclusivamente contra os agentes das organizações que tentam atender às necessidades dos refugiados.
A caminho de Idomeni, a estrada principal estava bloqueada por refugiados em centenas de tendas perto de um posto de gasolina. Um caminhão aproximou-se e foi forçado a parar por dezenas de crianças e adultos clamando "Abram as fronteiras". Minutos depois, o caminhão foi deixado passar. Mas uma criança acenou com uma garrafa com gasolina e ameaçou atirá-la contra o caminhão; ora, em desespero, já um homem usou uma para se incendiar em Chios, na semana passada... Pior virá ainda, para vergonha de todos nós europeus, pela incapacidade de gerir um problema que países muito mais pobres e vulneráveis, como a Jordânia, o Líbano e a própria Turquia, conseguiram enfrentar com mais compaixão, competência e vontade política.
Encorajador é que não encontrei nenhum sentimento de hostilidade em relação a nós, europeus, à medida que passei pelos campos e conversei com os refugiados em situação tão exasperante. Pelo contrário, todos nos receberam com sorrisos e paciência, alguns ansiosos por contar a sua história e por nos mostrar os seus bebés. No meio de tanto sofrimento e miséria, alguns conseguiam até ainda manter algum sentido de humor. Como o palestino vindo do acampamento de Yarmouk (Síria), agora a desesperar no campo de Diavata que respondeu, quando perguntei onde queria ir: "Alemania" ??? Qual "Alemania" !! Considerando o que passámos e estamos a passar, preferimos ir para ... o Senegal!"
Enfim! Frau Merkel pode até ter tido boas intenções, e mesmo sentido estratégico quanto às necessidades demográficas da Alemanha e da Europa, quando, no Verão passado, anunciou porta aberta do seu país aos refugiados que fogem da guerra do Iraque e Síria. Mas, em consequência do forte afluxo que assim desencadeou - e da crise engendrada pelo facto de outros Estados-Membros da UE se recusarem a partilhar uma solução baseada em quotas de acolhimento, em vez disso fechando as fronteiras - a Chanceler alemã entrou em modo de retracção, embora sem o admitir. Tratando de empurrar a resolução do problema para a Turquia...
Com o acordo UE-Turquia resultante da pressão alemã, a Chanceler afundou a credibilidade da UE em relação aos direitos humanos e ao respeito pelo direito internacional. Como desculpa pode invocar que outros Estados-Membros da UE recusaram a solidariedade necessária: mas nisso também falharam Alemanha e os países do Norte da Europa, por mais de um ano a fingir que a crise era italiana, maltesa ou grega, e a negar estarmos diante de um problema verdadeiramente europeu.
Acresce que a falta de solidariedade dos Estados Membros resulta também em boa parte de um fracasso da liderança alemã na actual UE sob sua hegemonia. Viktor Orban e outros governantes europeus recusaram-se a partilhar a recolocação de refugiados porque a Alemanha e o seu instrumento Comissão Europeia assim o permitiram: a mesma Alemanha e a mesma Comissão Europeia, que se viraram e viram ameaçadoramente contra países como a Grécia e Portugal por não cumprirem aleatórias décimas orçamentais dos compromissos do PEC, até hoje não levantaram um dedo contra a Hungria, a Áustria, o Grupo de Visegrád que juntaram para pôr em causa o sistema Schengen, asfixiar a Grécia e minar a imagem e os valores da UE ao fechar fronteiras para bloquear a rota dos Balcãs, com os refugiados já na estrada, seduzidos pelos anúncios de boas-vindas de Merkel.