26 de março de 2007
Reabilitação da escola pública
Por Vital Moreira
Entre as reformas que o primeiro-ministro contabilizou a seu crédito na celebração do segundo ano do mandato do Governo conta-se a defesa da escola pública. Tem suficientes razões para isso, mas é preciso levar até ao fim a tarefa de saneamento dos vários factores que desde há muitos anos se foram desenvolvendo contra o ensino público, incluindo escolhas políticas deliberadas.
Nos termos da Constituição, e de acordo com a tradição republicana, o ensino é entre nós uma das tarefas essenciais do Estado, a quem incumbe garantir a toda a gente o direito ao ensino, a começar pelo ensino básico, que deve ser obrigatório e gratuito. A escola pública é um direito de todos os cidadãos. Por isso, constitui obrigação do Estado manter e desenvolver o sistema público de ensino, incluindo a criação e manutenção de escolas que satisfaçam as necessidades de toda a população. Mas não basta ter escolas e professores, sendo também necessário que a escola pública preencha elevados padrões de qualidade que a tornem recomendável para a generalidade dos portugueses.
Infelizmente, as responsabilidades do Estado em relação ao ensino público há muito que vinham a ser desrespeitadas, tendo-se assistido à sua contínua deterioração, acompanhada de um claro favorecimento do ensino privado. Em muitas zonas do país, o parque escolar público encontra-se degradado, nomeadamente ao nível das escolas do primeiro ciclo do ensino básico, que são da responsabilidade dos municípios. Basta ver o que se passa em Lisboa, onde a situação é pouco menos que escandalosa. Acrescente-se a manutenção em funcionamento de escolas com frequência muito abaixo do recomendável, os horários escolares reduzidos (muitas vezes em meio tempo), a instabilidade do pessoal docente e o laxismo quanto às faltas dos professores, a ausência de cantinas e recintos desportivos, o crescimento da indisciplina e da segurança escolares, etc.
Como se isso não bastasse, o Estado actuou propositadamente no sentido de favorecer as escolas privadas, através do abuso dos "contratos de associação" e outras formas de "externalização" do serviço público de ensino, mesmo fora das situações de carência de escolas públicas, como deveria ser exigível. Chega-se a situações em que na mesma localidade coabitam escolas públicas semiocupadas e subaproveitadas e escolas privadas "associadas", pagas pelo Estado. O abuso dos contratos de associação conduz a uma duplicação de gastos públicos, bem como, pior do que isso, a uma discriminação social do ensino, com as crianças de famílias mais abastadas a frequentar as escolas privadas, pagando as vantagens extra por elas proporcionadas, e as demais crianças a frequentar a escola pública, por falta de meios para suportar esses encargos adicionais.
Ora, essa divisão social quanto ao ensino contraria essencialmente a vocação de igualdade social, de inclusividade e de coesão social da escola pública. A justificação desta não consiste em proporcionar um ensino de último recurso para quem não tem meios de frequentar escolas privadas ("subsidiariedade da escola pública"). Pelo contrário, trata-se de impedir um "apartheid" social entre escolas para os ricos e escolas para os pobres.
É evidente que o direito à escola pública coexiste com a faculdade de escolha de escolas privadas, cuja criação é aliás livre (quando preenchidos os requisitos legais). Mas ninguém pode fazer "opting out" da escola pública para efeito de exigir que o Estado suporte os encargos da frequência de escolas privadas. Não está excluído que o Estado apoie as escolas privadas (como ocorre desde logo com a concessão geral do estatuto de utilidade pública, com as inerentes regalias fiscais), ou quem as queira frequentar (como sucede com as deduções fiscais das despesas de ensino). Porém, a primeira responsabilidade do Estado é com a escola pública, pelo que aquele não pode sacrificar as suas obrigações em relação ao ensino público, desviando meios para apoiar o ensino privado.
A primeira prioridade na reabilitação da escola pública consiste em melhorar as suas condições e o serviço que prestam. Não é possível defender eficazmente a escola pública, se ela fica aquém da prestação média das escolas privadas concorrentes. O Governo tem investido esforços nesse sentido, bastando mencionar o alargamento do horário escolar, permitindo aos pais que trabalham manter os filhos na escola; as aulas de substituição em caso de falta dos professores; a estabilização do corpo docente, com os concursos plurianuais; o encerramento de escolas com frequência reduzida, em favor da frequência de escolas mais bem equipadas e com melhor serviço; a prevista avaliação de professores e estabelecimentos; as medidas de reforço da segurança e da disciplina escolar; o programa de reabilitação do parque escolar, etc.
Recuperada e assegurada a qualidade e a universalidade da escola pública, importa também abrir espaço para alguma competição dentro do sistema público (com a necessária possibilidade de escolha entre escolas) e, finalmente, para pôr fim aos abusos da contratualização de escolas privadas, reconduzindo-a às condições que a justificam, nomeadamente as situações de carência de escolas públicas, se as houver, que por natureza devem ser sempre transitórias. É inadmissível que o Estado desvie para o pagamento de serviços redundantes a escolas privadas os meios financeiros que fazem falta para melhorar as escolas públicas, como é sua obrigação. Por isso, os contratos existentes deveriam ser objecto de uma revisão geral, para reexame da sua necessidade.
Se o actual Governo quer imprimir marcas progressistas duradouras nas suas políticas, para além da esfera social, a valorização da escola pública não pode deixar de ocupar um lugar proeminente entre elas. Poucas são tão valiosas nem tão identificadoras como esta.
(Publico, terça-feira, 20 de Março de 2003)
Entre as reformas que o primeiro-ministro contabilizou a seu crédito na celebração do segundo ano do mandato do Governo conta-se a defesa da escola pública. Tem suficientes razões para isso, mas é preciso levar até ao fim a tarefa de saneamento dos vários factores que desde há muitos anos se foram desenvolvendo contra o ensino público, incluindo escolhas políticas deliberadas.
Nos termos da Constituição, e de acordo com a tradição republicana, o ensino é entre nós uma das tarefas essenciais do Estado, a quem incumbe garantir a toda a gente o direito ao ensino, a começar pelo ensino básico, que deve ser obrigatório e gratuito. A escola pública é um direito de todos os cidadãos. Por isso, constitui obrigação do Estado manter e desenvolver o sistema público de ensino, incluindo a criação e manutenção de escolas que satisfaçam as necessidades de toda a população. Mas não basta ter escolas e professores, sendo também necessário que a escola pública preencha elevados padrões de qualidade que a tornem recomendável para a generalidade dos portugueses.
Infelizmente, as responsabilidades do Estado em relação ao ensino público há muito que vinham a ser desrespeitadas, tendo-se assistido à sua contínua deterioração, acompanhada de um claro favorecimento do ensino privado. Em muitas zonas do país, o parque escolar público encontra-se degradado, nomeadamente ao nível das escolas do primeiro ciclo do ensino básico, que são da responsabilidade dos municípios. Basta ver o que se passa em Lisboa, onde a situação é pouco menos que escandalosa. Acrescente-se a manutenção em funcionamento de escolas com frequência muito abaixo do recomendável, os horários escolares reduzidos (muitas vezes em meio tempo), a instabilidade do pessoal docente e o laxismo quanto às faltas dos professores, a ausência de cantinas e recintos desportivos, o crescimento da indisciplina e da segurança escolares, etc.
Como se isso não bastasse, o Estado actuou propositadamente no sentido de favorecer as escolas privadas, através do abuso dos "contratos de associação" e outras formas de "externalização" do serviço público de ensino, mesmo fora das situações de carência de escolas públicas, como deveria ser exigível. Chega-se a situações em que na mesma localidade coabitam escolas públicas semiocupadas e subaproveitadas e escolas privadas "associadas", pagas pelo Estado. O abuso dos contratos de associação conduz a uma duplicação de gastos públicos, bem como, pior do que isso, a uma discriminação social do ensino, com as crianças de famílias mais abastadas a frequentar as escolas privadas, pagando as vantagens extra por elas proporcionadas, e as demais crianças a frequentar a escola pública, por falta de meios para suportar esses encargos adicionais.
Ora, essa divisão social quanto ao ensino contraria essencialmente a vocação de igualdade social, de inclusividade e de coesão social da escola pública. A justificação desta não consiste em proporcionar um ensino de último recurso para quem não tem meios de frequentar escolas privadas ("subsidiariedade da escola pública"). Pelo contrário, trata-se de impedir um "apartheid" social entre escolas para os ricos e escolas para os pobres.
É evidente que o direito à escola pública coexiste com a faculdade de escolha de escolas privadas, cuja criação é aliás livre (quando preenchidos os requisitos legais). Mas ninguém pode fazer "opting out" da escola pública para efeito de exigir que o Estado suporte os encargos da frequência de escolas privadas. Não está excluído que o Estado apoie as escolas privadas (como ocorre desde logo com a concessão geral do estatuto de utilidade pública, com as inerentes regalias fiscais), ou quem as queira frequentar (como sucede com as deduções fiscais das despesas de ensino). Porém, a primeira responsabilidade do Estado é com a escola pública, pelo que aquele não pode sacrificar as suas obrigações em relação ao ensino público, desviando meios para apoiar o ensino privado.
A primeira prioridade na reabilitação da escola pública consiste em melhorar as suas condições e o serviço que prestam. Não é possível defender eficazmente a escola pública, se ela fica aquém da prestação média das escolas privadas concorrentes. O Governo tem investido esforços nesse sentido, bastando mencionar o alargamento do horário escolar, permitindo aos pais que trabalham manter os filhos na escola; as aulas de substituição em caso de falta dos professores; a estabilização do corpo docente, com os concursos plurianuais; o encerramento de escolas com frequência reduzida, em favor da frequência de escolas mais bem equipadas e com melhor serviço; a prevista avaliação de professores e estabelecimentos; as medidas de reforço da segurança e da disciplina escolar; o programa de reabilitação do parque escolar, etc.
Recuperada e assegurada a qualidade e a universalidade da escola pública, importa também abrir espaço para alguma competição dentro do sistema público (com a necessária possibilidade de escolha entre escolas) e, finalmente, para pôr fim aos abusos da contratualização de escolas privadas, reconduzindo-a às condições que a justificam, nomeadamente as situações de carência de escolas públicas, se as houver, que por natureza devem ser sempre transitórias. É inadmissível que o Estado desvie para o pagamento de serviços redundantes a escolas privadas os meios financeiros que fazem falta para melhorar as escolas públicas, como é sua obrigação. Por isso, os contratos existentes deveriam ser objecto de uma revisão geral, para reexame da sua necessidade.
Se o actual Governo quer imprimir marcas progressistas duradouras nas suas políticas, para além da esfera social, a valorização da escola pública não pode deixar de ocupar um lugar proeminente entre elas. Poucas são tão valiosas nem tão identificadoras como esta.
(Publico, terça-feira, 20 de Março de 2003)
Universidades dependentes
Por Vital Moreira
A gravidade das recentes perturbações na Universidade Independente vieram chamar novamente a atenção para a degradação institucional e académica de vários estabelecimentos de ensino superior privados. Seria lamentável (para não dizer inaceitável) que, mais uma vez, o Estado fizesse de conta que nada se passa, contribuindo, por omissão, para o agravamento da preocupante situação do sector.
Com excepção da Universidade Católica, o ensino superior particular desenvolveu-se em Portugal desde os anos 80 do século passado de forma desregulada e sem controlo público, aproveitando o súbito alargamento da procura e a incapacidade do sistema público para lhe corresponder. Quando a lei veio proceder ao enquadramento desse subsector, já se tinham criado e consolidado situações que limitaram os requisitos e as exigências legais dessas instituições, quer em termos de predicados institucionais e financeiros das entidades instituidoras, quer em termos de organização e de autonomia dos estabelecimentos em relação àquelas. Como se não bastasse esse défice de regulamentação normativa, sucedeu-se uma generalizada falta de supervisão, que permitiu a criação de numerosas situações à margem da lei e de incumprimento impune dos requisitos estabelecidos.
Foi assim que proliferaram estabelecimentos e extensões por esse país fora sem as mínimas condições materiais e pedagógicas; que se multiplicaram formações de lápis e papel em detrimento de formações tecnológicas e científicas; que entraram em funcionamento cursos sem autorização prévia; que se ultrapassaram frequentemente os números de vagas autorizados; que se criarem formações pós-graduadas – incluindo mestrados e doutoramentos – sem as condições exigíveis em qualquer país europeu. Tudo isto era evidente desde cedo e tudo isso ficou comprovado num inquérito e num relatório produzido por uma comissão de especialistas no final dos anos 90, que mostrou de forma concludente as deficiências de instalações, a obnubilação da distinção entre escolas politécnicas e universitárias, as ilegalidades em matéria de cursos não autorizados e de excesso de vagas, a falta de bibliotecas e de laboratórios, o incumprimento das exigências legais no que respeita ao número de professores doutorados e de docentes em dedicação exclusiva, a passividade e laxismo da tutela governamental. Infelizmente, o relatório nem sequer foi publicado, não tendo sido tiradas nenhumas consequências das suas conclusões.
Ficou por fazer o saneamento do ensino superior privado, permitindo a separação do trigo e do joio. A imagem do sector foi-se degradando inapelavelmente, atingindo mesmo as diversas instituições que fugiam ao panorama geral e se esforçavam por dignificar o sector.
A verdade é que o Estado sempre esteve mal colocado para exercer as funções de regulação, supervisão e de sancionamento que se impunham. Primeiro, a expansão desregrada do ensino superior particular era consequência da imprevidência e desresponsabilização estadual na ampliação do sistema público; segundo, o Estado não tinha muita legitimidade para supervisionar as instituições privadas quando mostrava quase a mesma incapacidade regulatória em relação às instituições públicas (por exemplo, proliferação de extensões e de cursos); terceiro, desde cedo se mostrou a capacidade de "lobby" de várias instituições privadas, por conivências políticas, partidárias e ideológicas, que capturaram e neutralizaram qualquer vontade política de regulação do sector.
Não por acaso, uma breve observação do elenco dos responsáveis e docentes de várias universidades privadas revela uma estranha concentração de pessoal político (deputados, ex-governantes, dirigentes partidários, etc.), para além da curiosa presença de directores e de jornalistas de nomeada, mesmo em cursos sem nenhuma ligação à profissão. Além disso, a partir de certo momento, muitas câmaras municipais apareceram a patrocinar a criação e a proporcionar apoio material e financeiro a instituições de ensino superior privadas – sem qualquer oposição da tutela ou do Tribunal de Contas, mesmo se nenhuma lei confere aos municípios atribuições na área do ensino superior –, desenvolvimento que culminou com a "municipalização" da Universidade Atlântida, em Oeiras.
Os lamentáveis episódios da Universidade Independente constituem uma nova ocasião para revisitar o estatuto legal e o sistema de regulação do ensino superior privado, designadamente quanto à idoneidade institucional e financeira das entidades instituidoras, quanto à transparência e "accountability" da sua gestão, quanto à sua sustentabilidade no quadro da contínua diminuição da procura, quanto à garantia de independência científica e pedagógica das escolas, quando aos requisitos relativos à qualificação dos professores e à existência de um corpo docente próprio, quanto às exigências de investigação, quando à seriedade da avaliação e da atribuição de graus académicos.
O que não pode permanecer mais tempo é a tendência de deterioração do sector, que desqualifica indiferenciadamente as instituições, mesmo as que foram capazes de criar e manter padrões de exigência e de qualidade aceitáveis ou mesmo louváveis, e que ameaça os direitos e os interesses e expectativas legítimas do pessoal docente e, sobretudo, dos estudantes, que suportam essas instituições com elevadas propinas e que têm todo o direito de exigir do Estado – que reconheceu as instituições, os cursos e os graus – o accionamento dos poderes de regulação e de supervisão que lhe incumbem.
(Público, terça-feira 13 de Março de 2007)
A gravidade das recentes perturbações na Universidade Independente vieram chamar novamente a atenção para a degradação institucional e académica de vários estabelecimentos de ensino superior privados. Seria lamentável (para não dizer inaceitável) que, mais uma vez, o Estado fizesse de conta que nada se passa, contribuindo, por omissão, para o agravamento da preocupante situação do sector.
Com excepção da Universidade Católica, o ensino superior particular desenvolveu-se em Portugal desde os anos 80 do século passado de forma desregulada e sem controlo público, aproveitando o súbito alargamento da procura e a incapacidade do sistema público para lhe corresponder. Quando a lei veio proceder ao enquadramento desse subsector, já se tinham criado e consolidado situações que limitaram os requisitos e as exigências legais dessas instituições, quer em termos de predicados institucionais e financeiros das entidades instituidoras, quer em termos de organização e de autonomia dos estabelecimentos em relação àquelas. Como se não bastasse esse défice de regulamentação normativa, sucedeu-se uma generalizada falta de supervisão, que permitiu a criação de numerosas situações à margem da lei e de incumprimento impune dos requisitos estabelecidos.
Foi assim que proliferaram estabelecimentos e extensões por esse país fora sem as mínimas condições materiais e pedagógicas; que se multiplicaram formações de lápis e papel em detrimento de formações tecnológicas e científicas; que entraram em funcionamento cursos sem autorização prévia; que se ultrapassaram frequentemente os números de vagas autorizados; que se criarem formações pós-graduadas – incluindo mestrados e doutoramentos – sem as condições exigíveis em qualquer país europeu. Tudo isto era evidente desde cedo e tudo isso ficou comprovado num inquérito e num relatório produzido por uma comissão de especialistas no final dos anos 90, que mostrou de forma concludente as deficiências de instalações, a obnubilação da distinção entre escolas politécnicas e universitárias, as ilegalidades em matéria de cursos não autorizados e de excesso de vagas, a falta de bibliotecas e de laboratórios, o incumprimento das exigências legais no que respeita ao número de professores doutorados e de docentes em dedicação exclusiva, a passividade e laxismo da tutela governamental. Infelizmente, o relatório nem sequer foi publicado, não tendo sido tiradas nenhumas consequências das suas conclusões.
Ficou por fazer o saneamento do ensino superior privado, permitindo a separação do trigo e do joio. A imagem do sector foi-se degradando inapelavelmente, atingindo mesmo as diversas instituições que fugiam ao panorama geral e se esforçavam por dignificar o sector.
A verdade é que o Estado sempre esteve mal colocado para exercer as funções de regulação, supervisão e de sancionamento que se impunham. Primeiro, a expansão desregrada do ensino superior particular era consequência da imprevidência e desresponsabilização estadual na ampliação do sistema público; segundo, o Estado não tinha muita legitimidade para supervisionar as instituições privadas quando mostrava quase a mesma incapacidade regulatória em relação às instituições públicas (por exemplo, proliferação de extensões e de cursos); terceiro, desde cedo se mostrou a capacidade de "lobby" de várias instituições privadas, por conivências políticas, partidárias e ideológicas, que capturaram e neutralizaram qualquer vontade política de regulação do sector.
Não por acaso, uma breve observação do elenco dos responsáveis e docentes de várias universidades privadas revela uma estranha concentração de pessoal político (deputados, ex-governantes, dirigentes partidários, etc.), para além da curiosa presença de directores e de jornalistas de nomeada, mesmo em cursos sem nenhuma ligação à profissão. Além disso, a partir de certo momento, muitas câmaras municipais apareceram a patrocinar a criação e a proporcionar apoio material e financeiro a instituições de ensino superior privadas – sem qualquer oposição da tutela ou do Tribunal de Contas, mesmo se nenhuma lei confere aos municípios atribuições na área do ensino superior –, desenvolvimento que culminou com a "municipalização" da Universidade Atlântida, em Oeiras.
Os lamentáveis episódios da Universidade Independente constituem uma nova ocasião para revisitar o estatuto legal e o sistema de regulação do ensino superior privado, designadamente quanto à idoneidade institucional e financeira das entidades instituidoras, quanto à transparência e "accountability" da sua gestão, quanto à sua sustentabilidade no quadro da contínua diminuição da procura, quanto à garantia de independência científica e pedagógica das escolas, quando aos requisitos relativos à qualificação dos professores e à existência de um corpo docente próprio, quanto às exigências de investigação, quando à seriedade da avaliação e da atribuição de graus académicos.
O que não pode permanecer mais tempo é a tendência de deterioração do sector, que desqualifica indiferenciadamente as instituições, mesmo as que foram capazes de criar e manter padrões de exigência e de qualidade aceitáveis ou mesmo louváveis, e que ameaça os direitos e os interesses e expectativas legítimas do pessoal docente e, sobretudo, dos estudantes, que suportam essas instituições com elevadas propinas e que têm todo o direito de exigir do Estado – que reconheceu as instituições, os cursos e os graus – o accionamento dos poderes de regulação e de supervisão que lhe incumbem.
(Público, terça-feira 13 de Março de 2007)
23 de março de 2007
O prodígio da União Europeia
Por Vital Moreira
Por mais complexos e difíceis que sejam os problemas que a UE actualmente enfrenta, o que avulta no cinquentenário que agora se comemora da Tratado de Roma de 1957, que criou a Comunidade Económica Europeia, é o seu enorme sucesso como experiência de integração económica e política, na base da transferência de poderes soberanos para instituições supranacionais e de um modelo político e social fundado na liberdade pessoal, nos direitos fundamentais (incluindo os direitos sociais), na democracia, na primazia do direito, na igualdade de género, na protecção de minorias, na diversidade cultural, na coesão económica, social e territorial e no respeito pelas identidades nacionais.
No seu início, depois do fracasso da Comunidade Europeia de Defesa (rejeitada pelo parlamento francês em 1954) e da ideia de uma Comunidade Política Europeia, a CEE tinha por objectivo essencial, na senda da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), o estabelecimento de um "mercado comum" entre os seis Estados-membros fundadores, baseado numa economia de mercado, numa união aduaneira, na liberdade de circulação dos factores de produção e nalgumas políticas comuns (política agrícola, política de transportes, etc.).
Ninguém poderia imaginar seriamente que, meio século depois, a futura UE haveria de compreender 27 Estados-membros (vários deles outrora integrados no bloco comunista), que a integração económica haveria de evoluir para uma união económica e monetária (com a criação do Euro), que os seus objectivos haveriam de estender-se às políticas sociais, ao ambiente, à cultura, à segurança interna e à justiça, à defesa e à política externa, à política de imigração, etc. Tampouco de se poderia antecipar que a função legislativa da Comunidade haveria progressivamente de ser compartilhada por um Parlamento Europeu directamente eleito (1976) e que a inicial organização interestadual haveria de evoluir também para uma união de cidadãos, com a criação da "cidadania europeia" no Tratado de Maastricht de 1991.
Ao longo deste 50 anos, a CEE/UE foi uma factor determinante de paz europeia, de desenvolvimento económico, de redução das assimetrias nacionais e regionais, de consolidação democrática das países saídos de regimes autoritários, de reconhecimento e garantia da diversidade cultural, de defesa do meio ambiente e dos direitos dos consumidores, e "last but not the least" de afirmação do "modelo social europeu", baseado nos direitos dos trabalhadores, nos direitos sociais e nos "serviços de interesse económico geral".
Na passagem dos seus 50 anos não são poucos os desafios com que a UE se defronta. Entre eles contam-se a questão da Constituição europeia, na sequência da rejeição do tratado constitucional em 2005 na França e na Holanda, sendo ela essencial para clarificar os valores e os objectivos da União e para tornar as instituições mais democráticas, mais eficientes e mais responsáveis; a realização do "mercado interno" nos vários aspectos por concluir, como no caso da energia, dos transportes ferroviários e dos serviços; a conciliação do mercado interno no âmbito dos "serviços de interesse económico geral" com os objectivos de "serviço universal" e de acessibilidade que eles devem proporcionar; a articulação da união económica e monetária com a coordenação das políticas económicas e fiscais; a capacidade de resposta à globalização em termos de dinamismo económico, assegurando elevados níveis de emprego e o equilíbrio ecológico, bem como a preservação do "modelo social europeu"; o papel da UE na cena internacional num mundo crescentemente multipolar, ao serviço da paz e da cooperação internacional e do respeito da legalidade internacional, no quadro das Nações Unidas.
Portugal só compartilhou da história da CEE/UE em dois quintos destes 50 anos. Mas essas duas décadas constituíram uma era decisiva na consolidação democrática e no desenvolvimento e modernização do País. Se todos os Estados-membros têm razões para celebrar o nascimento da UE, vários há que têm razões especiais para isso. Portugal é um deles.
(Diário Económico, sexta-feira, 23 de Março de 2007)
Por mais complexos e difíceis que sejam os problemas que a UE actualmente enfrenta, o que avulta no cinquentenário que agora se comemora da Tratado de Roma de 1957, que criou a Comunidade Económica Europeia, é o seu enorme sucesso como experiência de integração económica e política, na base da transferência de poderes soberanos para instituições supranacionais e de um modelo político e social fundado na liberdade pessoal, nos direitos fundamentais (incluindo os direitos sociais), na democracia, na primazia do direito, na igualdade de género, na protecção de minorias, na diversidade cultural, na coesão económica, social e territorial e no respeito pelas identidades nacionais.
No seu início, depois do fracasso da Comunidade Europeia de Defesa (rejeitada pelo parlamento francês em 1954) e da ideia de uma Comunidade Política Europeia, a CEE tinha por objectivo essencial, na senda da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), o estabelecimento de um "mercado comum" entre os seis Estados-membros fundadores, baseado numa economia de mercado, numa união aduaneira, na liberdade de circulação dos factores de produção e nalgumas políticas comuns (política agrícola, política de transportes, etc.).
Ninguém poderia imaginar seriamente que, meio século depois, a futura UE haveria de compreender 27 Estados-membros (vários deles outrora integrados no bloco comunista), que a integração económica haveria de evoluir para uma união económica e monetária (com a criação do Euro), que os seus objectivos haveriam de estender-se às políticas sociais, ao ambiente, à cultura, à segurança interna e à justiça, à defesa e à política externa, à política de imigração, etc. Tampouco de se poderia antecipar que a função legislativa da Comunidade haveria progressivamente de ser compartilhada por um Parlamento Europeu directamente eleito (1976) e que a inicial organização interestadual haveria de evoluir também para uma união de cidadãos, com a criação da "cidadania europeia" no Tratado de Maastricht de 1991.
Ao longo deste 50 anos, a CEE/UE foi uma factor determinante de paz europeia, de desenvolvimento económico, de redução das assimetrias nacionais e regionais, de consolidação democrática das países saídos de regimes autoritários, de reconhecimento e garantia da diversidade cultural, de defesa do meio ambiente e dos direitos dos consumidores, e "last but not the least" de afirmação do "modelo social europeu", baseado nos direitos dos trabalhadores, nos direitos sociais e nos "serviços de interesse económico geral".
Na passagem dos seus 50 anos não são poucos os desafios com que a UE se defronta. Entre eles contam-se a questão da Constituição europeia, na sequência da rejeição do tratado constitucional em 2005 na França e na Holanda, sendo ela essencial para clarificar os valores e os objectivos da União e para tornar as instituições mais democráticas, mais eficientes e mais responsáveis; a realização do "mercado interno" nos vários aspectos por concluir, como no caso da energia, dos transportes ferroviários e dos serviços; a conciliação do mercado interno no âmbito dos "serviços de interesse económico geral" com os objectivos de "serviço universal" e de acessibilidade que eles devem proporcionar; a articulação da união económica e monetária com a coordenação das políticas económicas e fiscais; a capacidade de resposta à globalização em termos de dinamismo económico, assegurando elevados níveis de emprego e o equilíbrio ecológico, bem como a preservação do "modelo social europeu"; o papel da UE na cena internacional num mundo crescentemente multipolar, ao serviço da paz e da cooperação internacional e do respeito da legalidade internacional, no quadro das Nações Unidas.
Portugal só compartilhou da história da CEE/UE em dois quintos destes 50 anos. Mas essas duas décadas constituíram uma era decisiva na consolidação democrática e no desenvolvimento e modernização do País. Se todos os Estados-membros têm razões para celebrar o nascimento da UE, vários há que têm razões especiais para isso. Portugal é um deles.
(Diário Económico, sexta-feira, 23 de Março de 2007)
19 de março de 2007
Energia: sol na eira ou vento no nabal?
por Ana Gomes
O último Conselho Europeu tomou decisões históricas na área energética e ambiental, incluindo objectivos ambiciosos para emissões poluentes, energias renováveis e biocombustíveis. Angela Merkel voltou a fazer diferença: vencendo parceiros que consomem energia "suja" como se não houvesse amanhã, introduziu a palavrinha "binding", tornando o compromisso vinculativo. A influência da UE nos debates sobre política energética/ambiental pós-Quioto (2012) depende da capacidade de cumprir. Só assim, poderá liderar globalmente.
Cada país terá uma quota-parte no esforço colectivo. Portugal tem de assumir que vai falhar os objectivos de Quioto para 2010: prevê-se um aumento das emissões de 45% em relação aos níveis de 1990, muito acima dos 27% que nos cabem. Resta compensar com poupança e eficiência energética (para quando construção com menor desperdício de energia?) e investir estrategicamente nas novas energias, incluindo nos transportes (em combustíveis alternativos porque não aprender com o Brasil?). Assim, atenua-se a pesada factura da importação petrolífera e limitam-se as emissões poluentes. Mais: como já ninguém duvida da necessidade das novas energias, a procura global vai crescer. Apostar no desenvolvimento científico e industrial nesta área não é só imperativo ambiental: deve ser prioridade económica. O Presidente da Comissão Europeia antevê uma "nova revolução industrial".
Este Governo tem tomado decisões acertadas: o objectivo de 45% de toda a electricidade consumida em 2010 resultar de energia renovável; a meta de 10% dos transportes a biocombustível (antecipando em 10 anos o objectivo da UE); e a afirmação do 'zero nuclear' em Portugal (mas urge garantir, no quadro europeu ou bilateral, mecanismos efectivos de cooperação na segurança nuclear, já que, querendo ou não, vivemos à beira das centrais espanholas e importamos o que produzem).
Mas o motor principal da estratégia do Governo reside na eólica, além das hídricas (que não são novas). A EDP anunciou planos para investir €2910 mil milhões em energias renováveis - dos quais mais de 90% na eólica. Mais que argumentos económicos, pesa a influência dos representantes de empresas estrangeiras do sector, incluindo a nível autárquico. Mas a incorporação nacional é limitada, com tecnologias e equipamentos sobretudo importados (seria interessante conhecer a percentagem nos projectos que o PR esta semana visitou).
Ora especialistas europeus têm demonstrado que, tal como a eólica deu um salto graças a investimentos feitos há anos (por isso Dinamarca e Alemanha ganham hoje duplamente a exportar equipamentos), também a energia solar e das ondas podem tornar-se rapidamente rentáveis, se forem alvo de investimento público significativo, assim se estimulando o privado para corresponder à procura. Um investimento financeiro modesto, em termos relativos, segundo os peritos. Em áreas energéticas para que Portugal está naturalmente fadado e de que pode retirar muito mais vantagens.
Não se justificaria então apostar mais nestas energias, onde a indústria nacional pode criar e inovar tecnologicamente e, portanto, obter avanços competitivos mais sustentáveis? Trata-se de investir estrategicamente no potencial cientifico e industrial para desenvolver tecnologias e equipamentos com mais incorporação nacional. E com mais potencialidades de exportação. Diminui-se assim a factura energética, estimula-se a pesquisa nacional e cria-se emprego qualificado. E, no caso da energia solar, revitalizando-se zonas do interior do país hoje quase despovoadas. Para isso podem mobilizar-se fundos europeus, incluindo os estruturais (Coesão e FEDER), incorporando neles critérios de eficiência energética.
Em Moura temos em construção a maior central solar do mundo. Mas num relatório de 2006, a Agência Europeia do Ambiente sublinha que o objectivo inicial de ter 1 milhão de m2 de painéis solares instalados (a um ritmo de 150.000 m2/ano) em 2010 foi reduzido a "manter, em 2005 e 2006, o ritmo de crescimento dos anos passados". E recentemente a imprensa revelou que os painéis solares para aquela central, que estava previsto fossem cá fabricados, vão afinal ser importados, ironicamente, da ...China (país ávido por novas tecnologias nas energias limpas).
Cabe ao Governo dissipar mitos tecnológicos que inibem investidores, reorientando o investimento público e a procura de forma mais equilibrada. E estabelecendo objectivos ambiciosos para a energia solar e das ondas. Se não, ficamos condenados, mais uma vez a ir atrás, quando poderíamos estar na frente da tal “nova revolução industrial”. Que implica aqui uma escolha muito básica: mais sol na eira e no mar. E menos vento no nabal!
(publicado no COURRIER INTERNACIONAL, 16.3.2007)
O último Conselho Europeu tomou decisões históricas na área energética e ambiental, incluindo objectivos ambiciosos para emissões poluentes, energias renováveis e biocombustíveis. Angela Merkel voltou a fazer diferença: vencendo parceiros que consomem energia "suja" como se não houvesse amanhã, introduziu a palavrinha "binding", tornando o compromisso vinculativo. A influência da UE nos debates sobre política energética/ambiental pós-Quioto (2012) depende da capacidade de cumprir. Só assim, poderá liderar globalmente.
Cada país terá uma quota-parte no esforço colectivo. Portugal tem de assumir que vai falhar os objectivos de Quioto para 2010: prevê-se um aumento das emissões de 45% em relação aos níveis de 1990, muito acima dos 27% que nos cabem. Resta compensar com poupança e eficiência energética (para quando construção com menor desperdício de energia?) e investir estrategicamente nas novas energias, incluindo nos transportes (em combustíveis alternativos porque não aprender com o Brasil?). Assim, atenua-se a pesada factura da importação petrolífera e limitam-se as emissões poluentes. Mais: como já ninguém duvida da necessidade das novas energias, a procura global vai crescer. Apostar no desenvolvimento científico e industrial nesta área não é só imperativo ambiental: deve ser prioridade económica. O Presidente da Comissão Europeia antevê uma "nova revolução industrial".
Este Governo tem tomado decisões acertadas: o objectivo de 45% de toda a electricidade consumida em 2010 resultar de energia renovável; a meta de 10% dos transportes a biocombustível (antecipando em 10 anos o objectivo da UE); e a afirmação do 'zero nuclear' em Portugal (mas urge garantir, no quadro europeu ou bilateral, mecanismos efectivos de cooperação na segurança nuclear, já que, querendo ou não, vivemos à beira das centrais espanholas e importamos o que produzem).
Mas o motor principal da estratégia do Governo reside na eólica, além das hídricas (que não são novas). A EDP anunciou planos para investir €2910 mil milhões em energias renováveis - dos quais mais de 90% na eólica. Mais que argumentos económicos, pesa a influência dos representantes de empresas estrangeiras do sector, incluindo a nível autárquico. Mas a incorporação nacional é limitada, com tecnologias e equipamentos sobretudo importados (seria interessante conhecer a percentagem nos projectos que o PR esta semana visitou).
Ora especialistas europeus têm demonstrado que, tal como a eólica deu um salto graças a investimentos feitos há anos (por isso Dinamarca e Alemanha ganham hoje duplamente a exportar equipamentos), também a energia solar e das ondas podem tornar-se rapidamente rentáveis, se forem alvo de investimento público significativo, assim se estimulando o privado para corresponder à procura. Um investimento financeiro modesto, em termos relativos, segundo os peritos. Em áreas energéticas para que Portugal está naturalmente fadado e de que pode retirar muito mais vantagens.
Não se justificaria então apostar mais nestas energias, onde a indústria nacional pode criar e inovar tecnologicamente e, portanto, obter avanços competitivos mais sustentáveis? Trata-se de investir estrategicamente no potencial cientifico e industrial para desenvolver tecnologias e equipamentos com mais incorporação nacional. E com mais potencialidades de exportação. Diminui-se assim a factura energética, estimula-se a pesquisa nacional e cria-se emprego qualificado. E, no caso da energia solar, revitalizando-se zonas do interior do país hoje quase despovoadas. Para isso podem mobilizar-se fundos europeus, incluindo os estruturais (Coesão e FEDER), incorporando neles critérios de eficiência energética.
Em Moura temos em construção a maior central solar do mundo. Mas num relatório de 2006, a Agência Europeia do Ambiente sublinha que o objectivo inicial de ter 1 milhão de m2 de painéis solares instalados (a um ritmo de 150.000 m2/ano) em 2010 foi reduzido a "manter, em 2005 e 2006, o ritmo de crescimento dos anos passados". E recentemente a imprensa revelou que os painéis solares para aquela central, que estava previsto fossem cá fabricados, vão afinal ser importados, ironicamente, da ...China (país ávido por novas tecnologias nas energias limpas).
Cabe ao Governo dissipar mitos tecnológicos que inibem investidores, reorientando o investimento público e a procura de forma mais equilibrada. E estabelecendo objectivos ambiciosos para a energia solar e das ondas. Se não, ficamos condenados, mais uma vez a ir atrás, quando poderíamos estar na frente da tal “nova revolução industrial”. Que implica aqui uma escolha muito básica: mais sol na eira e no mar. E menos vento no nabal!
(publicado no COURRIER INTERNACIONAL, 16.3.2007)
15 de março de 2007
RESOLUÇÃO SOBRE OS 50 ANOS DO TRATADO DE ROMA APROVADA NA CÂMARA DOS REPRESENTANTES DOS EUA, 13.3.2007
110TH CONGRESS
1ST SESSION H. RES. ll
Recognizing the 50th Anniversary of the Treaty of Rome signed on March
25, 1957, which was a key step in creating the European Union, and
reaffirming the close and mutually beneficial relationship between the
United States and Europe.
IN THE HOUSE OF REPRESENTATIVES
Mr. WEXLER submitted the following resolution;
RESOLUTION
Recognizing the 50th Anniversary of the Treaty of Rome
signed on March 25, 1957, which was a key step in
creating the European Union, and reaffirming the close
and mutually beneficial relationship between the United
States and Europe.
Whereas, after a half century marked by two world wars and
at a time when Europe was divided and some nations
were deprived of freedom, and as the continent faced the
urgent need for economic and political recovery, major
European statesmen such as Robert Schuman, Jean
Monnet, Paul-Henri Spaak, Konrad Adenauer, Alcide de
Gasperi, Sir Winston Churchill, and others joined together
to lay the foundations of an ever closer unionamong their peoples;
Whereas on March 25, 1957, the Federal Republic of Germany,
France, Italy, Belgium, the Netherlands, and Luxembourg
signed the Treaty of Rome to establish a customs
union, to create a framework to promote the free
movement of people, services, and capital among the
member states, to support agricultural growth, and to
create a common transport policy, which gave new impetus
to the pledge of unity in the European Coal and Steel
Agreement of 1951;
Whereas to fulfill its purpose, the European Union has created
a unique set of institutions: the directly-elected European
Parliament, the Council consisting of representatives
of the Member States, the Commission acting in the
general interest of the Community, and the Court of Justice
to enforce the rule of law;
Whereas on February 7, 1992, the leaders of the then 12
members of the European Community signed the Treaty
of Maastricht establishing a common European currency,
the Euro, to be overseen by a common financial institution,
the European Central Bank, for the purpose of a
freer movement of capital and common European economic
policies;
Whereas the European Union was expanded with the addition
of the United Kingdom, Denmark, and Ireland in 1973,
Greece in 1981, Spain and Portugal in 1986, a unified
Germany in 1990, Austria, Finland, and Sweden in
1995, Cyprus, the Czech Republic, Estonia, Hungary,
Latvia, Lithuania, Malta, Poland, Slovakia, and Slovenia
in 2004, and Bulgaria and Romania in 2007, making the
European Union a body of 27 countries with a population
of over 450 million people;
Whereas the European Union has developed policies in the
economic, security, diplomatic, and political areas: it has
established a single market with broad common policies
to organize that market and ensure prosperity and cohesion;
it has built an economic and monetary union, including
the Euro currency; and it has built an area of
freedom, security, and justice, extending stability to its
neighbors;
Whereas following the end of the Cold War and the disintegration
of the Soviet Union, the European Union has
played a critical role in the former Central European
communist states in promoting free markets, democratic
institutions and values, respect for human rights, and the
resolve to fight against tyranny and for common national
security objectives;
Whereas for the past 50 years the United States and the European
Union have shared a unique partnership, mindful
of their common heritage, shared values and mutual interests,
have worked together to strengthen transatlantic
security, to preserve and promote peace and freedom, to
develop free and prosperous economies, and to advance
human rights; and
Whereas the United States has supported the European integration
process and has consistently supported the objective
of European unity and the enlargement of the European
Union as desirable developments which promote
prosperity, peace, and democracy, and which contribute
to the strengthening of the vital relationship between the
United States and the nations of Europe: Now, therefore,
be it
1 Resolved, That the House of Representatives—
2 (1) recognizes the historic significance of the
3 Treaty of Rome on the occasion of the 50th anniver4
sary of its signing;
5 (2) commends the European Union and the
6 member nations of the European Union for the posi7
tive role which the institution has played in the
8 growth, development, and prosperity of contem9
porary Europe;
10 (3) recognizes the important role played by the
11 European Union in fostering the independence, de12
mocracy, and economic development of the former
13 Central European communist states following the
14 end of the Cold War;
15 (4) acknowledges the vital role of the European
16 Union in the development of the close and mutually
17 beneficial relationship that exists between the United
18 States and Europe;
19 (5) affirms that in order to strengthen the
20 transatlantic partnership there must be a renewed
21 commitment to regular and intensive consultations
22 between the United States and the European Union;
23 and
24 (6) joins with the European Parliament in
25 agreeing to strengthen the transatlantic partnership
1 by enhancing the dialogue and collaboration between
2 the United States Congress and the European Parliament.
1ST SESSION H. RES. ll
Recognizing the 50th Anniversary of the Treaty of Rome signed on March
25, 1957, which was a key step in creating the European Union, and
reaffirming the close and mutually beneficial relationship between the
United States and Europe.
IN THE HOUSE OF REPRESENTATIVES
Mr. WEXLER submitted the following resolution;
RESOLUTION
Recognizing the 50th Anniversary of the Treaty of Rome
signed on March 25, 1957, which was a key step in
creating the European Union, and reaffirming the close
and mutually beneficial relationship between the United
States and Europe.
Whereas, after a half century marked by two world wars and
at a time when Europe was divided and some nations
were deprived of freedom, and as the continent faced the
urgent need for economic and political recovery, major
European statesmen such as Robert Schuman, Jean
Monnet, Paul-Henri Spaak, Konrad Adenauer, Alcide de
Gasperi, Sir Winston Churchill, and others joined together
to lay the foundations of an ever closer unionamong their peoples;
Whereas on March 25, 1957, the Federal Republic of Germany,
France, Italy, Belgium, the Netherlands, and Luxembourg
signed the Treaty of Rome to establish a customs
union, to create a framework to promote the free
movement of people, services, and capital among the
member states, to support agricultural growth, and to
create a common transport policy, which gave new impetus
to the pledge of unity in the European Coal and Steel
Agreement of 1951;
Whereas to fulfill its purpose, the European Union has created
a unique set of institutions: the directly-elected European
Parliament, the Council consisting of representatives
of the Member States, the Commission acting in the
general interest of the Community, and the Court of Justice
to enforce the rule of law;
Whereas on February 7, 1992, the leaders of the then 12
members of the European Community signed the Treaty
of Maastricht establishing a common European currency,
the Euro, to be overseen by a common financial institution,
the European Central Bank, for the purpose of a
freer movement of capital and common European economic
policies;
Whereas the European Union was expanded with the addition
of the United Kingdom, Denmark, and Ireland in 1973,
Greece in 1981, Spain and Portugal in 1986, a unified
Germany in 1990, Austria, Finland, and Sweden in
1995, Cyprus, the Czech Republic, Estonia, Hungary,
Latvia, Lithuania, Malta, Poland, Slovakia, and Slovenia
in 2004, and Bulgaria and Romania in 2007, making the
European Union a body of 27 countries with a population
of over 450 million people;
Whereas the European Union has developed policies in the
economic, security, diplomatic, and political areas: it has
established a single market with broad common policies
to organize that market and ensure prosperity and cohesion;
it has built an economic and monetary union, including
the Euro currency; and it has built an area of
freedom, security, and justice, extending stability to its
neighbors;
Whereas following the end of the Cold War and the disintegration
of the Soviet Union, the European Union has
played a critical role in the former Central European
communist states in promoting free markets, democratic
institutions and values, respect for human rights, and the
resolve to fight against tyranny and for common national
security objectives;
Whereas for the past 50 years the United States and the European
Union have shared a unique partnership, mindful
of their common heritage, shared values and mutual interests,
have worked together to strengthen transatlantic
security, to preserve and promote peace and freedom, to
develop free and prosperous economies, and to advance
human rights; and
Whereas the United States has supported the European integration
process and has consistently supported the objective
of European unity and the enlargement of the European
Union as desirable developments which promote
prosperity, peace, and democracy, and which contribute
to the strengthening of the vital relationship between the
United States and the nations of Europe: Now, therefore,
be it
1 Resolved, That the House of Representatives—
2 (1) recognizes the historic significance of the
3 Treaty of Rome on the occasion of the 50th anniver4
sary of its signing;
5 (2) commends the European Union and the
6 member nations of the European Union for the posi7
tive role which the institution has played in the
8 growth, development, and prosperity of contem9
porary Europe;
10 (3) recognizes the important role played by the
11 European Union in fostering the independence, de12
mocracy, and economic development of the former
13 Central European communist states following the
14 end of the Cold War;
15 (4) acknowledges the vital role of the European
16 Union in the development of the close and mutually
17 beneficial relationship that exists between the United
18 States and Europe;
19 (5) affirms that in order to strengthen the
20 transatlantic partnership there must be a renewed
21 commitment to regular and intensive consultations
22 between the United States and the European Union;
23 and
24 (6) joins with the European Parliament in
25 agreeing to strengthen the transatlantic partnership
1 by enhancing the dialogue and collaboration between
2 the United States Congress and the European Parliament.
"Five points to help secure an ACP-EU deal for the poorest"
FINANCIAL TIMES
By Pasqualina Napoletano
Published: March 13 2007
From Pasqualina Napoletano MEP and others.
Sir, Economic partnership agreements will be under discussion when European Union development ministers meet with more than 20 African, Caribbean and Pacific (ACP) ministers at an informal Development Council in Bonn today. The focus will be on how to push forward the EPA negotiations, which are struggling in most of the six regions. The Socialist Group in the European parliament would like to see the six ACP regions succeed in reaching pro-development economic partnership agreements with the EU, and urges ministers to take the following message to the meeting.
First, the negotiating stance of the European Commission must adhere to the spirit and principles of the Cotonou partnership agreement. In particular, no ACP country should find itself worse off as a result of these negotiations.
Second, the Commission has sought to widen the EPA agenda to cover negotiations on services, intellectual property and the "Singapore issues", such as competition policy and investment, and is pressing for EU interests in these areas. All ACP countries must have a clear right to choose whether to extend the negotiations beyond trade in goods: the additional issues must be taken off the table if ACP countries wish.
Third, the Commission must ensure that if negotiations cannot be completed before the end of 2007, arrangements will be made to avoid uncertainty for our ACP partners. This requires a guarantee that, regardless of the state of EPA negotiations at that time, ACP terms and conditions of access to the EU market will remain unchanged. If the negotiations need more time, time should be taken.
Fourth, the €2bn promised for aid-for-trade includes money that has been reallocated and €1bn in pledges by member states yet to be paid. However much such funds are needed, these cash promises threaten to create a situation in which ACP regions are given unrealistic aid offers in return for compliance with what could be suboptimal EPAs. Aid and trade are intrinsically linked, but they should not be played off against one other.
Finally, despite the differing progress made by the six regions in negotiations, it is crucial that the ACP stand united, both as a group of regions and within each individual region, in order to strengthen the ACP negotiating hand. Reaffirming these five points will help set the EPAs negotiations back on track and bring the ACP and EU closer to a deal that will help the poorest in the ACP countries prosper.
Pasqualina Napoletano,
Vice-President of the Socialist Group in the European Parliament
Harlem Désir,
Vice-President of the Socialist Group in the European Parliament
Glenys Kinnock,
Co-President of the ACP-EU Joint Parliamentary Assembly
Josep Borrell,
President of the Development Committee
Max van den Berg,
Vice-President of the Development Committee and Socialist Co-ordinator for Development
Copyright The Financial Times Limited 2007
By Pasqualina Napoletano
Published: March 13 2007
From Pasqualina Napoletano MEP and others.
Sir, Economic partnership agreements will be under discussion when European Union development ministers meet with more than 20 African, Caribbean and Pacific (ACP) ministers at an informal Development Council in Bonn today. The focus will be on how to push forward the EPA negotiations, which are struggling in most of the six regions. The Socialist Group in the European parliament would like to see the six ACP regions succeed in reaching pro-development economic partnership agreements with the EU, and urges ministers to take the following message to the meeting.
First, the negotiating stance of the European Commission must adhere to the spirit and principles of the Cotonou partnership agreement. In particular, no ACP country should find itself worse off as a result of these negotiations.
Second, the Commission has sought to widen the EPA agenda to cover negotiations on services, intellectual property and the "Singapore issues", such as competition policy and investment, and is pressing for EU interests in these areas. All ACP countries must have a clear right to choose whether to extend the negotiations beyond trade in goods: the additional issues must be taken off the table if ACP countries wish.
Third, the Commission must ensure that if negotiations cannot be completed before the end of 2007, arrangements will be made to avoid uncertainty for our ACP partners. This requires a guarantee that, regardless of the state of EPA negotiations at that time, ACP terms and conditions of access to the EU market will remain unchanged. If the negotiations need more time, time should be taken.
Fourth, the €2bn promised for aid-for-trade includes money that has been reallocated and €1bn in pledges by member states yet to be paid. However much such funds are needed, these cash promises threaten to create a situation in which ACP regions are given unrealistic aid offers in return for compliance with what could be suboptimal EPAs. Aid and trade are intrinsically linked, but they should not be played off against one other.
Finally, despite the differing progress made by the six regions in negotiations, it is crucial that the ACP stand united, both as a group of regions and within each individual region, in order to strengthen the ACP negotiating hand. Reaffirming these five points will help set the EPAs negotiations back on track and bring the ACP and EU closer to a deal that will help the poorest in the ACP countries prosper.
Pasqualina Napoletano,
Vice-President of the Socialist Group in the European Parliament
Harlem Désir,
Vice-President of the Socialist Group in the European Parliament
Glenys Kinnock,
Co-President of the ACP-EU Joint Parliamentary Assembly
Josep Borrell,
President of the Development Committee
Max van den Berg,
Vice-President of the Development Committee and Socialist Co-ordinator for Development
Copyright The Financial Times Limited 2007
13 de março de 2007
Intervenção sobre o Tratado de Não-Proliferação Nuclear na Plenária do Parlamento Europeu, Estrasburgo, 13.3.2007
Por Ana Gomes
A próxima reunião preparatória da Conferência de Revisão de 2010 do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em Viena, é ocasião para a União Europeia liderar.
A posição europeia na Conferência Preparatória deve ser balizada por duas ideias fundamentais: fortalecer a Agência Internacional de Energia Atómica e reacender pressões para o cumprimento do Artigo 6º do TNP pelas actuais potências nucleares. Como já foi aqui dito, a modernização do Trident é incompatível com esse Artigo 6º e, ao retirar autoridade moral ao Reino Unido, também debilita a UE.
A UE deve apoiar a multilateralização do enriquecimento de urânio e a universalização do Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas - isto pode ajudar a evitar novos desafios como os colocados hoje pelo Irão. Por outro lado, a UE deve trabalhar para que se apliquem quanto antes os '13 passos' de desarmamento nuclear identificados na Conferência de Revisão de 2000.
Se a Europa não assumir a defesa do equilíbrio fundamental em que se baseia o TNP, a PrepCom de 2007 pode bem vir a marcar o princípio do fim do Tratado.
Neste contexto, é escandalosamente atentatória dos compromissos europeus a consideração unilateral pela Polónia, República Checa e Reino Unido da participação no sistema de defesa anti-míssil dos EUA: para quê a UE, ou mesmo a NATO, senão para discutir o futuro estratégico da Europa?
(Estrasburgo, 13 de Março de 2007)
A próxima reunião preparatória da Conferência de Revisão de 2010 do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em Viena, é ocasião para a União Europeia liderar.
A posição europeia na Conferência Preparatória deve ser balizada por duas ideias fundamentais: fortalecer a Agência Internacional de Energia Atómica e reacender pressões para o cumprimento do Artigo 6º do TNP pelas actuais potências nucleares. Como já foi aqui dito, a modernização do Trident é incompatível com esse Artigo 6º e, ao retirar autoridade moral ao Reino Unido, também debilita a UE.
A UE deve apoiar a multilateralização do enriquecimento de urânio e a universalização do Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas - isto pode ajudar a evitar novos desafios como os colocados hoje pelo Irão. Por outro lado, a UE deve trabalhar para que se apliquem quanto antes os '13 passos' de desarmamento nuclear identificados na Conferência de Revisão de 2000.
Se a Europa não assumir a defesa do equilíbrio fundamental em que se baseia o TNP, a PrepCom de 2007 pode bem vir a marcar o princípio do fim do Tratado.
Neste contexto, é escandalosamente atentatória dos compromissos europeus a consideração unilateral pela Polónia, República Checa e Reino Unido da participação no sistema de defesa anti-míssil dos EUA: para quê a UE, ou mesmo a NATO, senão para discutir o futuro estratégico da Europa?
(Estrasburgo, 13 de Março de 2007)
12 de março de 2007
Proibido falhar
Por Vital Moreira
Sem serem espectaculares, não deixam porém de ser animadores os resultados recentemente anunciados sobre a diminuição da procura judicial e sobre a melhoria da eficácia judicial. Todavia, sendo importante e logicamente prioritário, o descongestionamento dos tribunais é somente um primeiro passo no caminho para aumentar a eficácia e a eficiência do sistema judicial, diminuir substancialmente a morosidade e os seus custos e reconciliar os cidadãos com a justiça.
Pelos dados oficialmente disponibilizados, o número de processos entrados nos tribunais diminuiu consideravelmente, tendo também diminuído, embora marginalmente, o número de processos pendentes, invertendo as anteriores taxas de substancial crescimento dos dois referidos agregados e revertendo uma tendência que parecia uma verdadeira "lei de bronze". E estes resultados são tanto mais virtuosos quanto é certo que o "plano de descongestionamento" que os permitiu consiste em medidas de efeitos renováveis, como é o caso da descriminalização das contravenções e transgressões, transferidas para a esfera do direito sancionatório administrativo, o aumento do limiar para a criminalização dos cheques sem provisão, a eliminação preventiva de acções de cobranças de prémios de seguros, o maior recurso à "injunção" para cobrança de dívidas, a dispensa de decisão judicial para a certificação de dívidas incobráveis para efeitos fiscais, a desconcentração da competência judicial para tribunais menos congestionados (por exemplo, o tribunal do domicílio do devedor na cobrança de dívidas), etc.
No entanto, sendo decisiva - ao contrário da tentativa de desvalorização por alguns observadores -, a redução do número de processos é somente um factor entre os que são necessários para a imprescindível diminuição da ineficácia e da morosidade do nosso sistema judicial. Por um lado, não é credível pensar num corte continuado das pendências judiciais, dado que os factores de litigância não cessam de crescer (aumento do incumprimento de obrigações pecuniárias nas vendas a crédito, da criminalidade, da consciência dos direitos, do número de advogados, das garantias judiciais, etc.). Por outro lado, existem outros factores "estruturais" que pesam sobre o desempenho da justiça, que têm a ver com a organização judiciária, a complexidade processual e o facilitismo em matéria de recursos, a insuficiência de meios humanos e materiais em algumas áreas, a deficiência do controlo sobre a produtividade dos operadores judiciais. Há um claro défice de eficiência no nosso sistema judicial. Os meios disponíveis - por exemplo, o nosso número de juízes supera a média europeia - deveriam proporcionar melhores resultados, se fossem mais bem aproveitados.
Os diagnósticos estão feitos e as propostas de solução são conhecidas. Há que implementar decididamente as reformas enunciadas (várias delas já iniciadas), designadamente um novo mapa judiciário, a especialização dos tribunais e dos juízes, a racionalização e simplificação dos meios processuais (de que é exemplo o regime experimental em processo civil) e em especial dos recursos judiciais, a desmaterialização de processos e a generalização dos meios electrónicos, uma gestão profissional dos meios logísticos (edifícios, equipamentos, pessoal, aquisições, etc.), a avaliação de desempenho dos tribunais e dos magistrados, etc.
Um sistema judicial que garanta uma boa e pronta justiça não é somente necessário para assegurar o cumprimento dos contratos e das obrigações, obter reparação para os danos sofridos por acção alheia, garantir a legalidade da actividade administrativa, punir os crimes e demais infracções às leis, como é próprio de um Estado de direito. Está em causa também o bom funcionamento da economia, a fluidez dos negócios, a cobrança das dívidas, o bom governo das empresas, a justiça nas relações de trabalho, a luta contra a corrupção, enfim a confiança dos agentes económicos. Não é por acaso que o funcionamento da justiça - não somente quanto à sua independência, qualidade e eficácia, mas também quanto a sua prontidão, custos e eficiência - figura entre os factores mais relevantes em qualquer avaliação de um país quanto à segurança dos investimentos e quanto ao ambiente económico em geral. A ineficiência da justiça não constitui somente uma falha numa das funções vitais de qualquer Estado, mas também um handicap quanto ao desempenho económico e à produtividade geral de um país.
São seguramente de louvar todas as medidas de desjudicialização, diminuindo a sobrecarga dos tribunais e dos juízes, quer pelo incentivo a mecanismos alternativos de resolução de conflitos (arbitragem, julgados de paz, auto-regulação e autocomposição de litígios, organismos administrativos independentes, etc.), quer retirando dos tribunais decisões que durante muito tempo sobrecarregaram os juízes com missões que não pertencem propriamente à função judicial e que sem prejuízo podem ser devolvidas a entidades administrativas, quer pela descriminalização de condutas que melhor podem ser punidas como ilícito contra-ordenacional. Mas tudo isso pode ser mais bem compreendido e justificado como medidas destinadas, não a diminuir a protecção judicial dos direitos privados e do interesse público, mas sim como meios para uma justiça mais eficiente, mais célere e de melhor qualidade.
É por isso que a reforma da justiça é seguramente uma das mais decisivas das reformas do Estado em curso. É bom começar a obter resultados visíveis; mas é proibido falhar.
(Público, terça-feira, 06.03.2007)
Sem serem espectaculares, não deixam porém de ser animadores os resultados recentemente anunciados sobre a diminuição da procura judicial e sobre a melhoria da eficácia judicial. Todavia, sendo importante e logicamente prioritário, o descongestionamento dos tribunais é somente um primeiro passo no caminho para aumentar a eficácia e a eficiência do sistema judicial, diminuir substancialmente a morosidade e os seus custos e reconciliar os cidadãos com a justiça.
Pelos dados oficialmente disponibilizados, o número de processos entrados nos tribunais diminuiu consideravelmente, tendo também diminuído, embora marginalmente, o número de processos pendentes, invertendo as anteriores taxas de substancial crescimento dos dois referidos agregados e revertendo uma tendência que parecia uma verdadeira "lei de bronze". E estes resultados são tanto mais virtuosos quanto é certo que o "plano de descongestionamento" que os permitiu consiste em medidas de efeitos renováveis, como é o caso da descriminalização das contravenções e transgressões, transferidas para a esfera do direito sancionatório administrativo, o aumento do limiar para a criminalização dos cheques sem provisão, a eliminação preventiva de acções de cobranças de prémios de seguros, o maior recurso à "injunção" para cobrança de dívidas, a dispensa de decisão judicial para a certificação de dívidas incobráveis para efeitos fiscais, a desconcentração da competência judicial para tribunais menos congestionados (por exemplo, o tribunal do domicílio do devedor na cobrança de dívidas), etc.
No entanto, sendo decisiva - ao contrário da tentativa de desvalorização por alguns observadores -, a redução do número de processos é somente um factor entre os que são necessários para a imprescindível diminuição da ineficácia e da morosidade do nosso sistema judicial. Por um lado, não é credível pensar num corte continuado das pendências judiciais, dado que os factores de litigância não cessam de crescer (aumento do incumprimento de obrigações pecuniárias nas vendas a crédito, da criminalidade, da consciência dos direitos, do número de advogados, das garantias judiciais, etc.). Por outro lado, existem outros factores "estruturais" que pesam sobre o desempenho da justiça, que têm a ver com a organização judiciária, a complexidade processual e o facilitismo em matéria de recursos, a insuficiência de meios humanos e materiais em algumas áreas, a deficiência do controlo sobre a produtividade dos operadores judiciais. Há um claro défice de eficiência no nosso sistema judicial. Os meios disponíveis - por exemplo, o nosso número de juízes supera a média europeia - deveriam proporcionar melhores resultados, se fossem mais bem aproveitados.
Os diagnósticos estão feitos e as propostas de solução são conhecidas. Há que implementar decididamente as reformas enunciadas (várias delas já iniciadas), designadamente um novo mapa judiciário, a especialização dos tribunais e dos juízes, a racionalização e simplificação dos meios processuais (de que é exemplo o regime experimental em processo civil) e em especial dos recursos judiciais, a desmaterialização de processos e a generalização dos meios electrónicos, uma gestão profissional dos meios logísticos (edifícios, equipamentos, pessoal, aquisições, etc.), a avaliação de desempenho dos tribunais e dos magistrados, etc.
Um sistema judicial que garanta uma boa e pronta justiça não é somente necessário para assegurar o cumprimento dos contratos e das obrigações, obter reparação para os danos sofridos por acção alheia, garantir a legalidade da actividade administrativa, punir os crimes e demais infracções às leis, como é próprio de um Estado de direito. Está em causa também o bom funcionamento da economia, a fluidez dos negócios, a cobrança das dívidas, o bom governo das empresas, a justiça nas relações de trabalho, a luta contra a corrupção, enfim a confiança dos agentes económicos. Não é por acaso que o funcionamento da justiça - não somente quanto à sua independência, qualidade e eficácia, mas também quanto a sua prontidão, custos e eficiência - figura entre os factores mais relevantes em qualquer avaliação de um país quanto à segurança dos investimentos e quanto ao ambiente económico em geral. A ineficiência da justiça não constitui somente uma falha numa das funções vitais de qualquer Estado, mas também um handicap quanto ao desempenho económico e à produtividade geral de um país.
São seguramente de louvar todas as medidas de desjudicialização, diminuindo a sobrecarga dos tribunais e dos juízes, quer pelo incentivo a mecanismos alternativos de resolução de conflitos (arbitragem, julgados de paz, auto-regulação e autocomposição de litígios, organismos administrativos independentes, etc.), quer retirando dos tribunais decisões que durante muito tempo sobrecarregaram os juízes com missões que não pertencem propriamente à função judicial e que sem prejuízo podem ser devolvidas a entidades administrativas, quer pela descriminalização de condutas que melhor podem ser punidas como ilícito contra-ordenacional. Mas tudo isso pode ser mais bem compreendido e justificado como medidas destinadas, não a diminuir a protecção judicial dos direitos privados e do interesse público, mas sim como meios para uma justiça mais eficiente, mais célere e de melhor qualidade.
É por isso que a reforma da justiça é seguramente uma das mais decisivas das reformas do Estado em curso. É bom começar a obter resultados visíveis; mas é proibido falhar.
(Público, terça-feira, 06.03.2007)
Intervenção sobre o Darfur na Plenária do Parlamento Europeu, Estrasburgo, 14.2.2007
Por Ana Gomes
É de facto significativo e preocupante que a Presidência alemã não esteja hoje aqui a representar o Conselho. Diz muito sobre o real interesse e empenho no novo relacionamento com África e no trabalho pelo desenvolvimento de África. Há três anos estive juntamente com outros deputados, que já aqui falaram ou vão ainda falar, no Darfur, e deste então o que vemos é que a situação se deteriora, como disse o Sr. Comissário Almunia.
O governo de Omar al-Bashir joga, brinca com a comunidade internacional, brinca com o Conselho de Segurança, brinca com a União Europeia, brinca com a União Africana e a União Europeia diz palavras grandes e eloquentes e não age. É tempo de a União Europeia agir para exercer a sua responsabilidade de proteger. É tempo de impor uma no-fly-zone a partir do Chade. A União Europeia pode fazê-lo, pode fazê-lo, inclusivamente, juntamente com países africanos com quem tem sinergias e pode ter eficácia no terreno. É tempo de impor sanções inteligentes e faseadas, proibições de viagens e restrições de vistos, bem como o congelamento de bens em bancos e outros e parar de tratar Omar al-Bashir e os membros do seu governo como líderes responsáveis e respeitáveis. É tempo de impor efectivamente um embargo de armas. É tempo de impor outro tipo de embargos comerciais e, sobretudo, o embargo ao petróleo, e aqui, Sr. Presidente, a União Europeia tem de falar sério com a China, porque a China, como sabemos, é muito responsável por esta atitude da parte do governo de Omar al-Bashir e é pena que a Europa fique apenas à espera dos Estados Unidos, como de alguma maneira sugeriu o Sr. Comissário Almunia, porque aqui a União Europeia de actuar independentemente.
Olhemos para o que se passa não apenas no Darfur mas em todo o Sudão, em todo o Corno de África: a União Europeia não pode ficar dependente das visões e das políticas desastrosas dos Estados Unidos em relação ao Corno de África, que vemos também desastrosas na Etiópia, na Eritreia e na Somália. É tempo de a União Europeia agir e eu junto-me aos meus colegas que aqui apelam ao Conselho e ao Presidente da Comissão para que efectivamente a União Europeia não fique mais à espera e exerça a influência que realmente tem em Cartum e em África para mudar a situação e proteger as pessoas que estão a morrer em Darfur, senão daqui a três anos eu e outros colegas estaremos com o Sr. Comissário Almunia ou outro comissário a carpir que a situação não parou de deteriorar-se.
(Estrasburgo, 14 de Fevereiro de 2007)
É de facto significativo e preocupante que a Presidência alemã não esteja hoje aqui a representar o Conselho. Diz muito sobre o real interesse e empenho no novo relacionamento com África e no trabalho pelo desenvolvimento de África. Há três anos estive juntamente com outros deputados, que já aqui falaram ou vão ainda falar, no Darfur, e deste então o que vemos é que a situação se deteriora, como disse o Sr. Comissário Almunia.
O governo de Omar al-Bashir joga, brinca com a comunidade internacional, brinca com o Conselho de Segurança, brinca com a União Europeia, brinca com a União Africana e a União Europeia diz palavras grandes e eloquentes e não age. É tempo de a União Europeia agir para exercer a sua responsabilidade de proteger. É tempo de impor uma no-fly-zone a partir do Chade. A União Europeia pode fazê-lo, pode fazê-lo, inclusivamente, juntamente com países africanos com quem tem sinergias e pode ter eficácia no terreno. É tempo de impor sanções inteligentes e faseadas, proibições de viagens e restrições de vistos, bem como o congelamento de bens em bancos e outros e parar de tratar Omar al-Bashir e os membros do seu governo como líderes responsáveis e respeitáveis. É tempo de impor efectivamente um embargo de armas. É tempo de impor outro tipo de embargos comerciais e, sobretudo, o embargo ao petróleo, e aqui, Sr. Presidente, a União Europeia tem de falar sério com a China, porque a China, como sabemos, é muito responsável por esta atitude da parte do governo de Omar al-Bashir e é pena que a Europa fique apenas à espera dos Estados Unidos, como de alguma maneira sugeriu o Sr. Comissário Almunia, porque aqui a União Europeia de actuar independentemente.
Olhemos para o que se passa não apenas no Darfur mas em todo o Sudão, em todo o Corno de África: a União Europeia não pode ficar dependente das visões e das políticas desastrosas dos Estados Unidos em relação ao Corno de África, que vemos também desastrosas na Etiópia, na Eritreia e na Somália. É tempo de a União Europeia agir e eu junto-me aos meus colegas que aqui apelam ao Conselho e ao Presidente da Comissão para que efectivamente a União Europeia não fique mais à espera e exerça a influência que realmente tem em Cartum e em África para mudar a situação e proteger as pessoas que estão a morrer em Darfur, senão daqui a três anos eu e outros colegas estaremos com o Sr. Comissário Almunia ou outro comissário a carpir que a situação não parou de deteriorar-se.
(Estrasburgo, 14 de Fevereiro de 2007)
'Eixo do mal' fora dos eixos
Por Ana Gomes
Em Dezembro o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) impôs sanções suaves contra o Irão, visando puni-lo pela falta de transparência do programa nuclear (que Teerão pretende apenas civil) e pela recusa em suspender o enriquecimento de urânio, como já tinha sido exigido pela resolução 1696 (de 31 de Julho). Agora, o último relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA) vem confirmar que o Irão não só não suspendeu o enriquecimento de urânio, como está a semanas de o passar da fase experimental para a escala industrial.
Há três possíveis abordagens para lidar com a atitude desafiadora de um regime que ameaça não só Israel, mas também os vizinhos no Golfo Pérsico, e interfere no Iraque, no Líbano e na Palestina:
A primeira consiste em manter o presente rumo, supostamente intensificando as sanções e insistindo no princípio do abandono por parte do Irão do enriquecimento doméstico de urânio. Tendo em conta a incapacidade do CSNU em se pôr de acordo sobre sanções verdadeiramente punitivas (como a proibição de viajar para os líderes do regime, a suspensão do apoio técnico à indústria petrolífera iraniana ou um embargo de armas) e a relutância de países europeus em limitar as relações económicas com Teerão (incluindo Portugal, que parece sonhar com uma faustiana joint-venture luso-iraniana no Porto de Sines), é evidente que esta abordagem não abala Teerão e não lhe afecta a capacidade de desenvolver uma bomba nuclear.
A segunda possibilidade é a advogada pelo International Crisis Group (ICG), e consiste em permitir que o Irão mantenha algum enriquecimento doméstico para fins pacíficos, em contrapartida de apertada vigilância da AEIA. Neste cenário, qualquer tentativa por parte do Irão de desenvolver a bomba levaria automaticamente a pesadas sanções económicas e à possibilidade de uma opção militar. Desta forma, o Irão salvaria a face e os danos da já consumada capacidade iraniana de enriquecimento seriam aceites pela comunidade internacional, mas circunscritos.
Finalmente, a opção militar. Para além do facto de o CSNU nunca vir a dar luz verde a um assalto preventivo israelita ou a mais uma aventura militar de uma administração americana descredibilizada no Médio Oriente e não só, todos os especialistas na matéria insistem que um ataque militar não faria mais do que atrasar por alguns anos o programa iraniano: não é possível atingir os alvos subterrâneos e muito menos "desensinar" os cientistas iranianos.
A lição principal do recente acordo nuclear com a Coreia do Norte (agora súbita - mas tardiamente - fora do 'eixo do mal') é clara: o óptimo é inimigo do bom. Toda a gente preferia que o regime em Teerão fosse outro, que o Irão não tivesse aspirações hegemónicas na região, que não tivesse uma retórica ameaçadora em relação a Israel, que não tivesse relações tão boas com a Rússia e que não tivesse um programa nuclear tão avançado. Mas tem.
Portanto, a menos que a última demonstração de intransigência iraniana leve a um verdadeiro esforço global no sentido de esgotar as possibilidades de punições não-militares à disposição da comunidade internacional, temos de contemplar a alternativa proposta pelo ICG.
É difícil adivinhar qual será a resposta do regime iraniano a uma proposta com estes contornos, até porque se o objectivo de Teerão for a bomba nuclear a qualquer preço, não há solução pacífica, ou opção militar que nos ajude. Mas se for verdade que o debate interno iraniano começa a dar sinais de desconforto com a inflexibilidade da liderança, vale a pena fazer cedência e tentar evitar o confronto militar.
É que um ataque ao Irão nunca será cirúrgico e preciso. Atacar o Irão significa ir para a guerra. À séria. Estamos preparados?
(Publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 2.3.2007)
Em Dezembro o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) impôs sanções suaves contra o Irão, visando puni-lo pela falta de transparência do programa nuclear (que Teerão pretende apenas civil) e pela recusa em suspender o enriquecimento de urânio, como já tinha sido exigido pela resolução 1696 (de 31 de Julho). Agora, o último relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AEIA) vem confirmar que o Irão não só não suspendeu o enriquecimento de urânio, como está a semanas de o passar da fase experimental para a escala industrial.
Há três possíveis abordagens para lidar com a atitude desafiadora de um regime que ameaça não só Israel, mas também os vizinhos no Golfo Pérsico, e interfere no Iraque, no Líbano e na Palestina:
A primeira consiste em manter o presente rumo, supostamente intensificando as sanções e insistindo no princípio do abandono por parte do Irão do enriquecimento doméstico de urânio. Tendo em conta a incapacidade do CSNU em se pôr de acordo sobre sanções verdadeiramente punitivas (como a proibição de viajar para os líderes do regime, a suspensão do apoio técnico à indústria petrolífera iraniana ou um embargo de armas) e a relutância de países europeus em limitar as relações económicas com Teerão (incluindo Portugal, que parece sonhar com uma faustiana joint-venture luso-iraniana no Porto de Sines), é evidente que esta abordagem não abala Teerão e não lhe afecta a capacidade de desenvolver uma bomba nuclear.
A segunda possibilidade é a advogada pelo International Crisis Group (ICG), e consiste em permitir que o Irão mantenha algum enriquecimento doméstico para fins pacíficos, em contrapartida de apertada vigilância da AEIA. Neste cenário, qualquer tentativa por parte do Irão de desenvolver a bomba levaria automaticamente a pesadas sanções económicas e à possibilidade de uma opção militar. Desta forma, o Irão salvaria a face e os danos da já consumada capacidade iraniana de enriquecimento seriam aceites pela comunidade internacional, mas circunscritos.
Finalmente, a opção militar. Para além do facto de o CSNU nunca vir a dar luz verde a um assalto preventivo israelita ou a mais uma aventura militar de uma administração americana descredibilizada no Médio Oriente e não só, todos os especialistas na matéria insistem que um ataque militar não faria mais do que atrasar por alguns anos o programa iraniano: não é possível atingir os alvos subterrâneos e muito menos "desensinar" os cientistas iranianos.
A lição principal do recente acordo nuclear com a Coreia do Norte (agora súbita - mas tardiamente - fora do 'eixo do mal') é clara: o óptimo é inimigo do bom. Toda a gente preferia que o regime em Teerão fosse outro, que o Irão não tivesse aspirações hegemónicas na região, que não tivesse uma retórica ameaçadora em relação a Israel, que não tivesse relações tão boas com a Rússia e que não tivesse um programa nuclear tão avançado. Mas tem.
Portanto, a menos que a última demonstração de intransigência iraniana leve a um verdadeiro esforço global no sentido de esgotar as possibilidades de punições não-militares à disposição da comunidade internacional, temos de contemplar a alternativa proposta pelo ICG.
É difícil adivinhar qual será a resposta do regime iraniano a uma proposta com estes contornos, até porque se o objectivo de Teerão for a bomba nuclear a qualquer preço, não há solução pacífica, ou opção militar que nos ajude. Mas se for verdade que o debate interno iraniano começa a dar sinais de desconforto com a inflexibilidade da liderança, vale a pena fazer cedência e tentar evitar o confronto militar.
É que um ataque ao Irão nunca será cirúrgico e preciso. Atacar o Irão significa ir para a guerra. À séria. Estamos preparados?
(Publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 2.3.2007)
Ligeireza nas armas ligeiras
Por Ana Gomes
Desde 1990, mais de 2 milhões de crianças foram mortas e mais de 6 milhões ficaram feridas em guerras diversas. A esmagadora maioria vitimadas por armas ligeiras e de pequeno calibre. Em África e noutras regiões, longe das câmaras e da nossa atenção, são no dia-a-dia estas as armas que alimentam os conflitos e espalham a morte, cimentando a reputação de verdadeiras ADM (armas de destruição maciça) nos países mais pobres do planeta.
A facilidade em transportar e produzir estas armas torna-as particularmente apreciadas no comércio, lícito e ilícito. A sua leveza incentiva o recrutamento de crianças-soldados, um das implicações mais repugnantes do comércio destas armas, particularmente comum na região dos Grandes Lagos em África.
Sabemos como a paz e a segurança são inseparáveis do desenvolvimento sustentável. Os países do G8, os mais ricos do mundo, gastam em "ajuda oficial ao desenvolvimento" 63 mil milhões de Euros por ano, suportando a Europa mais de metade. Mas ao mesmo tempo, entre 2002 e 2005, por exemplo, os países europeus foram responsáveis por mais de metade do valor dos acordos de exportação de armamento para o continente africano: € 2 mil milhões. Muitos destes negócios de exportação de armamento são feitos com países ditos estáveis, como o Egipto e a África do Sul. Mas a verdade é que a exportação legal e ilegal de armas ligeiras por países europeus e outros (especialmente a China e a Rússia) contribui em muito para desfazer rapidamente aquilo que foi construído em décadas de cooperação para o desenvolvimento.
Muito depende de se regulamentar a exportação legal de armamento de forma a evitar que este caia nas mãos erradas. A União Europeia tem assumido a liderança internacional nesta matéria, no quadro do Programa das Nações Unidas contra o comércio ilegal destas armas. Em 1998 foi criado um Código de Conduta de Exportação de Armamento da UE, cuja sofisticação e eficácia aumenta de ano para ano e cujos relatórios anuais descrevem minuciosamente as exportações de armamento que cada Estado Membro declara. Mas há exportações não declaradas. Na verdade, o Código é um compromisso político de boas intenções: não é ainda juridicamente vinculativo, como tem insistentemente recomendado o PE. E alguns Estados Membros (Portugal incluído) consideram até que "já se cumpre bem".
O sistema nacional de controlo de exportação de armamento é complexo, já que assenta numa distinção importante, mas difícil de operacionalizar, entre armamento militar (da responsabilidade do Ministério da Defesa Nacional) e o resto (da responsabilidade da PSP/Ministério da Administração Interna). Existe o sério risco das exportações de armas ligeiras e de pequeno calibre que não são consideradas de 'utilização militar' escaparem a critérios políticos, estratégicos e acima de tudo, humanitários, quando são apreciadas para efeitos de autorização. Um exemplo: entre 1998 e 2003 foram exportadas armas de fogo para fins não militares para o Líbano, no valor de USD $460.000. Pode tratar-se de uma exportação "inocente". Ou talvez não.
Suscita também interrogações o elevado números de armeiros (potenciais exportadores) acreditados no MDN e na PSP. Como se explica o facto de estarem registados mais de 400 no MDN e outros tantos na PSP, quando há apenas uma fábrica em Viana do Castelo que produz armas ligeiras e é suposta exportar para a casa-mãe, na Bélgica, boa parte do que fabrica? Quem são estes numerosos armeiros registados? O que exportam e para onde? Quem controla realmente o que exportam, quando e para onde? Estas questões precisam de ser esclarecidas, tanto mais que Portugal é um dos poucos países da União Europeia que ainda não estão a aplicar uma Posição Comum do Conselho Europeu (de 2003 ! ) sobre a intermediação de armamento, sendo a nossa legislação nesta área completamente insuficiente para lidar com um sector cada vez mais transnacional e cada vez menos escrupuloso.
Quem não pode eximir-se de exercer controlo político nesta área é o MNE, que deve transmitir aos outros departamentos do Estado (MDN, MAI) as linhas mestras da política de exportação de armamento portuguesa (se é que existe), muito além do mero cumprimento de embargos de armas e que tem de assegurar o respeito do Código de Conduta da UE.
Como portugueses e europeus temos que ser inatacáveis neste domínio. Só assim podemos pretender que a UE lidere os esforços globais na área do desarmamento convencional. E só assim podemos pretender sermos coerentes na aplicação das estratégias europeias para África e em favor do desenvolvimento.
(Publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 16.2.2007)
Desde 1990, mais de 2 milhões de crianças foram mortas e mais de 6 milhões ficaram feridas em guerras diversas. A esmagadora maioria vitimadas por armas ligeiras e de pequeno calibre. Em África e noutras regiões, longe das câmaras e da nossa atenção, são no dia-a-dia estas as armas que alimentam os conflitos e espalham a morte, cimentando a reputação de verdadeiras ADM (armas de destruição maciça) nos países mais pobres do planeta.
A facilidade em transportar e produzir estas armas torna-as particularmente apreciadas no comércio, lícito e ilícito. A sua leveza incentiva o recrutamento de crianças-soldados, um das implicações mais repugnantes do comércio destas armas, particularmente comum na região dos Grandes Lagos em África.
Sabemos como a paz e a segurança são inseparáveis do desenvolvimento sustentável. Os países do G8, os mais ricos do mundo, gastam em "ajuda oficial ao desenvolvimento" 63 mil milhões de Euros por ano, suportando a Europa mais de metade. Mas ao mesmo tempo, entre 2002 e 2005, por exemplo, os países europeus foram responsáveis por mais de metade do valor dos acordos de exportação de armamento para o continente africano: € 2 mil milhões. Muitos destes negócios de exportação de armamento são feitos com países ditos estáveis, como o Egipto e a África do Sul. Mas a verdade é que a exportação legal e ilegal de armas ligeiras por países europeus e outros (especialmente a China e a Rússia) contribui em muito para desfazer rapidamente aquilo que foi construído em décadas de cooperação para o desenvolvimento.
Muito depende de se regulamentar a exportação legal de armamento de forma a evitar que este caia nas mãos erradas. A União Europeia tem assumido a liderança internacional nesta matéria, no quadro do Programa das Nações Unidas contra o comércio ilegal destas armas. Em 1998 foi criado um Código de Conduta de Exportação de Armamento da UE, cuja sofisticação e eficácia aumenta de ano para ano e cujos relatórios anuais descrevem minuciosamente as exportações de armamento que cada Estado Membro declara. Mas há exportações não declaradas. Na verdade, o Código é um compromisso político de boas intenções: não é ainda juridicamente vinculativo, como tem insistentemente recomendado o PE. E alguns Estados Membros (Portugal incluído) consideram até que "já se cumpre bem".
O sistema nacional de controlo de exportação de armamento é complexo, já que assenta numa distinção importante, mas difícil de operacionalizar, entre armamento militar (da responsabilidade do Ministério da Defesa Nacional) e o resto (da responsabilidade da PSP/Ministério da Administração Interna). Existe o sério risco das exportações de armas ligeiras e de pequeno calibre que não são consideradas de 'utilização militar' escaparem a critérios políticos, estratégicos e acima de tudo, humanitários, quando são apreciadas para efeitos de autorização. Um exemplo: entre 1998 e 2003 foram exportadas armas de fogo para fins não militares para o Líbano, no valor de USD $460.000. Pode tratar-se de uma exportação "inocente". Ou talvez não.
Suscita também interrogações o elevado números de armeiros (potenciais exportadores) acreditados no MDN e na PSP. Como se explica o facto de estarem registados mais de 400 no MDN e outros tantos na PSP, quando há apenas uma fábrica em Viana do Castelo que produz armas ligeiras e é suposta exportar para a casa-mãe, na Bélgica, boa parte do que fabrica? Quem são estes numerosos armeiros registados? O que exportam e para onde? Quem controla realmente o que exportam, quando e para onde? Estas questões precisam de ser esclarecidas, tanto mais que Portugal é um dos poucos países da União Europeia que ainda não estão a aplicar uma Posição Comum do Conselho Europeu (de 2003 ! ) sobre a intermediação de armamento, sendo a nossa legislação nesta área completamente insuficiente para lidar com um sector cada vez mais transnacional e cada vez menos escrupuloso.
Quem não pode eximir-se de exercer controlo político nesta área é o MNE, que deve transmitir aos outros departamentos do Estado (MDN, MAI) as linhas mestras da política de exportação de armamento portuguesa (se é que existe), muito além do mero cumprimento de embargos de armas e que tem de assegurar o respeito do Código de Conduta da UE.
Como portugueses e europeus temos que ser inatacáveis neste domínio. Só assim podemos pretender que a UE lidere os esforços globais na área do desarmamento convencional. E só assim podemos pretender sermos coerentes na aplicação das estratégias europeias para África e em favor do desenvolvimento.
(Publicado no COURRIER INTERNACIONAL, em 16.2.2007)
4 de março de 2007
Que fazer da Constituição Europeia?
Por Vital Moreira
Terminado o "período de reflexão" que a UE impôs a si mesma a seguir à rejeição do tratado constitucional nos referendos de França e da Holanda em 2005, a questão da Constituição Europeia voltou à agenda política europeia. A presidência alemã anunciou desde logo que esse tema estaria entre as suas prioridades, estando já marcado para Junho uma cimeira sobre o "Futuro da Constituição da UE", tendo pelo meio as comemorações do 50º aniversário do Tratado de Roma, em 9 de Junho, e uma muito esperada "Declaração de Berlim" sobre o futuro da UE, em 25 de Março, que poderá anunciar a reabertura do processo constitucional.
Mas será que a aprovação da Constituição pelos 27 Estados-membro (até agora só 18 o fizeram) é viável neste momento, não somente pelos dois países que já a rejeitaram, mas também pelos que entretanto reforçaram as suas reservas contra ela?
Depois de um encontro dos países que aprovaram a Constituição, reunida em Madrid no final de Janeiro, decorreu agora a reunião dos que ainda a não ratificaram. A par desses encontros formais, vão sendo produzidas afirmações desgarradas de dirigentes políticos nacionais sobre o futuro do tratado constitucional, oscilando entre os que entendem que ele deve avançar sem nenhuma alteração substancial até aos que defendem que ele deve ser abandonado e substituído por um tratado "de via reduzida", restrito às questões institucionais (presidente permanente do Conselho, composição da Comissão, votações por maioria, ministro dos negócios estrangeiros, etc.), sem mexer no resto dos actuais tratados.
Não são visíveis progressos na convergência de posições e de soluções. O panorama político também não ajuda a fazer previsões. Entre os factores decisivos contam-se as eleições presidenciais e legislativas francesas (em Abril, Maio e Junho, respectivamente), a saída de Tony Blair da chefia do Governo britânico e sua substituição por Gordon Brown, em data indefinida, mas provavelmente antes do Verão. Ora, nenhum destes acontecimentos políticos favorece a Constituição europeia.
No caso francês, enquanto Ségolène Royal preconiza um reforço da componente social do documento (para o que escasseiam as condições no actual panorama político europeu) e um novo referendo, já Nicolas Sarkozy é um dos defensores de um mini-tratado, puramente institucional, o que permitiria dispensar novo referendo em França. No caso da Grã-Bretanha, Brown é seguramente bem menos adepto de uma constituição europeia do que Blair, sobretudo se incluindo uma "carta social" adicional, sendo provável o seu alinhamento com uma posição próxima de Sarkozy. Somente grandes ganhos noutras áreas (por exemplo, a reforma da Política Agrícola Comum e na liberalização económica) poderiam eventualmente demover a resistência britânica.
Se a isto se juntar o pouco ou nenhum entusiasmo de outros governos, como o polaco, pelo texto assinado em Roma em 2004, mesmo no que respeita ao arranjo institucional, então temos um horizonte pouco auspicioso, que nem o voluntarismo de Angela Merkel poderá superar. Se falhar a cimeira sobre o tema prevista para Junho, o mais provável é que a presidência portuguesa, no segundo semestre, venha herdar um dossier sem saída à vista e se limite constatar a falta de condições para insistir no texto pendente de ratificação.
E, no entanto, há um consenso generalizado de que, depois do recente alargamento a 27 membros (e mais algumas adesões na calha), a UE se tornou dificilmente governável com os actuais mecanismos institucionais e procedimentais. Os factores de paralisia e de verificação de impasses são muito fortes. Há que reformar os actuais tratados sem muita demora, a tempo de estarem operacionais antes das próximas eleições europeias, em 2009.
A alternativa, então, afigura-se ser esta: ou se insiste no texto pendente de ratificação, aguardando o tempo que for preciso para que amadureçam as condições necessárias para uma eventual aprovação; ou se abandona essa ambição, por agora, e se concentram esforços em objectivos mais limitados, mas mais alcançáveis no curto prazo. Há momentos em que um compromisso de médio alcance é melhor do que nenhum.
(Diário Económico, 28 de Fevereiro de 2007)
Terminado o "período de reflexão" que a UE impôs a si mesma a seguir à rejeição do tratado constitucional nos referendos de França e da Holanda em 2005, a questão da Constituição Europeia voltou à agenda política europeia. A presidência alemã anunciou desde logo que esse tema estaria entre as suas prioridades, estando já marcado para Junho uma cimeira sobre o "Futuro da Constituição da UE", tendo pelo meio as comemorações do 50º aniversário do Tratado de Roma, em 9 de Junho, e uma muito esperada "Declaração de Berlim" sobre o futuro da UE, em 25 de Março, que poderá anunciar a reabertura do processo constitucional.
Mas será que a aprovação da Constituição pelos 27 Estados-membro (até agora só 18 o fizeram) é viável neste momento, não somente pelos dois países que já a rejeitaram, mas também pelos que entretanto reforçaram as suas reservas contra ela?
Depois de um encontro dos países que aprovaram a Constituição, reunida em Madrid no final de Janeiro, decorreu agora a reunião dos que ainda a não ratificaram. A par desses encontros formais, vão sendo produzidas afirmações desgarradas de dirigentes políticos nacionais sobre o futuro do tratado constitucional, oscilando entre os que entendem que ele deve avançar sem nenhuma alteração substancial até aos que defendem que ele deve ser abandonado e substituído por um tratado "de via reduzida", restrito às questões institucionais (presidente permanente do Conselho, composição da Comissão, votações por maioria, ministro dos negócios estrangeiros, etc.), sem mexer no resto dos actuais tratados.
Não são visíveis progressos na convergência de posições e de soluções. O panorama político também não ajuda a fazer previsões. Entre os factores decisivos contam-se as eleições presidenciais e legislativas francesas (em Abril, Maio e Junho, respectivamente), a saída de Tony Blair da chefia do Governo britânico e sua substituição por Gordon Brown, em data indefinida, mas provavelmente antes do Verão. Ora, nenhum destes acontecimentos políticos favorece a Constituição europeia.
No caso francês, enquanto Ségolène Royal preconiza um reforço da componente social do documento (para o que escasseiam as condições no actual panorama político europeu) e um novo referendo, já Nicolas Sarkozy é um dos defensores de um mini-tratado, puramente institucional, o que permitiria dispensar novo referendo em França. No caso da Grã-Bretanha, Brown é seguramente bem menos adepto de uma constituição europeia do que Blair, sobretudo se incluindo uma "carta social" adicional, sendo provável o seu alinhamento com uma posição próxima de Sarkozy. Somente grandes ganhos noutras áreas (por exemplo, a reforma da Política Agrícola Comum e na liberalização económica) poderiam eventualmente demover a resistência britânica.
Se a isto se juntar o pouco ou nenhum entusiasmo de outros governos, como o polaco, pelo texto assinado em Roma em 2004, mesmo no que respeita ao arranjo institucional, então temos um horizonte pouco auspicioso, que nem o voluntarismo de Angela Merkel poderá superar. Se falhar a cimeira sobre o tema prevista para Junho, o mais provável é que a presidência portuguesa, no segundo semestre, venha herdar um dossier sem saída à vista e se limite constatar a falta de condições para insistir no texto pendente de ratificação.
E, no entanto, há um consenso generalizado de que, depois do recente alargamento a 27 membros (e mais algumas adesões na calha), a UE se tornou dificilmente governável com os actuais mecanismos institucionais e procedimentais. Os factores de paralisia e de verificação de impasses são muito fortes. Há que reformar os actuais tratados sem muita demora, a tempo de estarem operacionais antes das próximas eleições europeias, em 2009.
A alternativa, então, afigura-se ser esta: ou se insiste no texto pendente de ratificação, aguardando o tempo que for preciso para que amadureçam as condições necessárias para uma eventual aprovação; ou se abandona essa ambição, por agora, e se concentram esforços em objectivos mais limitados, mas mais alcançáveis no curto prazo. Há momentos em que um compromisso de médio alcance é melhor do que nenhum.
(Diário Económico, 28 de Fevereiro de 2007)
Loteamento partidário
Por Vital Moreira
Há poucos dias, o PÚBLICO noticiava que a empresa municipal Gebalis, que gere o parque de bairros municipais de Lisboa, tem perto de 30 trabalhadores do PSD, cuja secção partidária é coordenada pelo próprio vereador do pelouro competente para essa área, trabalhadores esses recrutados pelo mesmo vereador quando foi director da referida empresa.
Esta notícia, perdida na secção local do jornal, não suscitou aparentemente nenhum escândalo nem por parte da opinião pública nem por parte das oposições no município lisboeta. No entanto, ela levanta quatro problemas que não devem passar despercebidos, a saber: (i) a instrumentalização partidária dos serviços e empresas públicas; (ii) a promiscuidade entre o desempenho de cargos públicos e o exercício de funções partidárias; (iii) os efeitos perversos da partilha pluripartidária do poder executivo municipal; (iv) a situação especialmente grave do caso de Lisboa. Vejamos separadamente cada um deles.
Em primeiro lugar, um dos princípios básicos num Estado de direito democrático é o direito de acesso ao emprego no sector público em condições de igualdade, sem favoritismos, nomeadamente de natureza partidária. Daí a distinção entre cargos de confiança política, de livre escolha e exoneração, e as funções que devem reger-se por relações de emprego imunes à preferência partidária. Por isso é que tradicionalmente os lugares na função pública são providos por concurso e que na lei do contrato de trabalho na Administração Pública existe um procedimento de recrutamento público, aberto e imparcial.
No entanto, a lei exclui as empresas públicas, porventura pressupondo que a gestão empresarial conduzirá automaticamente a um recrutamento imparcial, tendo em conta somente o melhor interesse e a eficiência da empresa. Infelizmente, sabemos bem que assim não é, sobretudo em empresas não sujeitas à concorrência (como é o caso). Por isso, é altura de encarar a extensão dos referidos procedimentos ao sector público empresarial, sob pena de manter situações, como a da notícia, de clara violação dos princípios constitucionais no acesso ao emprego no sector público.
Em segundo lugar, embora os cargos públicos de natureza electiva sejam normalmente exercidos por pessoas pertencentes a partidos políticos, impõe-se uma separação entre o desempenho daqueles e o exercício de funções partidárias. Não é preciso sequer que seja a lei a estabelecer as necessárias incompatibilidades, bastando um mínimo de ética política democrática e de virtude republicana para as aconselhar. É intolerável, sob qualquer ponto de vista, a situação de um vereador a desempenhar funções de "controleiro" político dos trabalhadores pertencentes ao seu partido nos próprios serviços ou empresas sob sua tutela. Já se imaginou um ministro a controlar os trabalhadores do partido do Governo nas empresas do seu ministério?
"Est modus in rebus", diziam os romanos, querendo dizer que há limites para tudo. O mínimo que se pode exigir é que os partidos políticos adoptem e façam cumprir códigos de ética política que evitem situações tão escandalosas como a relatada na notícia referida. Não podemos consentir situações destas e depois lamentar a crescente desafeição e desconfiança popular em relação aos partidos políticos e à vida partidária.
Em terceiro lugar, é evidente que situações como a referida, incluindo o edificante silêncio dos partidos de oposição ("quem tem telhados de vidro"...), testemunham os malefícios da partilha partidária do poder local, imposta pelo actual sistema de governo municipal. Inicialmente, pensava-se que a eleição proporcional da câmara municipal e a coabitação forçada da maioria e da oposição facilitariam o controlo do executivo municipal no próprio interior da câmara. Mas a realidade prova que, na maior parte das vezes, não é isso que sucede. A partilha do poder, mesmo na oposição, gera cumplicidades, facilita a distribuição de posições e de vantagens, proporciona a "compra" da oposição pela maioria, mediante a distribuição de benesses (atribuição de pelouros e de responsabilidades em estabelecimentos ou empresas municipais, recrutamento de assessores e outro pessoal, etc.).
Por isso, impõe-se a revisão do sistema de governo municipal, de forma a separar os papéis da maioria (que deve governar sob sua inteira responsabilidade) e da oposição (que deve escrutinar e controlar a câmara municipal), bem como a reduzir a dimensão dos executivos municipais (há alguma razão para Lisboa ter quase 20 vereadores?!), a restaurar a função fiscalizadora da assembleia municipal (que o actual sistema praticamente esvazia), tudo isto, porém, sem substituir a situação actual por uma espécie de superpresidencialismo municipal (venha o diabo e escolha...), com a "atrelagem" da eleição da assembleia à eleição do presidente da câmara, como propõem tanto o PS como o PSD.
Por último, há que observar que Lisboa constitui um caso paradigmático de loteamento partidário do poder autárquico. Por várias razões: por ser o município da capital, com vastos recursos, que os diversos partidos políticos aproveitaram para "encabidar" centenas de quadros partidários (desde incontáveis assessores aos empolados quadros dos serviços e empresas municipais); por ter tido vários governos de coligação, onde todos os partidos do arco parlamentar têm participado e tirado proveito, em maior ou menor medida; por ter sido o primeiro município a fazer proliferar as empresas municipais, com a criação de numerosos lugares bem remunerados e o favorecimento partidário que isso proporciona, etc.
Decididamente, o saneamento político do poder local deve começar por Lisboa.
(Vital Moreira, Público, 27.02.2007)
Há poucos dias, o PÚBLICO noticiava que a empresa municipal Gebalis, que gere o parque de bairros municipais de Lisboa, tem perto de 30 trabalhadores do PSD, cuja secção partidária é coordenada pelo próprio vereador do pelouro competente para essa área, trabalhadores esses recrutados pelo mesmo vereador quando foi director da referida empresa.
Esta notícia, perdida na secção local do jornal, não suscitou aparentemente nenhum escândalo nem por parte da opinião pública nem por parte das oposições no município lisboeta. No entanto, ela levanta quatro problemas que não devem passar despercebidos, a saber: (i) a instrumentalização partidária dos serviços e empresas públicas; (ii) a promiscuidade entre o desempenho de cargos públicos e o exercício de funções partidárias; (iii) os efeitos perversos da partilha pluripartidária do poder executivo municipal; (iv) a situação especialmente grave do caso de Lisboa. Vejamos separadamente cada um deles.
Em primeiro lugar, um dos princípios básicos num Estado de direito democrático é o direito de acesso ao emprego no sector público em condições de igualdade, sem favoritismos, nomeadamente de natureza partidária. Daí a distinção entre cargos de confiança política, de livre escolha e exoneração, e as funções que devem reger-se por relações de emprego imunes à preferência partidária. Por isso é que tradicionalmente os lugares na função pública são providos por concurso e que na lei do contrato de trabalho na Administração Pública existe um procedimento de recrutamento público, aberto e imparcial.
No entanto, a lei exclui as empresas públicas, porventura pressupondo que a gestão empresarial conduzirá automaticamente a um recrutamento imparcial, tendo em conta somente o melhor interesse e a eficiência da empresa. Infelizmente, sabemos bem que assim não é, sobretudo em empresas não sujeitas à concorrência (como é o caso). Por isso, é altura de encarar a extensão dos referidos procedimentos ao sector público empresarial, sob pena de manter situações, como a da notícia, de clara violação dos princípios constitucionais no acesso ao emprego no sector público.
Em segundo lugar, embora os cargos públicos de natureza electiva sejam normalmente exercidos por pessoas pertencentes a partidos políticos, impõe-se uma separação entre o desempenho daqueles e o exercício de funções partidárias. Não é preciso sequer que seja a lei a estabelecer as necessárias incompatibilidades, bastando um mínimo de ética política democrática e de virtude republicana para as aconselhar. É intolerável, sob qualquer ponto de vista, a situação de um vereador a desempenhar funções de "controleiro" político dos trabalhadores pertencentes ao seu partido nos próprios serviços ou empresas sob sua tutela. Já se imaginou um ministro a controlar os trabalhadores do partido do Governo nas empresas do seu ministério?
"Est modus in rebus", diziam os romanos, querendo dizer que há limites para tudo. O mínimo que se pode exigir é que os partidos políticos adoptem e façam cumprir códigos de ética política que evitem situações tão escandalosas como a relatada na notícia referida. Não podemos consentir situações destas e depois lamentar a crescente desafeição e desconfiança popular em relação aos partidos políticos e à vida partidária.
Em terceiro lugar, é evidente que situações como a referida, incluindo o edificante silêncio dos partidos de oposição ("quem tem telhados de vidro"...), testemunham os malefícios da partilha partidária do poder local, imposta pelo actual sistema de governo municipal. Inicialmente, pensava-se que a eleição proporcional da câmara municipal e a coabitação forçada da maioria e da oposição facilitariam o controlo do executivo municipal no próprio interior da câmara. Mas a realidade prova que, na maior parte das vezes, não é isso que sucede. A partilha do poder, mesmo na oposição, gera cumplicidades, facilita a distribuição de posições e de vantagens, proporciona a "compra" da oposição pela maioria, mediante a distribuição de benesses (atribuição de pelouros e de responsabilidades em estabelecimentos ou empresas municipais, recrutamento de assessores e outro pessoal, etc.).
Por isso, impõe-se a revisão do sistema de governo municipal, de forma a separar os papéis da maioria (que deve governar sob sua inteira responsabilidade) e da oposição (que deve escrutinar e controlar a câmara municipal), bem como a reduzir a dimensão dos executivos municipais (há alguma razão para Lisboa ter quase 20 vereadores?!), a restaurar a função fiscalizadora da assembleia municipal (que o actual sistema praticamente esvazia), tudo isto, porém, sem substituir a situação actual por uma espécie de superpresidencialismo municipal (venha o diabo e escolha...), com a "atrelagem" da eleição da assembleia à eleição do presidente da câmara, como propõem tanto o PS como o PSD.
Por último, há que observar que Lisboa constitui um caso paradigmático de loteamento partidário do poder autárquico. Por várias razões: por ser o município da capital, com vastos recursos, que os diversos partidos políticos aproveitaram para "encabidar" centenas de quadros partidários (desde incontáveis assessores aos empolados quadros dos serviços e empresas municipais); por ter tido vários governos de coligação, onde todos os partidos do arco parlamentar têm participado e tirado proveito, em maior ou menor medida; por ter sido o primeiro município a fazer proliferar as empresas municipais, com a criação de numerosos lugares bem remunerados e o favorecimento partidário que isso proporciona, etc.
Decididamente, o saneamento político do poder local deve começar por Lisboa.
(Vital Moreira, Público, 27.02.2007)
1 de março de 2007
A acta escondida do Acordo das Lajes
Por Armando Mendes, publicado no "DIÁRIO INSULAR" em 25.2.2007
BENEFÍCIOS NUNCA CONCRETIZADOS
A acta escondida do Acordo das Lajes
O escaravelho japonês continua a infestar os Açores, ilha a ilha; o queijo de S. Jorge está na lista negra das alfândegas norte-americanas; os rebocadores e as gruas para equipar os portos dos Açores nunca apareceram, e por aí fora. A Acta Final do Acordo das Lajes contempla estes benefícios para os Açores. O documento nunca foi publicado. Permaneceu no fundo duma gaveta, tal como os benefícios, que só seriam concretizados com a “boa vontade” norte-americana.
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, conhecido e com total propriedade, por Acordo das Lajes – sem as Lajes não existiria Acordo –, é para Portugal um buraco negro sem princípio nem fim. Para os EUA constitui apenas a concretização de todos os seus desejos. Os Açores são a parte mais mal servida. A Região ficou sem quaisquer contrapartidas – antes tinha recebido vários milhões de dólares e ainda “dispensou” outros milhões para a FLAD –, permanecendo apenas abertas as portas para uma suposta cooperação com os EUA que até agora (o Acordo vigente foi assinado em 1995, expirou em 2000, mas continua em prorrogação anual automática) ninguém percebeu como poderá funcionar ou, sequer, se foi concebido para funcionar. Supõe-se que não.
No entanto, há um documento não publicado – mas que DI divulga hoje em rigoroso exclusivo – que acaba por elencar algumas áreas de cooperação específica entre os Açores e os EUA, mas dependendo do “espírito de boa vontade” dos EUA e do “espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas”. Quer isto dizer que os EUA ficam à espera da iniciativa açoriana, não assumindo qualquer responsabilidade de iniciativa, e mesmo assim só aceitam cooperar se estiverem da veia, ou seja, de “boa vontade”. Por aqui se percebe com que vimes se constrói esta sebe da cooperação. O documento em causa é a “Acta Final” das negociações e foi assinado em Lisboa a 28 de Março de 1995 pelos representantes de Portugal e dos EUA.
As principais áreas de cooperação referenciadas revelaram-se um fiasco:
- promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado nas Lajes. Os agentes económicos locais fartam-se de se manifestar insatisfeitos;- Cooperar na supressão e quarentena do escaravelho japonês. A praga, introduzida na ilha Terceira pelos norte-americanos, não só não foi exterminada, como já se instalou em várias ilhas;
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos. As consequências desta alínea têm-se revelado desastrosas. Além de as exportações serem uma miragem, o queijo de S. Jorge, principal produto com potencial para interessar ao mercado norte-americano, com particular destaque para o “mercado da saudade”, entrou na lista negra do organismo de controlo da alimentação nos EUA (FDA) e por consequência disso está mal visto e cada vez mais depreciado em quase todos os mercados;
- Preparação, por especialistas norte-americanos, de programas de cooperação em domínios como agricultura, ensino superior, ambiente, turismo protecção civil, segurança social e saúde. No geral destas áreas, a cooperação tem sido considerada insignificante;
- Colaboração na dragagem de portos e no reboque de barcos, comprometendo-se os EUA à transferência dos equipamentos necessários logo que estejam disponíveis. Em poucas áreas como nesta as autoridades regionais foram tão “gozadas”. Os rebocadores disponibilizados eram de tal forma velhos que nem navegavam e as gruas solicitadas nunca apareceram. A Região acabou por adquirir os equipamentos de que necessitava.
Destino diferente – no caso açoriano foi o caixote do lixo – tiveram outros compromissos assumidos na acta final. Por exemplo, o compromisso de oferecer a Portugal 173 milhões de dólares em equipamento militar foi largamento ultrapassado. O acesso a estas verbas foi, aliás – pelo que se percebe da Acta Final – a única condição prévia colocada por Portugal para engendrar com os EUA o acordo de 1995.
Em verdade se diga que tudo isto foi previsto e escrito e logo pelo órgão que geralmente é tido como eternamente adormecido e de utilidade pouco mais do que simbólica. A Comissão Parlamentar de Política Geral e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa Regional, ao apreciar a proposta de Acordo, deixou escrito que “A cooperação estabelecida no Acordo coloca a Região (…) em plano de inferioridade no quadro nacional, dada a falta de infra-estruturas locais, penalizando as expectativas da Região no acesso às áreas de cooperação referenciadas”. O parecer revelou-se profético.
O Acordo das Lajes continua, porém, em vigor, apesar de toda a gente de boa fé e de inteligência mediana já ter percebido que Portugal desenvolveu uma estratégia negocial sem pés nem cabeça, completamente desinformada, que resultou em cláusulas leoninas para a outra parte. Portugal chegou ao ponto de entregar cidadãos nacionais – os trabalhadores das Lajes – ao livre arbítrio dos norte-americanos, recusando-lhes o acesso livre à justiça e o usufruto de eventuais sentenças favoráveis, o que significa que aos próprios tribunais foi retirado o estatuto de órgãos de soberania.
Apesar de todo este imbróglio estar hoje bem percebido e de se conhecerem a importância reforçada das Lajes para as estratégias americanas e o alto valor que os norte-americanos concedem a infra-estruturas que, além de serem decisivas, estão implantadas em zonas geográficas amigas (o que não acontece na Europa continental, como são prova a operação de 1973 – apoio a Israel -, o encerramento de Torrejon ou as recentes manifestações em Itália contra a base de Vicenza) – mesmo assim Portugal continua a não perceber que o Acordo das Lajes tem de ser revisto. A outra hipótese – muito plausível, aliás… - é Portugal estar, mais uma vez, a facturar altos benefícios por conta dos Açores.Escusado será escrever que nestas histórias a Região limita-se a apanhar bonés.
É por tudo isto que convém divulgar a Acta Final até agora escondida e que no que diz respeito aos Açores nunca foi aplicada. Já lá vão doze anos.
O Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, determinados em fortalecer os laços de amizade que os une e em dar um novo enquadramento legal e político às relações entre os dois países, iniciaram em Janeiro de 1991 um processo de negociações que incluíram rondas em Lisboa e Washington e uma missão conjunta de informação aos Açores, e que hoje se conclui com a rubrica, pelos respectivos representantes, de um Acordo de Cooperação e Defesa.
ACORDO DE COOPERAÇÃO E DEFESA
1. Baseado nos princípios da reciprocidade e do respeito pela soberania das Partes, o Acordo de Cooperação e Defesa institui os mecanismos para reforçar as relações Portugal ¬ Estados Unidos em domínios de interesse mútuo.
2. Em primeiro lugar, o Acordo estabelece uma Comissão Bilateral Permanente incumbida de promover e supervisar a execução de programas de cooperação nas áreas da defesa, indústria, ciência e tecnologia, e relações económicas e comerciais.
3. O Acordo contempla também a criação de programas de operação com a Região Autónoma dos Açores.
4. O Acordo prevê ainda a realização de reuniões entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado.
5. O Acordo institucionaliza consultas político-militares, mediante reuniões anuais de altos funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa dos dois países.
6. Simultaneamente, o Acordo define as normas de utilização da Base Aérea nº 4 – Lajes pela "U.S. FORCES AZORES", estabelecendo para este fim um enquadramento actualizado, nos domínios da segurança e defesa, adaptado às novas circunstâncias que agora dominam a comunidade internacional.
7. As modalidades de utilização da Base Aérea das Lajes, bem como as normas para a contratação dos trabalhadores civis portugueses estão previstas em dois instrumentos, respectivamente o Acordo Técnico e o Acordo Laboral, os quais constituem parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa. No contexto das actuais negociações, chegou-se a um acordo quanto às versões revistas do Acordo Técnico e do Acordo Laboral que substituirão os anteriores Acordo Técnico e Acordo Laboral.
8. O Acordo de Cooperação e Defesa que substitui o Acordo de Defesa de 1951 e ulteriores acordos, será válido por um período de cinco anos renovável por períodos sucessivos de um ano, tendo em vista enquadrar desta forma as relações entre Portugal e os Estados Unidos no século XXI.
9. O Acordo de Cooperação e Defesa e os seus Acordos Complementares entrarão em vigor após a notificação de cada uma das Partes relativamente à conclusão dos seus respectivos procedimentos constitucionais.
II - APLICAÇÃO DAS CONSULTAS DE 1989
10. Como condição prévia à negociação do Acordo de Cooperação e Defesa, o Governo de Portugal - e o Governo dos Estados Unidos chegaram a um acordo quanto à execução conclusões das consultas de 1989.
11. Deste modo o Governo dos Estados Unidos concordou em oferecer ao Governo Português armas e equipamento militar num valor total e 173 milhões de dólares. Esse equipamento está indicado numa lista global, preparada e actualizável em qualquer momento pelas Forças Armadas Portuguesas. Esta lista pode também ser actualizada mediante propostas feitas pelo Governo dos Estados Unidos, sujeitas à concordância do Governo de Portugal. Será seleccionado equipamento para oferta e transferência para o Governo de Portugal ao abrigo dos procedimentos estabelecidos para a selecção, oferta e transferência de Artigos de Defesa em Excesso (EDA) em conformidade com o disposto no Southern Region Amendment.
12. O referido acordo faz parte integrante das Actas rubricados pelos dois Chefes de Delegação em 25 de Junho de 1993.
III - PROGRAMAS DE COOPERAÇÃO
13. Além dos programas a estabelecer no quadro da Comissão Bilateral Permanente, o Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos procederam, no decorrer destas negociações, à identificação de possíveis áreas de cooperação entre os dois países.
14. Desta forma, e com vista a preparar desde já as actividades da Comissão, ambas as Partes comprometem-se a estabelecer novos contactos e desenvolver iniciativas nas seguintes áreas:- POLÍTICO-DIPLOMÁTICA nomeadamente através da realização de debates aprofundados sobre matérias de interesse comum e da promoção de estágios para jovens diplomatas de ambos os países;- MILITAR - promovendo a realização de cursos de instrução e de aperfeiçoamento, de treino de forças em exercícios conjuntos, da participação em projectos de inovação e melhoria de sistemas de armamento - incluindo a pesquisa, desenvolvimento e produção de componentes - e cooperando no campo das tecnologias e procedimentos concebidos para protecção do meio ambiente;- CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - para além de quaisquer outras actividades, os Estados Unidos e Portugal analisarão e desenvolverão meios adequados para comemorar o quinto centenário da histórica viagem de Descoberta de Vasco da Gama, em 1998, incluindo medidas nas áreas científica, tecnológica e exploração espacial.- LUTA CONTRA O TERRORISMO INTERNACIONAL E TRÁFICO DE DROGA - através da troca de informações e de operações conjuntas conduzidas pelos Departamentos competentes;SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO - intensificação dos contactos entre os serviços de informação dos dois países;COOPERAÇÃO TRILATERAL EM ÁFRICA
15. O Governo de Portugal salientou a importância que atribui à redução do período de espera para atribuição de vistos de reunificação familiar e à supressão de vistos para não imigrantes. A Administração dos Estados Unidos fez notar a base legal dos regulamentos existentes nestas duas áreas e comprometeu-se a examinar atentamente as estatísticas dos vistos em Portugal e a manter-se em contacto com o Congresso, na expectativa de que as circunstâncias evoluam de forma a permitir progressos nesta matéria.
IV - COOPERAÇÃO COM OS AÇORES
16. O Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos, conscientes da contribuição decisiva da Região Autónoma dos Açores para as relações de amizade entre os dois países e para a sua defesa e segurança, em particular no que diz respeito à utilização da Base Aérea das Lajes, estão decididos a promover, no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa, programas de cooperação com os Açores.
17. Com esse objectivo e em colaboração com o Governo da Região Autónoma, as duas Delegações realizaram em 8 e 9 de Outubro de 1993 uma visita de trabalho às Ilhas, com o objectivo de identificar as futuras áreas de cooperação. Tendo em conta a informação que então foi obtida e para além dos programas a criar no âmbito da Comissão Bilateral Permanente que apelarão ao espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas, o Governo dos Estados Unidos compromete-se daqui em diante, e num espírito de boa vontade a:
- Promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado na Base Aérea das Lajes;
- Cooperar com o Governo Regional para prosseguir o esforço acordado por ambas as partes para a supressão e quarentena do escaravelho japonês na Ilha Terceira, de acordo com as conclusões do relatório sobre este assunto apresentado pela Secretaria Regional de Agricultura e Pescas. Esta cooperação incluirá consultas de peritos, material, equipamento e acções de treino. Ambas as Partes procurarão completar esta tarefa em 1998. Os Estados Unidos assinalaram que continuariam a assegurar que o esforço nos Açores se prolongaria durante o período do programa de erradicação até 1998 e que recorreriam em tempo oportuno aos conhecimentos científicos mais avançados e aos resultados de investigações nesta matéria através de visitas de técnicos especializados, treino e intercâmbio de informações científicas. Os Estados Unidos assinalaram também que seria fornecida outra assistência material ao programa, incluindo financeira, à medida da sua disponibilidade.
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos.
- Enviar missões constituídas por especialistas dos diversos departamentos técnicos, para contactar as autoridades regionais e preparar programas de cooperação em vários domínios, nomeadamente:
- AGRICULTURA - a nível técnico e através do treino dos agricultores açorianos;
- ENSINO SUPERIOR - apoio à cooperação técnica, investigação, preparação de professores universitários e treino de especialistas em vários domínios;
- MEIO AMBIENTE - através de um intercâmbio nas áreas dos recursos hídricos, preservação das espécies, prevenção da poluição de hidrocarbonetos, e cooperação no domínio do tratamento de resíduos; para além disso, as USFORAZORES manterão o seu empenhamento quanto à actual política do meio ambiente, colaborando com as autoridades regionais;
- TURISMO - aos níveis do treino e da promoção do investimento;
- PROTECÇÃO CIVIL - para benefício de todo o Arquipélago e, em particular, dos habitantes da área circundante da Base Aérea das Lajes; será prestada especial atenção à criação da Rede de Sismologia dos Açores;
- SEGURANÇA SOCIAL E SAÚDE - preparar, conjuntamente com o Governo Português e o Governo Regional, um protocolo destinado a promover o intercâmbio nos domínios da saúde e ciências médicas, bem como uma cooperação mais completa entre as USFORAZORES e os serviços regionais de saúde;Quando for apropriado, essas acções serão complementadas pondo à disposição equipamento excedente com aplicação nas áreas acima referidas, de interesse para o Governo Regional e patrocinando visitas de especialistas e estudantes da Região Autónoma aos Estados Unidos.
18. O Governo dos Estados Unidos e o Governo de Portugal concordam em estabelecer um comité bilateral que analisará numa base contínua os seus interesses comuns relativamente às capacidades operacionais a longo prazo das instalações portuárias e aeronáuticas nos Açores, incluindo a dragagem e a organização do serviço de reboque de barcos. Neste contexto, o Governo dos Estados Unidos porá à disposição o equipamento exigido para o funcionamento efectivo destas instalações no respeito pelas suas leis nacionais e procedimentos. Listas desse equipamento poderão ser desenvolvidas e alteradas através de consultas entre as Partes em qualquer momento, no quadro do comité bilateral encarregue das instalações portuárias e aeronáuticas.
19. Os Estados Unidos concordaram em transferir esse equipamento logo que esteja disponível. O Governo de Portugal apresentou uma lista contendo as necessidades em equipamento disponível. O processo de identificação do equipamento portuário e aeronáutico disponíveis para transferência, prosseguirá.
20. As USFORAZORES esforçar-se-ão por utilizar o porto comercial da Praia da Vitória para fins diversos, e por sua vez as autoridades portuguesas utilizarão o porto das USFORAZORES para descarregar combustível. Assim, as USFORAZORES porão à disposição, gratuitamente, a utilização de depósitos de combustível com capacidade para 1.5 milhões de litros de gasolina e 4.5 milhões de litros de gasóleo que servirão para armazenar o combustível descarregado das embarcações portuguesas.
21. Os dois Governos constatam que a análise e promoção de programas de cooperação e intercâmbio em muitas das áreas acima referidas e que têm repercussões nos Açores são tarefas compatíveis com os objectivos de longo prazo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, estabelecida através de uma iniciativa conjunta uma década. Os dois Governos consideram que estudos futuros e outras iniciativas da Fundação podem contribuir significativamente para atingir objectivos comuns nos Açores.
V - ARRANJOS PROVISÓRIOS
22. Tendo presente os acordos concluídos entre os dois países relativamente à promoção de programas de cooperação, e com o objectivo de iniciar a partir de agora as consultas bilaterais instituídas pelo Acordo de Cooperação e Defesa, ambas as partes decidem, até à entrada em vigor do Acordo, nomear delegações nacionais provisórias que começarão a trabalhar de imediato.
Lisboa, 28 de Março de 1995
Pela República Portuguesa
Pelos Estados Unidos da América
BENEFÍCIOS NUNCA CONCRETIZADOS
A acta escondida do Acordo das Lajes
O escaravelho japonês continua a infestar os Açores, ilha a ilha; o queijo de S. Jorge está na lista negra das alfândegas norte-americanas; os rebocadores e as gruas para equipar os portos dos Açores nunca apareceram, e por aí fora. A Acta Final do Acordo das Lajes contempla estes benefícios para os Açores. O documento nunca foi publicado. Permaneceu no fundo duma gaveta, tal como os benefícios, que só seriam concretizados com a “boa vontade” norte-americana.
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, conhecido e com total propriedade, por Acordo das Lajes – sem as Lajes não existiria Acordo –, é para Portugal um buraco negro sem princípio nem fim. Para os EUA constitui apenas a concretização de todos os seus desejos. Os Açores são a parte mais mal servida. A Região ficou sem quaisquer contrapartidas – antes tinha recebido vários milhões de dólares e ainda “dispensou” outros milhões para a FLAD –, permanecendo apenas abertas as portas para uma suposta cooperação com os EUA que até agora (o Acordo vigente foi assinado em 1995, expirou em 2000, mas continua em prorrogação anual automática) ninguém percebeu como poderá funcionar ou, sequer, se foi concebido para funcionar. Supõe-se que não.
No entanto, há um documento não publicado – mas que DI divulga hoje em rigoroso exclusivo – que acaba por elencar algumas áreas de cooperação específica entre os Açores e os EUA, mas dependendo do “espírito de boa vontade” dos EUA e do “espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas”. Quer isto dizer que os EUA ficam à espera da iniciativa açoriana, não assumindo qualquer responsabilidade de iniciativa, e mesmo assim só aceitam cooperar se estiverem da veia, ou seja, de “boa vontade”. Por aqui se percebe com que vimes se constrói esta sebe da cooperação. O documento em causa é a “Acta Final” das negociações e foi assinado em Lisboa a 28 de Março de 1995 pelos representantes de Portugal e dos EUA.
As principais áreas de cooperação referenciadas revelaram-se um fiasco:
- promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado nas Lajes. Os agentes económicos locais fartam-se de se manifestar insatisfeitos;- Cooperar na supressão e quarentena do escaravelho japonês. A praga, introduzida na ilha Terceira pelos norte-americanos, não só não foi exterminada, como já se instalou em várias ilhas;
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos. As consequências desta alínea têm-se revelado desastrosas. Além de as exportações serem uma miragem, o queijo de S. Jorge, principal produto com potencial para interessar ao mercado norte-americano, com particular destaque para o “mercado da saudade”, entrou na lista negra do organismo de controlo da alimentação nos EUA (FDA) e por consequência disso está mal visto e cada vez mais depreciado em quase todos os mercados;
- Preparação, por especialistas norte-americanos, de programas de cooperação em domínios como agricultura, ensino superior, ambiente, turismo protecção civil, segurança social e saúde. No geral destas áreas, a cooperação tem sido considerada insignificante;
- Colaboração na dragagem de portos e no reboque de barcos, comprometendo-se os EUA à transferência dos equipamentos necessários logo que estejam disponíveis. Em poucas áreas como nesta as autoridades regionais foram tão “gozadas”. Os rebocadores disponibilizados eram de tal forma velhos que nem navegavam e as gruas solicitadas nunca apareceram. A Região acabou por adquirir os equipamentos de que necessitava.
Destino diferente – no caso açoriano foi o caixote do lixo – tiveram outros compromissos assumidos na acta final. Por exemplo, o compromisso de oferecer a Portugal 173 milhões de dólares em equipamento militar foi largamento ultrapassado. O acesso a estas verbas foi, aliás – pelo que se percebe da Acta Final – a única condição prévia colocada por Portugal para engendrar com os EUA o acordo de 1995.
Em verdade se diga que tudo isto foi previsto e escrito e logo pelo órgão que geralmente é tido como eternamente adormecido e de utilidade pouco mais do que simbólica. A Comissão Parlamentar de Política Geral e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa Regional, ao apreciar a proposta de Acordo, deixou escrito que “A cooperação estabelecida no Acordo coloca a Região (…) em plano de inferioridade no quadro nacional, dada a falta de infra-estruturas locais, penalizando as expectativas da Região no acesso às áreas de cooperação referenciadas”. O parecer revelou-se profético.
O Acordo das Lajes continua, porém, em vigor, apesar de toda a gente de boa fé e de inteligência mediana já ter percebido que Portugal desenvolveu uma estratégia negocial sem pés nem cabeça, completamente desinformada, que resultou em cláusulas leoninas para a outra parte. Portugal chegou ao ponto de entregar cidadãos nacionais – os trabalhadores das Lajes – ao livre arbítrio dos norte-americanos, recusando-lhes o acesso livre à justiça e o usufruto de eventuais sentenças favoráveis, o que significa que aos próprios tribunais foi retirado o estatuto de órgãos de soberania.
Apesar de todo este imbróglio estar hoje bem percebido e de se conhecerem a importância reforçada das Lajes para as estratégias americanas e o alto valor que os norte-americanos concedem a infra-estruturas que, além de serem decisivas, estão implantadas em zonas geográficas amigas (o que não acontece na Europa continental, como são prova a operação de 1973 – apoio a Israel -, o encerramento de Torrejon ou as recentes manifestações em Itália contra a base de Vicenza) – mesmo assim Portugal continua a não perceber que o Acordo das Lajes tem de ser revisto. A outra hipótese – muito plausível, aliás… - é Portugal estar, mais uma vez, a facturar altos benefícios por conta dos Açores.Escusado será escrever que nestas histórias a Região limita-se a apanhar bonés.
É por tudo isto que convém divulgar a Acta Final até agora escondida e que no que diz respeito aos Açores nunca foi aplicada. Já lá vão doze anos.
Acta Final
O Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, determinados em fortalecer os laços de amizade que os une e em dar um novo enquadramento legal e político às relações entre os dois países, iniciaram em Janeiro de 1991 um processo de negociações que incluíram rondas em Lisboa e Washington e uma missão conjunta de informação aos Açores, e que hoje se conclui com a rubrica, pelos respectivos representantes, de um Acordo de Cooperação e Defesa.
ACORDO DE COOPERAÇÃO E DEFESA
1. Baseado nos princípios da reciprocidade e do respeito pela soberania das Partes, o Acordo de Cooperação e Defesa institui os mecanismos para reforçar as relações Portugal ¬ Estados Unidos em domínios de interesse mútuo.
2. Em primeiro lugar, o Acordo estabelece uma Comissão Bilateral Permanente incumbida de promover e supervisar a execução de programas de cooperação nas áreas da defesa, indústria, ciência e tecnologia, e relações económicas e comerciais.
3. O Acordo contempla também a criação de programas de operação com a Região Autónoma dos Açores.
4. O Acordo prevê ainda a realização de reuniões entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado.
5. O Acordo institucionaliza consultas político-militares, mediante reuniões anuais de altos funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa dos dois países.
6. Simultaneamente, o Acordo define as normas de utilização da Base Aérea nº 4 – Lajes pela "U.S. FORCES AZORES", estabelecendo para este fim um enquadramento actualizado, nos domínios da segurança e defesa, adaptado às novas circunstâncias que agora dominam a comunidade internacional.
7. As modalidades de utilização da Base Aérea das Lajes, bem como as normas para a contratação dos trabalhadores civis portugueses estão previstas em dois instrumentos, respectivamente o Acordo Técnico e o Acordo Laboral, os quais constituem parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa. No contexto das actuais negociações, chegou-se a um acordo quanto às versões revistas do Acordo Técnico e do Acordo Laboral que substituirão os anteriores Acordo Técnico e Acordo Laboral.
8. O Acordo de Cooperação e Defesa que substitui o Acordo de Defesa de 1951 e ulteriores acordos, será válido por um período de cinco anos renovável por períodos sucessivos de um ano, tendo em vista enquadrar desta forma as relações entre Portugal e os Estados Unidos no século XXI.
9. O Acordo de Cooperação e Defesa e os seus Acordos Complementares entrarão em vigor após a notificação de cada uma das Partes relativamente à conclusão dos seus respectivos procedimentos constitucionais.
II - APLICAÇÃO DAS CONSULTAS DE 1989
10. Como condição prévia à negociação do Acordo de Cooperação e Defesa, o Governo de Portugal - e o Governo dos Estados Unidos chegaram a um acordo quanto à execução conclusões das consultas de 1989.
11. Deste modo o Governo dos Estados Unidos concordou em oferecer ao Governo Português armas e equipamento militar num valor total e 173 milhões de dólares. Esse equipamento está indicado numa lista global, preparada e actualizável em qualquer momento pelas Forças Armadas Portuguesas. Esta lista pode também ser actualizada mediante propostas feitas pelo Governo dos Estados Unidos, sujeitas à concordância do Governo de Portugal. Será seleccionado equipamento para oferta e transferência para o Governo de Portugal ao abrigo dos procedimentos estabelecidos para a selecção, oferta e transferência de Artigos de Defesa em Excesso (EDA) em conformidade com o disposto no Southern Region Amendment.
12. O referido acordo faz parte integrante das Actas rubricados pelos dois Chefes de Delegação em 25 de Junho de 1993.
III - PROGRAMAS DE COOPERAÇÃO
13. Além dos programas a estabelecer no quadro da Comissão Bilateral Permanente, o Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos procederam, no decorrer destas negociações, à identificação de possíveis áreas de cooperação entre os dois países.
14. Desta forma, e com vista a preparar desde já as actividades da Comissão, ambas as Partes comprometem-se a estabelecer novos contactos e desenvolver iniciativas nas seguintes áreas:- POLÍTICO-DIPLOMÁTICA nomeadamente através da realização de debates aprofundados sobre matérias de interesse comum e da promoção de estágios para jovens diplomatas de ambos os países;- MILITAR - promovendo a realização de cursos de instrução e de aperfeiçoamento, de treino de forças em exercícios conjuntos, da participação em projectos de inovação e melhoria de sistemas de armamento - incluindo a pesquisa, desenvolvimento e produção de componentes - e cooperando no campo das tecnologias e procedimentos concebidos para protecção do meio ambiente;- CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - para além de quaisquer outras actividades, os Estados Unidos e Portugal analisarão e desenvolverão meios adequados para comemorar o quinto centenário da histórica viagem de Descoberta de Vasco da Gama, em 1998, incluindo medidas nas áreas científica, tecnológica e exploração espacial.- LUTA CONTRA O TERRORISMO INTERNACIONAL E TRÁFICO DE DROGA - através da troca de informações e de operações conjuntas conduzidas pelos Departamentos competentes;SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO - intensificação dos contactos entre os serviços de informação dos dois países;COOPERAÇÃO TRILATERAL EM ÁFRICA
15. O Governo de Portugal salientou a importância que atribui à redução do período de espera para atribuição de vistos de reunificação familiar e à supressão de vistos para não imigrantes. A Administração dos Estados Unidos fez notar a base legal dos regulamentos existentes nestas duas áreas e comprometeu-se a examinar atentamente as estatísticas dos vistos em Portugal e a manter-se em contacto com o Congresso, na expectativa de que as circunstâncias evoluam de forma a permitir progressos nesta matéria.
IV - COOPERAÇÃO COM OS AÇORES
16. O Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos, conscientes da contribuição decisiva da Região Autónoma dos Açores para as relações de amizade entre os dois países e para a sua defesa e segurança, em particular no que diz respeito à utilização da Base Aérea das Lajes, estão decididos a promover, no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa, programas de cooperação com os Açores.
17. Com esse objectivo e em colaboração com o Governo da Região Autónoma, as duas Delegações realizaram em 8 e 9 de Outubro de 1993 uma visita de trabalho às Ilhas, com o objectivo de identificar as futuras áreas de cooperação. Tendo em conta a informação que então foi obtida e para além dos programas a criar no âmbito da Comissão Bilateral Permanente que apelarão ao espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas, o Governo dos Estados Unidos compromete-se daqui em diante, e num espírito de boa vontade a:
- Promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado na Base Aérea das Lajes;
- Cooperar com o Governo Regional para prosseguir o esforço acordado por ambas as partes para a supressão e quarentena do escaravelho japonês na Ilha Terceira, de acordo com as conclusões do relatório sobre este assunto apresentado pela Secretaria Regional de Agricultura e Pescas. Esta cooperação incluirá consultas de peritos, material, equipamento e acções de treino. Ambas as Partes procurarão completar esta tarefa em 1998. Os Estados Unidos assinalaram que continuariam a assegurar que o esforço nos Açores se prolongaria durante o período do programa de erradicação até 1998 e que recorreriam em tempo oportuno aos conhecimentos científicos mais avançados e aos resultados de investigações nesta matéria através de visitas de técnicos especializados, treino e intercâmbio de informações científicas. Os Estados Unidos assinalaram também que seria fornecida outra assistência material ao programa, incluindo financeira, à medida da sua disponibilidade.
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos.
- Enviar missões constituídas por especialistas dos diversos departamentos técnicos, para contactar as autoridades regionais e preparar programas de cooperação em vários domínios, nomeadamente:
- AGRICULTURA - a nível técnico e através do treino dos agricultores açorianos;
- ENSINO SUPERIOR - apoio à cooperação técnica, investigação, preparação de professores universitários e treino de especialistas em vários domínios;
- MEIO AMBIENTE - através de um intercâmbio nas áreas dos recursos hídricos, preservação das espécies, prevenção da poluição de hidrocarbonetos, e cooperação no domínio do tratamento de resíduos; para além disso, as USFORAZORES manterão o seu empenhamento quanto à actual política do meio ambiente, colaborando com as autoridades regionais;
- TURISMO - aos níveis do treino e da promoção do investimento;
- PROTECÇÃO CIVIL - para benefício de todo o Arquipélago e, em particular, dos habitantes da área circundante da Base Aérea das Lajes; será prestada especial atenção à criação da Rede de Sismologia dos Açores;
- SEGURANÇA SOCIAL E SAÚDE - preparar, conjuntamente com o Governo Português e o Governo Regional, um protocolo destinado a promover o intercâmbio nos domínios da saúde e ciências médicas, bem como uma cooperação mais completa entre as USFORAZORES e os serviços regionais de saúde;Quando for apropriado, essas acções serão complementadas pondo à disposição equipamento excedente com aplicação nas áreas acima referidas, de interesse para o Governo Regional e patrocinando visitas de especialistas e estudantes da Região Autónoma aos Estados Unidos.
18. O Governo dos Estados Unidos e o Governo de Portugal concordam em estabelecer um comité bilateral que analisará numa base contínua os seus interesses comuns relativamente às capacidades operacionais a longo prazo das instalações portuárias e aeronáuticas nos Açores, incluindo a dragagem e a organização do serviço de reboque de barcos. Neste contexto, o Governo dos Estados Unidos porá à disposição o equipamento exigido para o funcionamento efectivo destas instalações no respeito pelas suas leis nacionais e procedimentos. Listas desse equipamento poderão ser desenvolvidas e alteradas através de consultas entre as Partes em qualquer momento, no quadro do comité bilateral encarregue das instalações portuárias e aeronáuticas.
19. Os Estados Unidos concordaram em transferir esse equipamento logo que esteja disponível. O Governo de Portugal apresentou uma lista contendo as necessidades em equipamento disponível. O processo de identificação do equipamento portuário e aeronáutico disponíveis para transferência, prosseguirá.
20. As USFORAZORES esforçar-se-ão por utilizar o porto comercial da Praia da Vitória para fins diversos, e por sua vez as autoridades portuguesas utilizarão o porto das USFORAZORES para descarregar combustível. Assim, as USFORAZORES porão à disposição, gratuitamente, a utilização de depósitos de combustível com capacidade para 1.5 milhões de litros de gasolina e 4.5 milhões de litros de gasóleo que servirão para armazenar o combustível descarregado das embarcações portuguesas.
21. Os dois Governos constatam que a análise e promoção de programas de cooperação e intercâmbio em muitas das áreas acima referidas e que têm repercussões nos Açores são tarefas compatíveis com os objectivos de longo prazo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, estabelecida através de uma iniciativa conjunta uma década. Os dois Governos consideram que estudos futuros e outras iniciativas da Fundação podem contribuir significativamente para atingir objectivos comuns nos Açores.
V - ARRANJOS PROVISÓRIOS
22. Tendo presente os acordos concluídos entre os dois países relativamente à promoção de programas de cooperação, e com o objectivo de iniciar a partir de agora as consultas bilaterais instituídas pelo Acordo de Cooperação e Defesa, ambas as partes decidem, até à entrada em vigor do Acordo, nomear delegações nacionais provisórias que começarão a trabalhar de imediato.
Lisboa, 28 de Março de 1995
Pela República Portuguesa
Pelos Estados Unidos da América