22 de dezembro de 2006
Uma revolução no ensino superior?
Por Vital Moreira
Que o nosso sistema de ensino superior (universidades e escolas politécnicas) precisa de uma profunda reforma - eis uma posição quase consensual, com excepção dos conservadores do costume. Como se sabe, porém, não basta uma opinião generalizada acerca do que está mal, sendo necessárias pelo menos mais duas coisas: uma ideia sobre as reformas a introduzir e a vontade e força política para as realizar. O recente relatório da OCDE encomendado pelo ministro da Ciência e do Ensino Superior dá boas indicações sobre as reformas a empreender. Cabe ao Governo tomar as imprescindíveis decisões políticas.
Não é boa a situação do ensino superior entre nós. Nos rankings internacionais as universidades portuguesas ficam numa posição pouco recomendável. A sua internacionalização é comparativamente reduzida. O sistema binário (ensino universitário - ensino politécnico) foi progressivamente subvertido, com a sobreposição das mesmas formações nos dois sistemas. Muitas instituições não dispõem dos recursos de pessoal docente suficiente, nem de uma cultura pedagógica adequada para uma implementação eficiente do processo de Bolonha (que não se limita a um novo esquema de graus académicos). O sistema de avaliação montado nos anos 90 tinha fragilidades congénitas e ninguém cuidou de tirar consequências das avaliações feitas. Continua a verificar-se uma acentuada endogenia das instituições, com escassa mobilidade do pessoal docente. A proliferação de universidades e de escolas politécnicas gerou uma oferta excessiva, que a diminuição da procura torna mais problemática. O sistema de governo não propicia adequada responsabilidade dos órgãos governativos e a gestão continua submetida a métodos arcaicos. As instituições privadas, com algumas honrosas excepções, ficam aquém dos níveis minimamente exigíveis. As restrições orçamentais e a diminuição de alunos criaram crescentes dificuldades financeiras.
Sem ignorar as boas escolas e as boas práticas também existentes, as deficiências apontadas caracterizam uma óbvia inadaptação do nosso ensino superior aos novos tempos, que só uma profunda mudança pode superar.
Obviamente, não era precisa a OCDE para dar conta das dificuldades e dos impasses do actual sistema de ensino superior entre nós. Nos últimos anos não têm faltado diagnósticos nem propostas de solução, embora longe de um consenso generalizado. O que se tem verificado é, por um lado, falta de capacidade de auto-reforma das instituições (que o sistema de governo instituído e os interesses estabelecidos inviabilizam) e, por outro lado, ausência de vontade política para uma intervenção de grande fôlego por parte dos sucessivos governos. Por isso, o referido relatório da OCDE pode trazer o que faltava para uma reforma abrangente do ensino superior, designadamente a autoridade de uma organização internacional com o prestígio daquela, bem como um conjunto de propostas prontas a adoptar, assim haja o necessário impulso político. Vejamos as principais propostas.
A ideia mais inovadora é seguramente a que diz respeito à natureza institucional das instituições públicas de ensino superior. Tradicionalmente concebidas entre nós como estabelecimentos públicos (como em muitos outros países), ou seja, como serviços públicos dotados de personalidade jurídica, de órgãos próprios e de autonomia administrativa e financeira, as universidades passariam a ser configuradas como fundações (mantendo-se bem entendido na esfera pública). A "universidade-fundação" é um modelo já adoptado em vários países (designadamente a Alemanha) e integra-se no movimento de diversificação e flexibilização dos modos de organização e gestão do sector público, ficando, no entanto, aquém dos modelos mais radicais de empresarialização das universidades ("universidade-empresa").
O modelo fundacional tem diversas virtualidades, entre as quais a separação entre o ente "proprietário" (a fundação) e a universidade propriamente dita, o recurso a formas típicas da gestão privada no que respeita à gestão patrimonial, financeira e de pessoal, bem como (last but not the least) a possibilidade de recurso ao financiamento de entidades privadas, desde logo pela sua entrada como "fundadores" na fundação, a par com o Estado. As escolas de ensino superior deixam de ser propriedade do Estado, passando a pertencer a entidades distintas (as fundações), que ficam responsáveis pelos estabelecimentos e pelo seu financiamento.
No que respeita ao sistema de governo, o relatório da OCDE vai inequivocamente no sentido da modificação substancial do regime vigente entre nós, baseado no autogoverno dos estabelecimentos, na base de um sistema quase paritário entre professores e estudantes (a que acresce a participação do pessoal não docente) e assente em órgãos eleitos a todos os níveis (universidades, faculdades, departamentos, etc.), incluindo numerosos órgãos colegiais (assembleias, senados conselhos, etc.), de composição muito vasta. Ora, a direcção hoje indiciada a nível internacional vai claramente no sentido da redução do autogoverno, da diminuição do princípio representativo, da limitação dos órgãos colegiais, do reforço da participação de elementos exteriores aos estabelecimentos.
Embora uma mudança nessa direcção não esteja constitucionalmente vedada - pois o autogoverno das universidades não está expressamente garantido na Constituição, que se limita a garantir um princípio da participação de professores e estudantes -, é fácil antecipar que esta é provavelmente a reforma que suscitará mais resistências, quer por parte dos professores, quer por parte dos estudantes, sempre em nome da "autonomia democrática" das universidades e demais escolas do ensino superior. No entanto, uma substancial redução dos actuais mecanismos de autogoverno pelos "corpos universitários" - à margem do mundo exterior e dos demais stakeholders das instituições de ensino superior - é condição essencial para criar um novo paradigma de responsabilidade das escolas do ensino superior perante a colectividade e de capacidade de resposta aos desafios da competitividade europeia ("espaço europeu do ensino superior") e da globalização do ensino superior.
Um dos aspectos mais sublinhados no relatório da OCDE é o apoio ao modelo binário de distinção entre o ensino universitário e o ensino politécnico, que tem vindo a ser "assassinado", com inteira cumplicidade governamental, pela deriva universitária das escolas politécnicas e pela "politecnicização" das universidades, de tal modo que já são poucos os cursos que não são ministrados em ambos os sub-sistemas, com a consequente redundância e perda de racionalidade. Embora a distinção da missão que incumbe a cada um deles não exija necessariamente uma separação institucional entre as respectivas escolas, seguramente que ela impede a crescente convergência e duplicação das formações por eles oferecidas. Há que arrepiar caminho, separando águas e estabelecendo as necessárias especializações.
Agora que existe um documento de referência (o relatório da OCDE), o que se espera é que o Governo anuncie rapidamente um documento-base com as suas opções, bem como um calendário dos passos seguintes, proporcionando uma discussão frutuosa na comunidade académica e fora dela. Quase dois anos passados da corrente legislatura, é tempo de passar à acção. Há reformas que levam o seu tempo e que perdem pela demora. Esta é uma delas.
(Público, Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006)
Que o nosso sistema de ensino superior (universidades e escolas politécnicas) precisa de uma profunda reforma - eis uma posição quase consensual, com excepção dos conservadores do costume. Como se sabe, porém, não basta uma opinião generalizada acerca do que está mal, sendo necessárias pelo menos mais duas coisas: uma ideia sobre as reformas a introduzir e a vontade e força política para as realizar. O recente relatório da OCDE encomendado pelo ministro da Ciência e do Ensino Superior dá boas indicações sobre as reformas a empreender. Cabe ao Governo tomar as imprescindíveis decisões políticas.
Não é boa a situação do ensino superior entre nós. Nos rankings internacionais as universidades portuguesas ficam numa posição pouco recomendável. A sua internacionalização é comparativamente reduzida. O sistema binário (ensino universitário - ensino politécnico) foi progressivamente subvertido, com a sobreposição das mesmas formações nos dois sistemas. Muitas instituições não dispõem dos recursos de pessoal docente suficiente, nem de uma cultura pedagógica adequada para uma implementação eficiente do processo de Bolonha (que não se limita a um novo esquema de graus académicos). O sistema de avaliação montado nos anos 90 tinha fragilidades congénitas e ninguém cuidou de tirar consequências das avaliações feitas. Continua a verificar-se uma acentuada endogenia das instituições, com escassa mobilidade do pessoal docente. A proliferação de universidades e de escolas politécnicas gerou uma oferta excessiva, que a diminuição da procura torna mais problemática. O sistema de governo não propicia adequada responsabilidade dos órgãos governativos e a gestão continua submetida a métodos arcaicos. As instituições privadas, com algumas honrosas excepções, ficam aquém dos níveis minimamente exigíveis. As restrições orçamentais e a diminuição de alunos criaram crescentes dificuldades financeiras.
Sem ignorar as boas escolas e as boas práticas também existentes, as deficiências apontadas caracterizam uma óbvia inadaptação do nosso ensino superior aos novos tempos, que só uma profunda mudança pode superar.
Obviamente, não era precisa a OCDE para dar conta das dificuldades e dos impasses do actual sistema de ensino superior entre nós. Nos últimos anos não têm faltado diagnósticos nem propostas de solução, embora longe de um consenso generalizado. O que se tem verificado é, por um lado, falta de capacidade de auto-reforma das instituições (que o sistema de governo instituído e os interesses estabelecidos inviabilizam) e, por outro lado, ausência de vontade política para uma intervenção de grande fôlego por parte dos sucessivos governos. Por isso, o referido relatório da OCDE pode trazer o que faltava para uma reforma abrangente do ensino superior, designadamente a autoridade de uma organização internacional com o prestígio daquela, bem como um conjunto de propostas prontas a adoptar, assim haja o necessário impulso político. Vejamos as principais propostas.
A ideia mais inovadora é seguramente a que diz respeito à natureza institucional das instituições públicas de ensino superior. Tradicionalmente concebidas entre nós como estabelecimentos públicos (como em muitos outros países), ou seja, como serviços públicos dotados de personalidade jurídica, de órgãos próprios e de autonomia administrativa e financeira, as universidades passariam a ser configuradas como fundações (mantendo-se bem entendido na esfera pública). A "universidade-fundação" é um modelo já adoptado em vários países (designadamente a Alemanha) e integra-se no movimento de diversificação e flexibilização dos modos de organização e gestão do sector público, ficando, no entanto, aquém dos modelos mais radicais de empresarialização das universidades ("universidade-empresa").
O modelo fundacional tem diversas virtualidades, entre as quais a separação entre o ente "proprietário" (a fundação) e a universidade propriamente dita, o recurso a formas típicas da gestão privada no que respeita à gestão patrimonial, financeira e de pessoal, bem como (last but not the least) a possibilidade de recurso ao financiamento de entidades privadas, desde logo pela sua entrada como "fundadores" na fundação, a par com o Estado. As escolas de ensino superior deixam de ser propriedade do Estado, passando a pertencer a entidades distintas (as fundações), que ficam responsáveis pelos estabelecimentos e pelo seu financiamento.
No que respeita ao sistema de governo, o relatório da OCDE vai inequivocamente no sentido da modificação substancial do regime vigente entre nós, baseado no autogoverno dos estabelecimentos, na base de um sistema quase paritário entre professores e estudantes (a que acresce a participação do pessoal não docente) e assente em órgãos eleitos a todos os níveis (universidades, faculdades, departamentos, etc.), incluindo numerosos órgãos colegiais (assembleias, senados conselhos, etc.), de composição muito vasta. Ora, a direcção hoje indiciada a nível internacional vai claramente no sentido da redução do autogoverno, da diminuição do princípio representativo, da limitação dos órgãos colegiais, do reforço da participação de elementos exteriores aos estabelecimentos.
Embora uma mudança nessa direcção não esteja constitucionalmente vedada - pois o autogoverno das universidades não está expressamente garantido na Constituição, que se limita a garantir um princípio da participação de professores e estudantes -, é fácil antecipar que esta é provavelmente a reforma que suscitará mais resistências, quer por parte dos professores, quer por parte dos estudantes, sempre em nome da "autonomia democrática" das universidades e demais escolas do ensino superior. No entanto, uma substancial redução dos actuais mecanismos de autogoverno pelos "corpos universitários" - à margem do mundo exterior e dos demais stakeholders das instituições de ensino superior - é condição essencial para criar um novo paradigma de responsabilidade das escolas do ensino superior perante a colectividade e de capacidade de resposta aos desafios da competitividade europeia ("espaço europeu do ensino superior") e da globalização do ensino superior.
Um dos aspectos mais sublinhados no relatório da OCDE é o apoio ao modelo binário de distinção entre o ensino universitário e o ensino politécnico, que tem vindo a ser "assassinado", com inteira cumplicidade governamental, pela deriva universitária das escolas politécnicas e pela "politecnicização" das universidades, de tal modo que já são poucos os cursos que não são ministrados em ambos os sub-sistemas, com a consequente redundância e perda de racionalidade. Embora a distinção da missão que incumbe a cada um deles não exija necessariamente uma separação institucional entre as respectivas escolas, seguramente que ela impede a crescente convergência e duplicação das formações por eles oferecidas. Há que arrepiar caminho, separando águas e estabelecendo as necessárias especializações.
Agora que existe um documento de referência (o relatório da OCDE), o que se espera é que o Governo anuncie rapidamente um documento-base com as suas opções, bem como um calendário dos passos seguintes, proporcionando uma discussão frutuosa na comunidade académica e fora dela. Quase dois anos passados da corrente legislatura, é tempo de passar à acção. Há reformas que levam o seu tempo e que perdem pela demora. Esta é uma delas.
(Público, Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006)
11 de dezembro de 2006
O território, de novo
Por Vital Moreira
Não há democracia sem acentuada descentralização territorial. Isso não implica somente a criação de diferentes níveis de entidades territoriais descentralizadas, mas também que a divisão territorial seja consistente e que as autarquias territoriais tenham a escala apropriada para o desempenho das tarefas que lhes devem ser confiadas.
Ora, a nossa organização territorial pública apresenta diversas falhas que dificultam uma eficiente descentralização administrativa. São quatro as falhas principais. Primeiro, há freguesias e municípios tão diminutos que tornam impossível qualquer desempenho eficaz de tarefas públicas, por falta de meios humanos e materiais. Segundo, as entidades intermunicipais existentes desde 2003 ("áreas metropolitanas", "comunidades intermunicipais", etc.) são demasiado heterogéneas para permitir uma repartição consistente de funções. Terceiro, continuam a faltar as regiões administrativas, previstas na Constituição desde a origem, o que cria um gap demasiado amplo entre o nível municipal e a nível central (estadual). Quarto, os distritos administrativos, por manterem uma divisão territorial "exótica", não coincidente com a moderna divisão administrativa, continuam a perturbar uma leitura racional do território.
Exceptuado o caso dos distritos, são conhecidas as soluções propostas pelo Governo para todos os demais problemas. A saber: (i) proceder à consolidação territorial das autarquias locais, designadamente no caso das freguesias, mediante a agregação das mais pequenas (parece ter sido abandonada a mesma ideia em relação aos municípios...); (ii) criar uma base homogénea para as entidades intermunicipais, com base nas NUT III, desde há muito existentes; (iii) preparar as condições para uma futura regionalização administrativa, com base nas NUT II, ou seja, as cinco "regiões- plano". Vejamos cada um desses problemas de per si.
São conhecidas as resistências à extinção de autarquias locais. Só em períodos revolucionários ou em ditaduras é que é possível proceder a uma drástica redução do número de autarquias. Sem a reforma de Passos Manuel há 170 anos, ainda hoje teríamos cerca de uma milhar de municípios. Além disso, desde 1974 a tendência não tem sido no sentido da consolidação, mas sim da fragmentação autárquica. Criaram-se dezenas de freguesias e só não sucedeu o mesmo com os municípios, porque a certa altura prevaleceu um módico de resistência à deriva populista nesse sentido. Por isso, nesta matéria é de esperar muita oposição, com modestos resultados no final, perante a provável falta de determinação política para forçar soluções mais ousadas. Resta saber até que ponto vai ser uma oportunidade falhada.
As entidades intermunicipais assumem uma importância crescente, por várias razões. Primeiro, com a progressiva urbanização do país, muitas tarefas tradicionalmente municipais ultrapassam agora as fronteiras dos municípios isolados (transportes urbanos, recolha e tratamento de lixos, etc.), reclamando parcerias entre vários municípios contíguos. Segundo, desde 1997 a Constituição admite a atribuição de tarefas públicas directamente a associações de municípios e não aos municípios isoladamente, sendo de prever que as futuras acções de descentralização de tarefas estaduais tenham por destinatários as entidades intermunicipais (considere-se, por exemplo, a cobrança dos impostos locais, entre outras). Terceiro, faltando as regiões administrativas, as entidades intermunicipais são a única solução para descentralizar tarefas públicas que excedam a escala dos municípios.
Neste aspecto, a "reforma Relvas" (do nome do secretário de Estado da Administração Local que a concebeu), de 2003, foi uma tentativa bem-intencionada, mas menos bem conseguida, de dar cumprimento a essa dimensão de administração intermunicipal. Por um lado, tendo deixado quase completa liberdade de auto-organização aos municípios no que respeita à dimensão e às circunscrições territoriais - sem respeitar sequer as fronteiras das cinco NUT II -, o resultado foi assaz assimétrico e, em alguns casos, puramente irracional, em termos territoriais. Por outro lado, prevendo nada menos do que três diferentes tipos de entidades, essa reforma não facilitava exercícios de descentralização minimamente homogéneos. A orientação do actual Governo vai claramente no sentido de escolher como base das entidades intermunicipais as actuais NUT III (ou agregações destas), o que tem a dupla vantagem de assentar numa base territorial preexistente e de ser congruente com a futura regionalização administrativa, visto que as NUT III são divisões das NUTS II.
A preparação da futura criação das regiões administrativas teve já dois passos essenciais. Por um lado, decidiu-se, e bem, escolher as cinco NUT II com mapa regional, abandonando definitivamente a desastrada solução de 1998, que previa oito regiões, num mapa sem nenhuma história nem lógica territorial; por outro lado, os serviços regionais do Estado (que passarão, em parte, para as futuras regiões administrativas, quando estas venham a ser instituídas) passaram a obedecer todos a esse modelo de divisão territorial. Falta somente incrementar a desconcentração regional da administração do Estado e implementar as soluções de coordenação transversal dos serviços da administração regional do Estado, através das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). Se a regionalização não vier a ser uma realidade, que não seja por ausência das necessárias mudanças na administração regional do Estado.
A questão dos distritos é o grande ponto de interrogação nas intenções do Governo quanto à organização territorial do Estado. Ora, não se trata de uma questão despicienda, sobretudo sob o ponto de vista da regionalização. De facto, enquanto existirem os distritos, pelo menos com a sua actual configuração territorial, o exercício da regionalização estará condenado ao fracasso. Não é possível criar regiões administrativas com o mapa das cinco "regiões-plano", como se pretende, e manter simultaneamente a divisão distrital, com um mapa territorial que não é congruente com aquele. Há uma infeliz disposição constitucional que garante a persistência dos distritos até à criação das regiões. Ora, a relação é a inversa, não sendo possível criar as segundas sem prévia extinção ou remodelação dos primeiros.
Estando, por ora, fora de causa a extinção dos distritos - por causa da referida norma constitucional e por falta de determinação política nesse sentido -, só restam três soluções, de preferência conjuntas: primeiro, harmonizar a divisão distrital com as cinco NUT II, o que afectaria significativamente alguns distritos (Aveiro, Viseu, Leiria, Setúbal); segundo, esvaziar a relevância administrativa dos distritos, regionalizando as (já poucas) tarefas estaduais que ainda têm base distrital (direcções de estradas, sub-regiões de saúde, administração fiscal, etc.); terceiro, aproveitar a prevista reforma da lei eleitoral para retirar aos distritos a natureza de círculos eleitorais para a Assembleia da República.
Seja como for, os distritos administrativos constituem porventura a mais árdua das questões da reforma territorial do Estado. Talvez por isso, eles continuam a ser uma questão quase tabu. É tempo, e é a ocasião, de deixarem de o ser. Sem a resolução da "questão distrital", a reforma da administração territorial só pode ficar "coxa".
(Público, Terça-feira, 5 de Dezembro de 2006)
Não há democracia sem acentuada descentralização territorial. Isso não implica somente a criação de diferentes níveis de entidades territoriais descentralizadas, mas também que a divisão territorial seja consistente e que as autarquias territoriais tenham a escala apropriada para o desempenho das tarefas que lhes devem ser confiadas.
Ora, a nossa organização territorial pública apresenta diversas falhas que dificultam uma eficiente descentralização administrativa. São quatro as falhas principais. Primeiro, há freguesias e municípios tão diminutos que tornam impossível qualquer desempenho eficaz de tarefas públicas, por falta de meios humanos e materiais. Segundo, as entidades intermunicipais existentes desde 2003 ("áreas metropolitanas", "comunidades intermunicipais", etc.) são demasiado heterogéneas para permitir uma repartição consistente de funções. Terceiro, continuam a faltar as regiões administrativas, previstas na Constituição desde a origem, o que cria um gap demasiado amplo entre o nível municipal e a nível central (estadual). Quarto, os distritos administrativos, por manterem uma divisão territorial "exótica", não coincidente com a moderna divisão administrativa, continuam a perturbar uma leitura racional do território.
Exceptuado o caso dos distritos, são conhecidas as soluções propostas pelo Governo para todos os demais problemas. A saber: (i) proceder à consolidação territorial das autarquias locais, designadamente no caso das freguesias, mediante a agregação das mais pequenas (parece ter sido abandonada a mesma ideia em relação aos municípios...); (ii) criar uma base homogénea para as entidades intermunicipais, com base nas NUT III, desde há muito existentes; (iii) preparar as condições para uma futura regionalização administrativa, com base nas NUT II, ou seja, as cinco "regiões- plano". Vejamos cada um desses problemas de per si.
São conhecidas as resistências à extinção de autarquias locais. Só em períodos revolucionários ou em ditaduras é que é possível proceder a uma drástica redução do número de autarquias. Sem a reforma de Passos Manuel há 170 anos, ainda hoje teríamos cerca de uma milhar de municípios. Além disso, desde 1974 a tendência não tem sido no sentido da consolidação, mas sim da fragmentação autárquica. Criaram-se dezenas de freguesias e só não sucedeu o mesmo com os municípios, porque a certa altura prevaleceu um módico de resistência à deriva populista nesse sentido. Por isso, nesta matéria é de esperar muita oposição, com modestos resultados no final, perante a provável falta de determinação política para forçar soluções mais ousadas. Resta saber até que ponto vai ser uma oportunidade falhada.
As entidades intermunicipais assumem uma importância crescente, por várias razões. Primeiro, com a progressiva urbanização do país, muitas tarefas tradicionalmente municipais ultrapassam agora as fronteiras dos municípios isolados (transportes urbanos, recolha e tratamento de lixos, etc.), reclamando parcerias entre vários municípios contíguos. Segundo, desde 1997 a Constituição admite a atribuição de tarefas públicas directamente a associações de municípios e não aos municípios isoladamente, sendo de prever que as futuras acções de descentralização de tarefas estaduais tenham por destinatários as entidades intermunicipais (considere-se, por exemplo, a cobrança dos impostos locais, entre outras). Terceiro, faltando as regiões administrativas, as entidades intermunicipais são a única solução para descentralizar tarefas públicas que excedam a escala dos municípios.
Neste aspecto, a "reforma Relvas" (do nome do secretário de Estado da Administração Local que a concebeu), de 2003, foi uma tentativa bem-intencionada, mas menos bem conseguida, de dar cumprimento a essa dimensão de administração intermunicipal. Por um lado, tendo deixado quase completa liberdade de auto-organização aos municípios no que respeita à dimensão e às circunscrições territoriais - sem respeitar sequer as fronteiras das cinco NUT II -, o resultado foi assaz assimétrico e, em alguns casos, puramente irracional, em termos territoriais. Por outro lado, prevendo nada menos do que três diferentes tipos de entidades, essa reforma não facilitava exercícios de descentralização minimamente homogéneos. A orientação do actual Governo vai claramente no sentido de escolher como base das entidades intermunicipais as actuais NUT III (ou agregações destas), o que tem a dupla vantagem de assentar numa base territorial preexistente e de ser congruente com a futura regionalização administrativa, visto que as NUT III são divisões das NUTS II.
A preparação da futura criação das regiões administrativas teve já dois passos essenciais. Por um lado, decidiu-se, e bem, escolher as cinco NUT II com mapa regional, abandonando definitivamente a desastrada solução de 1998, que previa oito regiões, num mapa sem nenhuma história nem lógica territorial; por outro lado, os serviços regionais do Estado (que passarão, em parte, para as futuras regiões administrativas, quando estas venham a ser instituídas) passaram a obedecer todos a esse modelo de divisão territorial. Falta somente incrementar a desconcentração regional da administração do Estado e implementar as soluções de coordenação transversal dos serviços da administração regional do Estado, através das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). Se a regionalização não vier a ser uma realidade, que não seja por ausência das necessárias mudanças na administração regional do Estado.
A questão dos distritos é o grande ponto de interrogação nas intenções do Governo quanto à organização territorial do Estado. Ora, não se trata de uma questão despicienda, sobretudo sob o ponto de vista da regionalização. De facto, enquanto existirem os distritos, pelo menos com a sua actual configuração territorial, o exercício da regionalização estará condenado ao fracasso. Não é possível criar regiões administrativas com o mapa das cinco "regiões-plano", como se pretende, e manter simultaneamente a divisão distrital, com um mapa territorial que não é congruente com aquele. Há uma infeliz disposição constitucional que garante a persistência dos distritos até à criação das regiões. Ora, a relação é a inversa, não sendo possível criar as segundas sem prévia extinção ou remodelação dos primeiros.
Estando, por ora, fora de causa a extinção dos distritos - por causa da referida norma constitucional e por falta de determinação política nesse sentido -, só restam três soluções, de preferência conjuntas: primeiro, harmonizar a divisão distrital com as cinco NUT II, o que afectaria significativamente alguns distritos (Aveiro, Viseu, Leiria, Setúbal); segundo, esvaziar a relevância administrativa dos distritos, regionalizando as (já poucas) tarefas estaduais que ainda têm base distrital (direcções de estradas, sub-regiões de saúde, administração fiscal, etc.); terceiro, aproveitar a prevista reforma da lei eleitoral para retirar aos distritos a natureza de círculos eleitorais para a Assembleia da República.
Seja como for, os distritos administrativos constituem porventura a mais árdua das questões da reforma territorial do Estado. Talvez por isso, eles continuam a ser uma questão quase tabu. É tempo, e é a ocasião, de deixarem de o ser. Sem a resolução da "questão distrital", a reforma da administração territorial só pode ficar "coxa".
(Público, Terça-feira, 5 de Dezembro de 2006)
2 de dezembro de 2006
A CIA portas adentro
Carta de Ana Gomes, datada de 27.11.2006, enviada a Presidente, Relator e membros do «Steering Group« da Comissão Temporária de Inquérito do PE sobre os voos e prisões da CIA e Pentágono envolvidos no programa ilegal de "extraordinary renditions"
"Dear Mr. President, Dear All
I would like to share with you a summary of the information I have been gathering about Portugal in the context of the work of the TDIP Committee, based both on the EUROCONTROL data and on elements obtained from the Portuguese Government.
From the data provided in reply to my enquiries by the Portuguese Foreign Ministry, with substantive input of Ministries responsible for the oversight of airport controls, a worrying picture is emerging of the role Portugal played in the 'extraordinary renditions' programme since 2001.
In other words, we - as a Committee - need to take a good look at Portugal. The TDIP Committee should consider the information I am presenting and dedicate some time, resources and attention to the upcoming visit to Portugal. I believe it is the credibility of the Committee itself which is at stake here.
As to the information itself:
1. The N379P («Guantanamo Express») and the rendition of ABOU ELKASSIM BRITEL
Italian citizen Britel was arrested in Islamabad and flown to Rabat (where he was jailed and later «disappeared») on 24/25 May 2002 in plane N379P, known as the «Guantanamo Express». Interestingly, this same plane flew from Rabat to Porto on the same 25.5.02. and from there to Washington on 26.5.02.
This is the same plane, by the way, that flew Egyptians Ahmed Aziza and Mohammed Al-Zari to Cairo, handed to the CIA by the Swedish government.
This plane landed at least 13 times in Porto between 25/5/02 and 9/6/05, often staying overnight.
It is confirmed that many of these flights had passengers in them, although the authorities have not yet provided any passenger or crew lists, despite my repeated requests - even when flight logs handed by the authorities explicitly show that passport controls were performed. Some of those cases are:
2. The N379P landed in Porto on 19.5.2003, coming from Cairo.
It was identified as a «foreign state» flight and declared 6 passengers on board. This plane stayed in Porto for three days and proceeded (as a «commercial flight») to Algiers-Kabul-Algiers, landing back in Porto on 23.5.05 - without passengers. Passport controls were performed by the Portuguese authorities before take-off to Algiers, but no passenger lists have been made available.
3. N379P landed in Porto flying between Bagdad and Washington on 29/30 October 2003, with 6 passengers who were tax-exempted at arrival, but were controlled and made to pay tax upon departure. (This, by the way, happened with passengers of several other flights by this and other «civilian commercial planes» passing by Portuguese airports).
4. The N379P landed in Porto on 2.12.2003 coming from Washington, with 5 passengers on board. The next day, it flew to Rabat and from there to Guantanamo. Again, no passenger list has been made available, despite proof of passport controls.
5. N8068V landed in Porto on 17.02.04 coming from Amman, on its way to Washington. It is the the same "Guantanamo Express", but under new number plate. According to EUROCONTROL, this plane had flown (between 14 and 17 February) from Amman to Kabul and back to Amman, before flying to Porto. The flight logs are ambiguous about whether there were passengers on board of this flight or not.
6. The N85VM and the rendition of Canadian citizen ABDURAHMAN KHADRIt is the same GULF IV (later N227SV), one should recall, that took Abu Omar, the Egyptian cleric kidnapped from Milan, from Ramstein to Cairo on 17/2/2003. It also took Mr. Khadr from Guantanamo to Tuzla (Bosnia) on 7 November 2003.
Mr. Khadr has confirmed he is a son of an Al-Qaeda top operative. He was arrested in Afghanistan right after 9/11, when he was only aged 17, and later agreed to cooperate with the CIA with a promise to be released and get back to Canada. Despite that, in Guantanamo, where he arrived while he was still underage, he was subject to torture and degrading treatment. He then was brought to Tuzla (Bosnia) to assist the CIA uncovering jihadists and managed to go back to Canada. Mr. Khadr still has a brother in Guantanamo, who was sent there at the age of 14. His is a case closely followed by the Canada branch of Amnesty International.
Mr. Khadr has stated to Portuguese weekly newspaper EXPRESSO that on the way from
(Bosnia) the plane carrying him landed in Santa Maria (Azores) on November 7, 2003, and someone came into the plane. The documents sent by the Portuguese authorities confirm the stop-over in Santa Maria of plane N85VM, on that night and that there were 6 passengers and 4 crew on board. The authorization for the «commercial reopening» of the airport in an «after hours» period was delivered in a matter of hours. Correspondence with the «handler» SATA mentions the crew is lead by a Captain Colton.
7. The N85VM also landed in Santa Maria several times from 25/7/04 to 31/7/04. Coming from the USA, it flew from Santa Maria-Lybia, Rabat- Santa Maria with 5 passengers, and departed to Guantanamo on 31/7/04 also with 5 passengers.
8. The same GULF IV, but under later number plate N227SV, landed in Lisbon and was stationed in Cascais for 3 days, between 15/5/05 and 17/5/05. It brought 4 passengers. The urgent authorization request by the Portuguese «handler» mentions as purpose «contacts with MOD».
9. The N829MG (or N259SK) and the rendition of MAHER ARAR
This plane landed at least 7 times in SANTA MARIA, from 27/02/03 and 16/07/2003. It passed Santa Maria and stayed overnight when it came back from the rendition of Canadian citizen MAHER ARAR to Amman on 9/10/2002.
10. Plane N313P landed in Porto on 24.08.03 coming from Algiers, and left to Baku on 25.08.03.
(This plane was involved in the rendition of Mr. Khaled Al Masri in another occasion). Although the flight log for arrival indicated that there were no passengers on board, the communication between the company responsible for the flight (Jeppesen Dataplan) and the handler of the flight (Servisair) specifically mentions "6 crew, 12 pax in/0 out". This communication also mentions a «Captain James Fairing» and says «please assist crew to/from Le Meridien Oporto where reservations have already been requested». Captain Fairing's name already came up in the investigation of collusion between the Italian secret services and the CIA in the 'extraordinary rendition'-affair, led by Milan Prosecutor.
As for the Meridien Hotel in Porto, I have been insisting that it provides guest records for those dates, to no avail so far.
11. N8213G - Hercules C130
From 24/1/02 e 26/1/05 this plane landed at least 26 times in PONTA DELGADA (Azores) and 2 times in PORTO.
12. N882Z flew from NYC - Porto - Livingstone on 23/24 December 2004 and Windhoek-Porto-Washington on 1/1/05. With 16 declared passengers on board.
13. Press reports, namely by weekly EXPRESSO, on 28October 2006, that Portuguese Comercial Air Companies AIR LUXOR and YES were hired to transport hundreds of people expelled extra-judicially from the USA, for alleged suspicion of terrorism. I am still expecting reactions from Portuguese authorities.
14. Several civilian/commercial planes listed as involved in the «extraordinary renditions» passed the Airport of Lajes (Azores), a military civilian airport at a Portuguese-American Air Base.
15. Three «ambulance flights» landed at Lajes, including one from Dahkla (Moroccan occupied Western Sahara) to St John's, on 12/11/2003.
16. Evergreen and Polar Air Cargo - companies associated with the CIA - flew regularly to Lajes in flights listed as civilian «technical stop overs».
17. Dozens of US military flights use regularly Lajes every month. I could still not be provided with information on how many of them were headed or came from Guantanamo.
I will, of course, be glad to show anyone the sources of all this information.
II -
Maybe many of these flights are harmless. Maybe not. I believe it is essential to use the TDIP delegation to Portugal in order to clarify many still opaque details.
When going to Portugal, the mission of the TDIP Committee should therefore focus on three elements:
1. Passenger lists and airport controls:
In terms of substance, we should focus on the only kind of information the Portuguese authorities have so far not provided - the passenger and crew lists of all those suspicious flights where passport controls took place. Access to these lists would also be important to assist judicial investigations going on in several countries regarding the crews and other staff involved in 'renditions'. More generally, the contradictory information sent by the different airport authorities (or even by the same authorities at different points in time) seems to indicate that there are some serious gaps in the system. These need to be highlighted;
2. The Azores: as you see, the archipelago seems to be an important point of passage for many suspicious transatlantic flights. I believe it would be extremely useful to visit the airports of Ponta Delgada, Santa Maria, or eventually, if possible, also the Portuguese/US military airport in Lajes, on the island of Terceira. 0ne day of the mission could be dedicated to the Azores.
3. Finally (and most importantly) - officials: taking into account the dates of the great majority of the suspicious flights, it is vital to arrange meetings with those that were politically and technically responsible for the Portuguese secret services, border controls etc. in previous governments, as well.
What follows is a list of names I have already sent to President Carlos Coelho and Rapporteur Claudio Fava on November 14. The point is not meeting all of them, but rather to have a long list of options in the likely case that some will be unavailable to meet us.
Heads of SIS (the Portuguese Internal Intelligence Services) since 2001:
1. Judge José A. Teles Pereira (29.3.2001 - 31.7.2003)
2. Mr. Arménio Marques Ferreira (Assistant Director and Director-General from 1.8.2003 to 29.1.2004 - this period includes the flight through Santa Maria that carried ABDURAHMAN KHADR)
3. Judge Margarida Blasco (30.1.2004 - 13.10.2005)
4. Judge Antero Luis (13.10.2005 - ) - meeting already requested
Heads of SEF (Border Control):
1. Mr. Júlio Pereira (2001 - 2003)
2. Mr. Gabriel Catarino (October 2003 -April 2005)
3. Mr. Manuel Jarmela Palos (April 2005- ) - meeting already requested .
Heads of SEF and DGA (customs) at the airports of Porto and the Azores region (Ponta Delgada, Santa Maria and Lajes)
1. SEF Porto - Ms. Linda Chaves
2. DGA Porto - Ms. Paula Soares
3. SEF Azores - Mr. Francisco Manuel Maldonado Pereira
4. DGA Azores - Mr. Américo Sousa Filipe
Portuguese commanders of the Portuguese/US base in Lajes (island of Terceira, Azores), which also receives civilian flights
Air Base no. 4
1. Colonel Francisco Baptista (2002-2004)
2. Colonel Silvio Sampaio (2006 -)
Azores flight zone
1. Major-General Antunes de Andrade (2002-2004)
2. Major-General Pereira da Cruz (2006 -)
Of course, it would be most useful to meet the person that actually had the political responsibility for both SEF and SIS in the crucial period of 2002-2004:
Mr. Figueiredo Lopes was Minister for Internal Affairs between April 2002 and July 2004.
No investigation on these flights in Portugal would be complete without a meeting with the person politically responsible for the use of the Lajes Base and the Azores flight zone during the period when most suspicious flights took place (between 2002 and 2004): Mr. Paulo Portas, currently a Member of the National Parliament was Minister of Defence from April 2002 to March 2005.
Finally, there are two Portuguese investigative journalists working on this topic - Mr. Micael Pereira and Ricardo Lourenço - who should be heard by the Delegation visiting Portugal.
To conclude, let me remind you that in the case of Portugal we will not be starting from scratch. We can base our investigations on solid evidence, which results from a simple exercise of cross-referencing between the information the Portuguese authorities have sent to the Committee, through President Coelho and to myself, and the EUROCONTROL data and other elements, on the other.
Best regards,
Ana Gomes, MEP
P.S: You will find in attachment a letter and list of questions I am sending today to the Portuguese Foreign Minister, following-up on the response provided to my previous requests for information».
"Dear Mr. President, Dear All
I would like to share with you a summary of the information I have been gathering about Portugal in the context of the work of the TDIP Committee, based both on the EUROCONTROL data and on elements obtained from the Portuguese Government.
From the data provided in reply to my enquiries by the Portuguese Foreign Ministry, with substantive input of Ministries responsible for the oversight of airport controls, a worrying picture is emerging of the role Portugal played in the 'extraordinary renditions' programme since 2001.
In other words, we - as a Committee - need to take a good look at Portugal. The TDIP Committee should consider the information I am presenting and dedicate some time, resources and attention to the upcoming visit to Portugal. I believe it is the credibility of the Committee itself which is at stake here.
As to the information itself:
1. The N379P («Guantanamo Express») and the rendition of ABOU ELKASSIM BRITEL
Italian citizen Britel was arrested in Islamabad and flown to Rabat (where he was jailed and later «disappeared») on 24/25 May 2002 in plane N379P, known as the «Guantanamo Express». Interestingly, this same plane flew from Rabat to Porto on the same 25.5.02. and from there to Washington on 26.5.02.
This is the same plane, by the way, that flew Egyptians Ahmed Aziza and Mohammed Al-Zari to Cairo, handed to the CIA by the Swedish government.
This plane landed at least 13 times in Porto between 25/5/02 and 9/6/05, often staying overnight.
It is confirmed that many of these flights had passengers in them, although the authorities have not yet provided any passenger or crew lists, despite my repeated requests - even when flight logs handed by the authorities explicitly show that passport controls were performed. Some of those cases are:
2. The N379P landed in Porto on 19.5.2003, coming from Cairo.
It was identified as a «foreign state» flight and declared 6 passengers on board. This plane stayed in Porto for three days and proceeded (as a «commercial flight») to Algiers-Kabul-Algiers, landing back in Porto on 23.5.05 - without passengers. Passport controls were performed by the Portuguese authorities before take-off to Algiers, but no passenger lists have been made available.
3. N379P landed in Porto flying between Bagdad and Washington on 29/30 October 2003, with 6 passengers who were tax-exempted at arrival, but were controlled and made to pay tax upon departure. (This, by the way, happened with passengers of several other flights by this and other «civilian commercial planes» passing by Portuguese airports).
4. The N379P landed in Porto on 2.12.2003 coming from Washington, with 5 passengers on board. The next day, it flew to Rabat and from there to Guantanamo. Again, no passenger list has been made available, despite proof of passport controls.
5. N8068V landed in Porto on 17.02.04 coming from Amman, on its way to Washington. It is the the same "Guantanamo Express", but under new number plate. According to EUROCONTROL, this plane had flown (between 14 and 17 February) from Amman to Kabul and back to Amman, before flying to Porto. The flight logs are ambiguous about whether there were passengers on board of this flight or not.
6. The N85VM and the rendition of Canadian citizen ABDURAHMAN KHADRIt is the same GULF IV (later N227SV), one should recall, that took Abu Omar, the Egyptian cleric kidnapped from Milan, from Ramstein to Cairo on 17/2/2003. It also took Mr. Khadr from Guantanamo to Tuzla (Bosnia) on 7 November 2003.
Mr. Khadr has confirmed he is a son of an Al-Qaeda top operative. He was arrested in Afghanistan right after 9/11, when he was only aged 17, and later agreed to cooperate with the CIA with a promise to be released and get back to Canada. Despite that, in Guantanamo, where he arrived while he was still underage, he was subject to torture and degrading treatment. He then was brought to Tuzla (Bosnia) to assist the CIA uncovering jihadists and managed to go back to Canada. Mr. Khadr still has a brother in Guantanamo, who was sent there at the age of 14. His is a case closely followed by the Canada branch of Amnesty International.
Mr. Khadr has stated to Portuguese weekly newspaper EXPRESSO that on the way from
(Bosnia) the plane carrying him landed in Santa Maria (Azores) on November 7, 2003, and someone came into the plane. The documents sent by the Portuguese authorities confirm the stop-over in Santa Maria of plane N85VM, on that night and that there were 6 passengers and 4 crew on board. The authorization for the «commercial reopening» of the airport in an «after hours» period was delivered in a matter of hours. Correspondence with the «handler» SATA mentions the crew is lead by a Captain Colton.
7. The N85VM also landed in Santa Maria several times from 25/7/04 to 31/7/04. Coming from the USA, it flew from Santa Maria-Lybia, Rabat- Santa Maria with 5 passengers, and departed to Guantanamo on 31/7/04 also with 5 passengers.
8. The same GULF IV, but under later number plate N227SV, landed in Lisbon and was stationed in Cascais for 3 days, between 15/5/05 and 17/5/05. It brought 4 passengers. The urgent authorization request by the Portuguese «handler» mentions as purpose «contacts with MOD».
9. The N829MG (or N259SK) and the rendition of MAHER ARAR
This plane landed at least 7 times in SANTA MARIA, from 27/02/03 and 16/07/2003. It passed Santa Maria and stayed overnight when it came back from the rendition of Canadian citizen MAHER ARAR to Amman on 9/10/2002.
10. Plane N313P landed in Porto on 24.08.03 coming from Algiers, and left to Baku on 25.08.03.
(This plane was involved in the rendition of Mr. Khaled Al Masri in another occasion). Although the flight log for arrival indicated that there were no passengers on board, the communication between the company responsible for the flight (Jeppesen Dataplan) and the handler of the flight (Servisair) specifically mentions "6 crew, 12 pax in/0 out". This communication also mentions a «Captain James Fairing» and says «please assist crew to/from Le Meridien Oporto where reservations have already been requested». Captain Fairing's name already came up in the investigation of collusion between the Italian secret services and the CIA in the 'extraordinary rendition'-affair, led by Milan Prosecutor.
As for the Meridien Hotel in Porto, I have been insisting that it provides guest records for those dates, to no avail so far.
11. N8213G - Hercules C130
From 24/1/02 e 26/1/05 this plane landed at least 26 times in PONTA DELGADA (Azores) and 2 times in PORTO.
12. N882Z flew from NYC - Porto - Livingstone on 23/24 December 2004 and Windhoek-Porto-Washington on 1/1/05. With 16 declared passengers on board.
13. Press reports, namely by weekly EXPRESSO, on 28October 2006, that Portuguese Comercial Air Companies AIR LUXOR and YES were hired to transport hundreds of people expelled extra-judicially from the USA, for alleged suspicion of terrorism. I am still expecting reactions from Portuguese authorities.
14. Several civilian/commercial planes listed as involved in the «extraordinary renditions» passed the Airport of Lajes (Azores), a military civilian airport at a Portuguese-American Air Base.
15. Three «ambulance flights» landed at Lajes, including one from Dahkla (Moroccan occupied Western Sahara) to St John's, on 12/11/2003.
16. Evergreen and Polar Air Cargo - companies associated with the CIA - flew regularly to Lajes in flights listed as civilian «technical stop overs».
17. Dozens of US military flights use regularly Lajes every month. I could still not be provided with information on how many of them were headed or came from Guantanamo.
I will, of course, be glad to show anyone the sources of all this information.
II -
Maybe many of these flights are harmless. Maybe not. I believe it is essential to use the TDIP delegation to Portugal in order to clarify many still opaque details.
When going to Portugal, the mission of the TDIP Committee should therefore focus on three elements:
1. Passenger lists and airport controls:
In terms of substance, we should focus on the only kind of information the Portuguese authorities have so far not provided - the passenger and crew lists of all those suspicious flights where passport controls took place. Access to these lists would also be important to assist judicial investigations going on in several countries regarding the crews and other staff involved in 'renditions'. More generally, the contradictory information sent by the different airport authorities (or even by the same authorities at different points in time) seems to indicate that there are some serious gaps in the system. These need to be highlighted;
2. The Azores: as you see, the archipelago seems to be an important point of passage for many suspicious transatlantic flights. I believe it would be extremely useful to visit the airports of Ponta Delgada, Santa Maria, or eventually, if possible, also the Portuguese/US military airport in Lajes, on the island of Terceira. 0ne day of the mission could be dedicated to the Azores.
3. Finally (and most importantly) - officials: taking into account the dates of the great majority of the suspicious flights, it is vital to arrange meetings with those that were politically and technically responsible for the Portuguese secret services, border controls etc. in previous governments, as well.
What follows is a list of names I have already sent to President Carlos Coelho and Rapporteur Claudio Fava on November 14. The point is not meeting all of them, but rather to have a long list of options in the likely case that some will be unavailable to meet us.
Heads of SIS (the Portuguese Internal Intelligence Services) since 2001:
1. Judge José A. Teles Pereira (29.3.2001 - 31.7.2003)
2. Mr. Arménio Marques Ferreira (Assistant Director and Director-General from 1.8.2003 to 29.1.2004 - this period includes the flight through Santa Maria that carried ABDURAHMAN KHADR)
3. Judge Margarida Blasco (30.1.2004 - 13.10.2005)
4. Judge Antero Luis (13.10.2005 - ) - meeting already requested
Heads of SEF (Border Control):
1. Mr. Júlio Pereira (2001 - 2003)
2. Mr. Gabriel Catarino (October 2003 -April 2005)
3. Mr. Manuel Jarmela Palos (April 2005- ) - meeting already requested .
Heads of SEF and DGA (customs) at the airports of Porto and the Azores region (Ponta Delgada, Santa Maria and Lajes)
1. SEF Porto - Ms. Linda Chaves
2. DGA Porto - Ms. Paula Soares
3. SEF Azores - Mr. Francisco Manuel Maldonado Pereira
4. DGA Azores - Mr. Américo Sousa Filipe
Portuguese commanders of the Portuguese/US base in Lajes (island of Terceira, Azores), which also receives civilian flights
Air Base no. 4
1. Colonel Francisco Baptista (2002-2004)
2. Colonel Silvio Sampaio (2006 -)
Azores flight zone
1. Major-General Antunes de Andrade (2002-2004)
2. Major-General Pereira da Cruz (2006 -)
Of course, it would be most useful to meet the person that actually had the political responsibility for both SEF and SIS in the crucial period of 2002-2004:
Mr. Figueiredo Lopes was Minister for Internal Affairs between April 2002 and July 2004.
No investigation on these flights in Portugal would be complete without a meeting with the person politically responsible for the use of the Lajes Base and the Azores flight zone during the period when most suspicious flights took place (between 2002 and 2004): Mr. Paulo Portas, currently a Member of the National Parliament was Minister of Defence from April 2002 to March 2005.
Finally, there are two Portuguese investigative journalists working on this topic - Mr. Micael Pereira and Ricardo Lourenço - who should be heard by the Delegation visiting Portugal.
To conclude, let me remind you that in the case of Portugal we will not be starting from scratch. We can base our investigations on solid evidence, which results from a simple exercise of cross-referencing between the information the Portuguese authorities have sent to the Committee, through President Coelho and to myself, and the EUROCONTROL data and other elements, on the other.
Best regards,
Ana Gomes, MEP
P.S: You will find in attachment a letter and list of questions I am sending today to the Portuguese Foreign Minister, following-up on the response provided to my previous requests for information».