30 de junho de 2015
A crise da Grécia pode destruir a UE
Por Ana Gomes
A crise na Grécia não é só económica, nem só grega: é a mais grave crise política da União Europeia. Com consequências mundiais tão aterradoras que alarmam Rússia e China. E o Presidente Obama, bem lembrado do que implicou em 2008 a bancarrota de um só banco e não de um país, não larga o telefone da Senhora Merkel para a convencer a não dar ouvidos ao perigoso Dr. Strangelove que ela tem nas Finanças e que há meses vem defendendo e organizando o Grexit - a saída da Grécia do euro.
As reviravoltas dramáticas a que assistimos na ultima semana neste processo de negociação, com um Estado que representa menos de 2% do PIB da UE, espelham a falta de uma liderança política com sentido estratégico, nesta UE sob hegemonia alemã: basta citar o grande filósofo alemão Jürgen Habermas que há cinco dias escrevia no "Le Monde" um artigo intitulado "Porque é que Angela Merkel está errada na Grécia " sublinhando que "o escândalo dentro do escândalo é o modo como o governo alemão entende o seu papel de liderança. A Alemanha é devedora, pelo estímulo à sua recuperação económica, da qual ainda hoje beneficia, da sabedoria das nações credoras que, no acordo de Londres de 1953, perdoaram metade da sua dívida". Nota ainda que o fundo da questão não é o embaraço moral, mas a essência politica: "As elites políticas na Europa não devem mais esconder dos seus eleitores as alternativas colocadas por uma união monetária incompleta. São os cidadãos, e não os bancos, que devem ter a palavra final em questões existenciais para a Europa".
Mas os governos europeus, Comissão e BCE não estão nem aí: no princípio da semana passada, Comissão e Conselho da UE trombeteavam que o acordo com a Grécia estava por horas. Logo veio o FMI fazer exigências inaceitáveis para os gregos e seguiram-se mais manobras para humilhar o governo do Syriza - que, apesar de ter poucos amigos em Bruxelas, pareceu aplicar-se a fazer ...mais inimigos!
Encurralado com propostas que sabia incompatíveis com o mandato que lhe conferira o povo grego e que mais enterrariam a Grécia porque não resolviam a impagável dívida, Tsipras entendeu devolver a palavra ao povo e anunciou o referendo. No sábado, o Eurogrupo, reunindo os ministros das Finanças - mas certamente com poucos adultos na sala (para usar a imagem da Sra. Lagarde) - expulsava ilegalmente o ministro das Finanças grego, retaliando! Os líderes políticos europeus têm medo do exercício da democracia: já é o segundo referendo que rejeitam na Grécia. Agora que o Parlamento grego foi por diante e o aprovou, tudo farão para condicionar pela chantagem e pelo temor o voto do povo grego.
O governo de Tsipras, compreensívelmente, recusou aceitar dos credores (cujas ameaças fizeram desaparecer dos cofres gregos cerca de 40 mil milhões de Euros só neste ano) um balão de oxigénio para pagar até hoje, 30 de junho, 1.600 milhões de € ao FMI . A dívida pública da Grécia é 200 vezes maior. Os gregos estão fartos de ver dinheiro que entra num dia, para sair no dia seguinte, com destino aos mesmíssimos credores, enquanto o povo amarga e a Grécia não sai da recessão e cada vez se endivida. É compreensível e racional que depois de 5 anos de fracassos de programas da troika - tal como o que foi imposto em Portugal- os gregos queiram seguir por outro caminho. É natural que depois de perderem 40 por cento do nível de vida, de atingirem 25 por cento de desempregados (e 50 por cento de desemprego nos jovens), os gregos tenham a ambição de construir uma nova economia num país devastado. Eles sabem - tal como nós portugueses tambem sabemos - que isso não se consegue só com mais cortes e mais austeridade. O Siryza não é responsável pela corrupção reinante, pela disfuncionalidade do estado grego, nem pelas reformas da Troika falhadas. O Syriza quer fazer reformas e tem legitimidade democrática para isso. Mas a UE alemã quer afastar Tsipras do poder, tal como antes afastou Papandreou, levando a destruição do Pasok.
Tsipras propôs, por exemplo, cortar nas despesas da Defesa. A Troika e o Eurogrupo rejeitaram. A Grécia tem a terceira !!! maior despesa militar entre os 28, em parte por causa de 4 submarinos vendidos pela Alemanha e de vários navios de guerra vendidos pela França, já com as contas da Grécia à beira do naufrágio. As instituições não deixaram cortar nessas despesas e querem que a Grécia faça mais cortes nas pensões e na Segurança Social. Tal como o governo de Passos Coelho e Portas quer fazer em Portugal. A Grécia quer aumentar impostos sobre os mais ricos e sobre as empresas com lucros anuais superiores a meio milhão de €. A troika e o Eurogrupo dizem que não pode ser. Em troca, dizem que é preciso aumentar, por exemplo, o IVA das ilhas gregas, o que seria uma machadada fatal no turismo - o único setor da economia com alguma dinâmica.
Qualquer que seja a opinião que se tiver sobre Tsipras e o Syriza, é preciso reconhecer uma coisa: o povo grego tem direito a não ser governado pelo FMI, pelo Eurogrupo ou pela Alemanha.
E por cá? Ao longo dos ultimos 5 meses, governo e Presidente da República desvalorizaram as consequências para Portugal da falta de um acordo entre a Grécia e os credores. A oposição dos governos português e espanhol a qualquer concessão dos credores à Grécia demonstrou essa cegueira.
Com o aproximar da campanha eleitoral, acrescentaram às teses do bom aluno da troika, dos cofres cheios, ou da almofada de segurança, a da blindagem de Portugal à especulação nos mercados e o respeito destes pelo pretenso sucesso do ajustamento português. Na verdade, a posição de Portugal nos mercados é extremamente vulnerável: logo no primeiro dia das medidas de controlo de capitais tomadas na Grécia, o risco da dívida de Portugal subiu 20 pontos percentuais, forçando o Presidente da República a vir reconhecer que afinal existe mesmo risco de "contágio", brindando-nos ainda com uma tirada à Américo Tomás a de que "se a Grécia sair, o euro passa de 19 para 18 membros"...
Por mais que Governo, Presidente e escribas de serviço insistam no vergonhoso "chega-para-lá" aos gregos, a verdade é que Portugal e Grécia estão ligados por um cordão umbilical chamado União Económica e Monetária.
Que, tal como está, não funciona. A emergência de dois controlos de capitais, dentro da zona €, em apenas dois anos, mostra-o. Em 2013 com Chipre, agora com a Grécia, fica demonstrado que a União Econónica e Monetária está incompleta e precisa de obras urgentes. O relatório dos 5 presidentes - Presidente do Conselho Europeu, da Comissão Europeia, do BCE, do Eurogrupo e do PE, há dias publicado, aponta já nesse sentido. Estas obras implicam mudar os Tratados, se o euro sobreviver. E pode não sobreviver à crise da Grécia.
Esta não é só a mais grave crise de uma União Económica e Monetária disfuncional, onde se agravaram divergências macroeconómicas entre membros da moeda única, atolada em políticas erradas e arrasadoras dos seus valores, objectivos e do próprio potencial europeu. A Europa à beira de perder a Grécia é a mesma incapaz de se organizar para combater o terrorismo, guerras e outras ameaças à sua volta, de dar acolhimento a refugiados desesperados e a migrantes de que precisa e de proporcionar segurança, emprego, justiça, confiança e esperança aos seus cidadãos.
Se a UE perder a Grécia, destrói o euro e a própria União. Realmente, destrói-se!
(Notas em que me baseei para a minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)
23 de junho de 2015
Angola - Direitos Humanos e Democracia interessam a Portugal
Por Ana Gomes
"Em 28 de maio de 2015, o tribunal provincial de Luanda condenou o corajoso jornalista Rafael Marques a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos, pelo livro "Diamantes de Sangue" - que teve de publicar em Portugal porque nenhuma editora angolana aceitou publicar denúncias de corrupção e de violações de direitos humanos contra generais do poder.
Dois meses antes, a 14 de Março, o ativista de direitos humanos José Marcos Mavungo e o advogado Arão Bula Tempo foram detidos em Cabinda, por organização de uma manifestação pacífica no enclave, conhecido pela riqueza petrolífera. Foram acusados da prática de crimes contra a segurança do Estado e o primeiro continua preso.
No mês seguinte, em Abril, centenas de pessoas foram mortas durante uma incursão da polícia no Monte Sumi, na província do Huambo, contra os seguidores do líder da seita religiosa "Luz do Mundo", José Kalupeteka. A polícia só confirmou a morte de 7 pessoas, mas há imagens horríficas do massacre, que não ter despoletou qualquer investigação por parte do Estado angolano. Há relatos de que a polícia continua atrás dos sobreviventes, incluindo em clínicas e hospitais, para os silenciar definitivamente. Só uma investigação internacional independente poderá apurar o que efectivamente se passou e se está a passar. Recentemente eu e mais 36 eurodeputados escrevemos uma carta ao Presidente José Eduardo dos Santos instando Angola a aceitar essa investigação internacional.
No passado fim de semana, a Polícia angolana prendeu treze ativistas pró-democracia que estavam reunidos em Luanda, entre os quais Nito Alves, que já tinha sido preso por alegado ultraje ao Presidente em 2013. Cada um dos presos foi posteriormente levado, algemado, à sua residência, e foi apreendido material eletrónico, pessoal e profissional, sem qualquer mandado de captura. Não se sabe ainda onde estarão alguns dos detidos.
Há mais de 200.000 portugueses a trabalhar em Angola, muitos forçados a emigrar pelas políticas desastrosas deste Governo, muitos por isso inclinados a não ver, não ouvir e, sobretudo, a estar calados sobre os desmandos que vêm praticar em Angola, alguns coniventes na prática de crimes de corrupção espoliadora do povo angolano.
Preocupo-me com os portugueses em Angola: não quero mais ver, como vi em 74/75, compatriotas voltar em aflição, só com a roupa que tinham no corpo. Ora, quando chegar a hora da sucessão do actual Presidente, pode haver "maka" da grossa, vindo a sobrar para portugueses a jeito, com destaque para os vistos como coniventes.
Por isso, convinha que Portugal atentasse e falasse.
Não conto com este Governo sequer para lembrar que Angola é parceiro da União Europeia ao abrigo do Acordo de Cotonou, com diálogo político reforçado, incluindo obrigações e compromissos de direitos humanos e princípios democráticos que são para ser respeitados. Não conto com um Governo incapaz de defender os interesses financeiros portugueses da roubalheira através do sistema angolano, como aconteceu no BESA e não só.
Cada vez, confesso, conto menos com a imprensa - sei como o controlo económico dos media portugueses por interesses angolanos visa obrigá-los a silenciar. E por isso presto tributo aos jornalistas e aos media que não se intimidam e publicam, como hoje o Jornal "Público" noticia as mais recentes prisões.
Conto, sobretudo, com os portugueses com memória, com vergonha e com sentido de solidariedade para com o povo angolano. Conto com a capacidade deles para romper o cerco, para denunciar e pressionar, designadamente através das redes sociais.
O aumento da repressão política e policial e do assédio judicial contra os angolanos em nada pode servir os interesses de Portugal, das empresas portuguesas e dos milhares de portugueses a viver e trabalhar em Angola".
(Minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)
16 de junho de 2015
Martifer/ENVC - "ajustes directos" do MDN
Por Ana Gomes
O Ministro da Defesa Aguiar Branco chegou a dizer em 2013 que a necessidade de subconcessão dos Estaleiros se devia a uma decisão da CE – decisão que, à data, ainda não tinha sido tomada. E defendeu que a subconcessão a privados era a única forma de salvar o sector da construção e reparação naval em Portugal, porque os endividados Estaleiros não poderiam devolver as ajudas - sugerindo até que o dinheiro teria de ser devolvido a Bruxelas: uma fábula, porque se tivesse de haver devolução era do Estado - os Estaleiros eram 100 por cento Estado - ao Estado, que lhes havia adiantado os fundos.
Isto apesar da própria CE, em comunicações de Janeiro e de Abril de 2013, apontar um leque de justificações que o Governo podia apresentar para explicar que as transferências financeiras do Estado para os ENVC estavam em conformidade com o direito europeu. Nomeadamente, a declaração da "empresa em dificuldades" e a apresentação de um "Plano de Reestruturação".
Só que o Governo não accionou qualquer tentativa de reestruturação. Nem sequer invocou junto da CE o facto de os ENVC terem em carteira encomendas para construírem navios para a Marinha portuguesa, incluindo dois NPO - Navios Patrulha Oceânicos – o que por só si também justificava transferências financeiras do Estado para os ENVC, nos termos do Tratados europeus.
Porque o que o Governo queria era mesmo passar os Estaleiros para mãos privadas. E para que não houvesse justificações aos olhos de Bruxelas, o Governo cancelou subitamente em 2012 os contratos celebrados pelo Estado com os ENVC em 2004, apesar de dizerem respeito à construção de navios muito necessários à Marinha Portuguesa, inscritos em Lei de Programação Militar.
Entretanto, há uns meses, farta de esperar por justificações, a Comissão declarou as tais ajudas de Estado ilegais - o que permitiu ao Ministro vir fazer a rábula de que tinha tido razão, ao mesmo tempo anunciando que prescindia da devolução do dinheiro pelos extintos Estaleiros Navais de Viana do Castelo...
Até aqui nada de novo. Sucede, porém, que no dia 8 deste mês foi publicada uma Resolução do Conselho de Ministros que autoriza a Marinha Portuguesa a adjudicar a construção de dois navios-patrulha oceânicos (NPO), por ajuste directo, por um valor de até 77 milhões de euros. Imaginem a quem: à West Sea, do Grupo Martifer! - o mesmo grupo empresarial que ganhou a subconcessão dos terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), único concorrente ao concurso de subconcessão, que foi opacamente gerido pelo BESI/Grupo Espírito Santo, em nome do Ministério da Defesa Nacional. Um concurso tão opaco que me levou, em Dezembro de 2013, a apresentar queixa à PGR (e corre ainda um inquérito por suspeita de crimes económicos).
A Resolução do Conselho de Ministros, de 8 de Junho de 2015, adjudicando, sem procedimento concursal, a construção de dois NPO à West Sea/Martifer, surge no seguimento de um conjunto de decisões tomadas pelo actual Ministro da Defesa de claro favorecimento do Grupo privado Martifer. O Ministro da Defesa Nacional que cancelou os contratos de construção dos NPO para a Marinha portuguesa, celebrados com os ENVC em 2004, vem, agora, fazê-los renascer com benefício direto e incontestado, sem concurso público, para a WestSea/Martifer. Já não tem sequer a preocupação de salvaguardar a “propriedade do Estado” dos projectos e documentos de suporte da construção de navios de guerra - que a anterior Resolução do Conselho de Ministros 79/2012 sublinhava dever ser salvaguardada, pois a construção destes navios “exige um acompanhamento especial por razões essenciais de segurança”.
Esta é a razão por que hoje mesmo voltei a escrever á Senhora Procuradora Geral da República e escrevi ao Presidente do Tribunal de Contas e às Comissárias europeias da competitividade e da indústria, pedindo resposta a diversas perguntas:
1. Sobre se as decisões do atual Governo de favorecimento do Grupo Martifer não constituirão "ajudas de Estado" proibidos pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
2. Sobre se vai ser averiguada a legalidade da escolha do ajuste direto, enquanto procedimento de adjudicação da construção de dois NPO à WestSea, face às normas e procedimentos constantes da Diretiva 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de serviços por autoridades ou entidades adjudicantes nos domínios da segurança e defesa.
3. Sobre se os desenhos e projectos dos NPO que são "propriedade do Estado" (e custaram-lhe milhões de euros) vão ser cedidos pelo Estado à WestSea/Martifer para que os possa construir ? E pagará esta um preço? Ou o Estado vai ceder os desenhos gratuitamente?
Porque o que o Governo queria era mesmo passar os Estaleiros para mãos privadas. E para que não houvesse justificações aos olhos de Bruxelas, o Governo cancelou subitamente em 2012 os contratos celebrados pelo Estado com os ENVC em 2004, apesar de dizerem respeito à construção de navios muito necessários à Marinha Portuguesa, inscritos em Lei de Programação Militar.
Entretanto, há uns meses, farta de esperar por justificações, a Comissão declarou as tais ajudas de Estado ilegais - o que permitiu ao Ministro vir fazer a rábula de que tinha tido razão, ao mesmo tempo anunciando que prescindia da devolução do dinheiro pelos extintos Estaleiros Navais de Viana do Castelo...
Até aqui nada de novo. Sucede, porém, que no dia 8 deste mês foi publicada uma Resolução do Conselho de Ministros que autoriza a Marinha Portuguesa a adjudicar a construção de dois navios-patrulha oceânicos (NPO), por ajuste directo, por um valor de até 77 milhões de euros. Imaginem a quem: à West Sea, do Grupo Martifer! - o mesmo grupo empresarial que ganhou a subconcessão dos terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), único concorrente ao concurso de subconcessão, que foi opacamente gerido pelo BESI/Grupo Espírito Santo, em nome do Ministério da Defesa Nacional. Um concurso tão opaco que me levou, em Dezembro de 2013, a apresentar queixa à PGR (e corre ainda um inquérito por suspeita de crimes económicos).
A Resolução do Conselho de Ministros, de 8 de Junho de 2015, adjudicando, sem procedimento concursal, a construção de dois NPO à West Sea/Martifer, surge no seguimento de um conjunto de decisões tomadas pelo actual Ministro da Defesa de claro favorecimento do Grupo privado Martifer. O Ministro da Defesa Nacional que cancelou os contratos de construção dos NPO para a Marinha portuguesa, celebrados com os ENVC em 2004, vem, agora, fazê-los renascer com benefício direto e incontestado, sem concurso público, para a WestSea/Martifer. Já não tem sequer a preocupação de salvaguardar a “propriedade do Estado” dos projectos e documentos de suporte da construção de navios de guerra - que a anterior Resolução do Conselho de Ministros 79/2012 sublinhava dever ser salvaguardada, pois a construção destes navios “exige um acompanhamento especial por razões essenciais de segurança”.
Esta é a razão por que hoje mesmo voltei a escrever á Senhora Procuradora Geral da República e escrevi ao Presidente do Tribunal de Contas e às Comissárias europeias da competitividade e da indústria, pedindo resposta a diversas perguntas:
1. Sobre se as decisões do atual Governo de favorecimento do Grupo Martifer não constituirão "ajudas de Estado" proibidos pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
2. Sobre se vai ser averiguada a legalidade da escolha do ajuste direto, enquanto procedimento de adjudicação da construção de dois NPO à WestSea, face às normas e procedimentos constantes da Diretiva 2009/81/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativa à
coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de serviços por autoridades ou entidades adjudicantes nos domínios da segurança e defesa.
3. Sobre se os desenhos e projectos dos NPO que são "propriedade do Estado" (e custaram-lhe milhões de euros) vão ser cedidos pelo Estado à WestSea/Martifer para que os possa construir ? E pagará esta um preço? Ou o Estado vai ceder os desenhos gratuitamente?
(Minhas notas para a habitual crónica às terças-feiras no Conselho Superior, ANTENA 1. Esta manhã)
9 de junho de 2015
O drama grego pode dar tragédia na Europa!
Por Ana Gomes
"Discordo inteiramente do comentário do António Costa que me precedeu (o ex-director do "Diario Economico") . Discordo de que o resultado do drama grego seja só o dracma.
Essa é a lógica que serve o discurso do governo português, que continua a apostar na queda do governo grego: o mau aluno tem de ser punido, é a lógica do suposto bom aluno! Na verdade, do mau colega! O governo do PSD-CDS quer ser o bom aluno da Alemanha e acha que a punição da Grécia por ter resistido aos credores equivale a um louvor - pela sua total submissão aos mesmos credores (inclusive aceitando juros e condições mais punitivas que outros países, como ainda há dias demonstrava, fazendo contas e comparando, o ex-ministro das Finanças Bagão Félix).
Passos Coelho e Paulo Portas não perdem uma ocasião para mostrar a Grécia como ovelha ronhosa da Europa e para arrasar os gregos. Ainda neste fim de semana, a ministra das Finanças, a propósito (ou despropósito...) de um pagamento que Portugal irá antecipar ao FMI, voltou a atacar a Grécia, disparando : "enquanto nós antecipamos pagamentos, outros adiam...".
Para além da desumanidade de atacar um povo em dificuldades e da grosseria de atacar gratuitamente um parceiro de Portugal (na União Europeia e na NATO ), o Governo português parece não entender que, caso os mercados financeiros voltem a entrar em ebulição na Europa, o próximo alvo será Portugal.
O governo quer iludir-nos sobre as verdadeiras causas do acesso fácil de Portugal aos mercados financeiros hoje. Que se deve exclusivamente à compra de dívida soberana que o BCE começou a fazer há 2 anos e, mais recentemente, ao chamado "canhão-Draghi", ou seja, ao programa de "quantitive easing" - a injecção massiva de liquidez na economia europeia reforçando essas compras, para contrariar o efeito recessivo das desastrosas políticas de austeridade. Mas, de facto, apesar de toda a prosápia do governo, o rating da República Portuguesa nas 3 principais agências mundiais mantém-se no nível "lixo".
Ou seja, se não fosse a intervenção do BCE, o tesouro português estaria barrado pelo rating "lixo" da Moody's, da Standard & Poor's e da Fitch. Salvou-nos nos últimos 2 anos a asa protetora do BCE. Mas essa proteção do BCE não poderá durar sempre, até porque os programas de compra de dívida continuam a ser contestados pela Alemanha e pelos países da Europa do Norte.
Que são os mesmos responsáveis pela decisão do BCE de deixar de aceitar, desde 11 de Fevereiro, como colateral, dívida soberana da Grécia. Que são os mesmos a não quererem dar o braço a torcer e reconhecer o desastre para a economia europeia e mundial que foi a austeridade que impuseram aos países que mais tinham ajudado a endividar. Sim! porque se Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tiveram responsabilidades em se endividar à conta dos baixos juros do euro, os países e bancos que lhes foram emprestando partilharam a responsabilidade de os endividar.
Acontece que - ao contrário do que afirmou a ministra das Finanças, no afã populista de atacar a Grécia - o governo de Atenas não adiou, nem sequer atrasou, qualquer pagamento. O que a Grécia fez foi utilizar uma regra do FMI - que está ao dispor de todos os países-membros - para fazer o chamado "bundling", de pagamentos. Ou seja, agregar num só cheque os pagamentos que se vencem neste mês de Junho. Repito, é uma norma do próprio FMI que permite fazê-lo. Não foi nenhum favor feito à Grécia ou ao governo de Alexis Tsipras. Assim, respeitando integralmente as regras do Fundo, a Grécia poderá pagar até dia 30 todos os créditos que se vencem em Junho, cerca de 1.600 milhões €.
Outro exemplo de manipulação dos factos, que tem sido escandalosamente repetida à exaustão, sugere que a Grécia insiste em receber da troika mais uma tranche-extra de 7.200 milhões €. Não é verdade. Essa tranche não é extra, faz parte do último resgate. Sendo que inclui 3.500 milhões € que o FMI já devia ter entregue à Grécia em 2014 - e ainda não entregou... E inclui um pagamento de 1.800 milhões € do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, que também está por fazer à Grécia. E inclui também o valor que falta o BCE devolver à Grécia: 1.900 milhões € em lucros obtidos pelos bancos do Eurosistema - em 2014 - com obrigações gregas. Tudo somado, dá os tais 7.200 milhões que a Grécia tem a haver. E aqui é que se deve falar de atraso: um atraso da troika - FMI, Comissão Europeia e BCE - nos pagamentos devidos e contratados com o governo da Grécia.
A falta de rigor em relação à Grécia - e às finanças gregas - não é só do governo português, está espalhada na Europa. Estamos num braço-de-ferro com a Grécia e num braço-de-ferro entre a Sra. Merkel e o seu quadrado ministro das Finanças Schäuble, ambos já a competirem pela liderança da direita alemã. Agrava-se com a falta de visão estratégica e a falta de consciência - pois, como explica o Ministro Varoufakis, continuando a exigir o esmagamento dos salários dos gregos, é a própria capacidade de reembolso da Grécia que a Europa compromete. A Alemanha, a Comissão Europeia, o BCE e o FMI têm a maior parte da responsabilidade.
Estamos à beira do abismo! Como avisou o Presidente Barack Obama na recente reunião do G7 na Baviera, tudo pode colapsar. A economia mundial entrará em nova crise se a UE deixar a Grécia sair do Euro. E é a própria UE, e não apenas o euro, que pode desmoronar-se, avisam muitos! O drama grego não leva apenas ao dracma: pode ser a tragédia da Europa!"
(Transcrição da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1)
2 de junho de 2015
Ainda a a lista VIP e outras injustiças fiscais
Por Ana Gomes
As Finanças são um dos territórios mais opacos da Administração pública. A pretexto da proteção de dados sensíveis criou-se um sistema gerido de forma discricionária, sem controlo democrático, sem transparência e sem, sequer, eficiência.
Como demonstra o recente relatório da IGF, que teve de vir corroborar aquilo que a Comissão Nacional de Protecção de Dados entretanto já confirmara: que, afinal, havia mesmo uma lista VIP na Autoridade Tributária, que funcionou durante cinco meses dando alerta sobre funcionários que acedessem aos dados de apenas 4 pessoas: era uma lista vipezinha, que incluia apenas os nomes do PR Cavaco Silva, do PM Passos CoelhO, do Vice PM Paulo Portas e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que este inventou, o advogado Paulo Núncio.
Lendo - e eu li - o relatório da IGF - estrutura tutelada pelo próprio Ministério das Finanças que também tutela a Autoridade Tributária inspeccionada - vê-se que tem por objectivo ilibar o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de quaisquer responsabilidades, confinando-as aos dirigentes da AT já afastados. E vê-se que outro objectivo é atacar o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, que publicamente denunciou a existência da lista VIP que o Governo negava existir.
Mas, sem querer, o relatório da IGF acaba por deixar rabo de fora mostrando que o objectivo da dita lista VIPezinha era de facto "assegurar eficazmente a proteção de titulares de cargos políticos" através do "controlo apertado do acesso aos respectivos dados"... E, de caminho, corrobora os dados acabrunhantes já revelados pela CNDP, de que reina a maior balda quanto ao sigilo fiscal - centenas ou milhares de indivíduos - ex-funcionários, estagiários e consultores de companhias privadas contratadas - fazem o que querem, sem qualquer controlo, para aceder aos seus ou aos meus dados fiscais..
A proteção de dados não existe assim - o sistema permite um gigantesco espreitar pelo "buraco da fechadura" em relação à vida privada de milhões de pessoas. É uma situação indecente e injusta, além de violar grosseiramente a lei. Mas ninguém se assume responsável por nada. O respeito pelo Estado de Direito não preocupa minimamente os atuais governantes... O inefável Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais lá continua a fingir que faz reformas na AT e a cuidar da sua reforma...
No meio da bagunça, há outras preocupantes situações que passam despercebidas e não merecem atenção de relatórios oficiais: uma delas é o agravamento contínuo das injustiças fiscais e o balanço daquilo que todos os dias é dado em benefícios fiscais às empresas - e que é pago à custa dos impostos de milhões de trabalhadores. Deixo aqui um exemplo: O Banco de Portugal revela que no ano de 2013, já em plena crise, o atual governo deu às empresas 1.042 milhões de € de benefícios fiscais. Isto é, as empresas receberam em 2013 mais 17 por cento de benefícios fiscais do que no ano anterior.
Ora, enquanto as empresas receberam um presente-extra de 17 por cento de benefícios fiscais - a somar ainda ao desconto fiscal da nova tabela do IRC - os trabalhadores tiveram de suportar um aumento de 35 por cento no IRS - o maior da história!
Talvez devesse haver um relatório das Finanças a dizer isto, mas não há. E a identificar que empresas receberam benefícios fiscais e quanto - suspeito que são sobretudo grandes empresas, portuguesas e multinacionais. Das PME que mais criam emprego quer lá o Governo saber... A produção de relatórios da IGF é controlada pelo governo e a sua divulgação também, como o da lista vipezinha ilustra...
A injustiça fiscal não tem parado de aumentar, nos últimos anos. E a injustiça na distribuição de rendimentos também continua a agravar-se. E para isso contribui o menu dos benefícios fiscais às grandes empresas, que não pára de aumentar. O último "bodo aos pobres" concedido pelas Finanças foi a isenção fiscal de 85 milhões de € sobre a transferência de activos do Novo Banco - mas que pode ascender aos 445 milhões.
Assim vai o Portugal dos vipezinhos....
(Transcrição da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)